Para agências de inteligência, ciberataques podem causar mais danos que atentados, relata jornalista Shane Harris
Ataques de hackers são ameaça maior do que atentados nos EUA [de 11/9/2001]
Da "Folha de S. Paulo"
"O [jornalista Shane Harris] acha possível que EUA tenham derrubado a internet norte-coreana.
Os EUA gastaram US$ 13 bilhões com ciberdefesa neste ano.
Por RAUL JUSTE LORES, de Washington
Ataques de hackers aos EUA [e a qualquer país] podem causar muito mais pânico que qualquer grande atentado terrorista. São a "maior ameaça à segurança nacional americana", segundo as 17 agências de inteligência do país em relatório ao Congresso neste ano.
É o que relata Shane Harris, jornalista e pesquisador da "New America Foundation", um centro de estudos, em seu livro "At War - The Rise of the Military-Internet Complex" [Em Guerra - O Crescimento do Complexo da Internet Militar], lançado em novembro.
Em tempos em que a Coreia do Norte é acusada de constranger o estúdio de cinema Sony, vazando centenas de e-mails pessoais e ameaçando a estreia de um filme ("A Entrevista") que zomba de seu ditador, Harris explica diversos temores com ataques como esse.
"Em vez de roubar informação de um computador, eles podem destruir o próprio computador, derrubar redes que operam o controle de tráfego aéreo ou o sistema de eletricidade, deixando cidades às escuras", conta Harris à "Folha". "Também podem apagar ou corromper informação de dados bancários."
Ele acha "tecnicamente possível" que o governo americano tenha conduzido o ataque que derrubou a internet da Coreia do Norte na segunda-feira (22). "O país tem muito poucas conexões à rede --poucas e vulneráveis. Seria relativamente fácil até para um grupo sem muita capacidade derrubar seu sistema."
Para o pesquisador, seria bem mais difícil fazer isso contra um país maior, com várias conexões à web.
No livro, Harris relata diversos episódios que comprovam que a guerra digital "já chegou". Os EUA, por exemplo, ainda no governo Bush, [sem declarar guerra e sem autorização do Conselho de Segurança da ONU] infiltraram um supervírus chamado "Stuxnet" que destruiu mil centrífugas do programa nuclear do Irã, forçando-as a uma velocidade muito maior que a programada.
A China conseguiu invadir os servidores americanos e roubar dados sobre os caças F-35. Em viagem a Pequim, o então secretário de Defesa, Robert Gates, teve seu laptop "grampeado". Os emails de Gates foram hackeados.
Harris, que há dez anos escreve sobre o tema, afirma que ainda há pouco diálogo sobre um possível "código de conduta" digital, que definisse algumas áreas intocáveis, como a operação de satélites.
"Os EUA abriram para os chineses recentemente a lista de ações no espaço digital que seriam consideradas hostis ou agressivas. Mas não houve reciprocidade do lado chinês. Então, não temos ainda um bom senso das regras do ciberespaço com a China, nem com a Rússia", diz.
O livro informa que, só neste ano, o governo americano gastou US$ 13 bilhões em programas de ciberdefesa [e ciberataque] (equivalentes a R$ 34 bilhões --mais que todo o orçamento do Exército brasileiro, de R$ 29 bilhões em 2014, incluindo despesas de pessoal).
NSA E INSEGURANÇA
"Os EUA estão entre um punhado de países cuja política assumida é a de dominar o ciberespaço como um campo de batalha. E têm os meios para fazê-lo", diz o autor.
"As ações agressivas dos EUA mudam a internet de modo fundamental, nem sempre para melhor. Em seu zelo para proteger o espaço digital, o governo e as corporações o deixam mais vulnerável."
Ele culpa a NSA, a famosa Agência de Segurança Nacional dos EUA, por essa debilitação. "A NSA tem inserido [propositadamente] falhas e debilidades na tecnologia de criptografia que é adotada no mercado comercial. Isso enfraquece a segurança."
À "Folha", Harris diz que especialistas, parlamentares e gente da indústria reclamam que as redes dos EUA ainda são bem pouco protegidas. "A resposta típica da NSA é que ela precisa de mais acesso às redes particulares para monitorar esses ataques."
O especialista diz que já há compartilhamento com o governo muitos dados sobre ameaças específicas contra Wall Street e o Vale do Silício. Mas os bancos, em particular, resistem às tentativas da NSA de entrar em suas redes.
Harris não vê Edward Snowden como herói das denúncias nem como traidor da pátria. "Justamente a agência que protegeria todas as redes não conseguiu evitar que um funcionário terceirizado de 29 anos revelasse as impressões digitais de seu programa global", escreve."
FONTE: Jornal GGN" (http://jornalggn.com.br/noticia/ataques-de-hackers-sao-ameaca-maior-do-que-atentados-nos-eua).
COMPLEMENTAÇÃO
Ciberataque à Coreia do Norte e a balcanização da internet
"Ninguém sabe ao certo quem causou o isolamento da Coreia do Norte na internet mundial durante quase 10 horas na segunda-feira (22), mas uma coisa já ficou clara: a partir de agora todos os países do mundo estão sujeitos a um blackout cibernético como retaliação política, econômica, religiosa ou criminal. Acabamos reféns de quem controla os circuitos 'backbone' que garantem o fluxo mundial de bits e bytes.
Por Carlos Castilho, para o Observatório da Imprensa
Usar a internet como arma de guerra é relativamente fácil e sem o ônus do derramamento de sangue presente em todos os conflitos bélicos ao longo da história
Já não é mais necessário disparar foguetes, deslocar tropas ou espalhar outra vez o terror nuclear. Basta um clique em algum computador misterioso e toda uma nação poderá ficar imobilizada pelo estrangulamento dos canais que asseguram a circulação de dados financeiros, informações meteorológicas, bancos de dados e a segurança pública, só para citar algumas das centenas de sistemas sem os quais o nosso dia a dia, especialmente nas grandes cidades, vira um caos completo.
Um dos sistemas mais afetados na eventualidade de um blackout cibernético é o da informação pública, uma vez que toda a imprensa está hoje vitalmente dependente da internet. Correio eletrônico, Facebook, Twitter, WhatsApp e todos os aplicativos que hoje dependem da internet se tornariam inacessíveis, com consequências fáceis de imaginar.
O episodio da Coreia do Norte mostra a nova cara dos conflitos por interesses políticos e econômicos no planeta. Paradoxalmente, o crescimento da internet acabou pulverizando o sonho dos criadores da rede mundial de computadores, que a conceberam para impedir que o sistema planetário de comunicações fosse destruído por um ataque nuclear. O pai da web, o britânico Timothy Berners-Lee, e todos os demais visionários da década de 1960 achavam que a descentralização garantiria a sobrevivência das redes virtuais por meio de circuitos interligados: se um deles fosse destruído, os demais continuariam intactos.
A descentralização alimentou o sonho de uma internet sem controle hierárquico, sem um presidente e livre de regulamentos rígidos. Mas isso parece cada dia mais ameaçado porque a dinâmica das relações econômicas mundiais ainda continua dependente da centralização globalizadora. O contexto político no qual a internet está inserida também é altamente hierarquizado, apesar da existência de dissidentes como o Wikileaks e os crackers (fanáticos pela tecnologia e defensores de um anarquismo cibernético) que insistem em desafiar o controle verticalizado.
O blackout na internet norte-coreana pode acabar fortalecendo a tendência à balcanização do universo digital com a criação de redes nacionais independentes. Trata-se de uma ideia alimentada por regimes autoritários em várias partes do mundo, porque lhes permite controlar o fluxo interno de mensagens entre usuários da internet, rompendo com o princípio da descentralização sonhado pelos criadores da rede. Mas a balcanização cibernética enfrentará fortes reações das principais empresas da web, como Google e Facebook, cujo sucesso financeiro e corporativo depende justamente de uma internet sem fronteiras.
Usar a internet como arma de guerra é relativamente fácil e sem o ônus do derramamento de sangue presente em todos os conflitos bélicos ao longo da história. As vítimas acabam sendo enquadradas no jargão “danos colaterais”, que só aparecem no médio e longo prazos, e que podem ser facilmente associados a outras causas. Mas a decisão estratégica de usar esse recurso cibernético pode acabar se constituindo num suicídio político e econômico, pois o mundo atingiu um grau de interligação entre nações, organizações, empresas e indivíduos inédito na história da humanidade."
FONTE da complementação: escrito por Carlos Castilho no "Observatório da Imprensa". Transcrito no portal "Vermelho" (http://www.vermelho.org.br/noticia/256053-9).
Já não é mais necessário disparar foguetes, deslocar tropas ou espalhar outra vez o terror nuclear. Basta um clique em algum computador misterioso e toda uma nação poderá ficar imobilizada pelo estrangulamento dos canais que asseguram a circulação de dados financeiros, informações meteorológicas, bancos de dados e a segurança pública, só para citar algumas das centenas de sistemas sem os quais o nosso dia a dia, especialmente nas grandes cidades, vira um caos completo.
Um dos sistemas mais afetados na eventualidade de um blackout cibernético é o da informação pública, uma vez que toda a imprensa está hoje vitalmente dependente da internet. Correio eletrônico, Facebook, Twitter, WhatsApp e todos os aplicativos que hoje dependem da internet se tornariam inacessíveis, com consequências fáceis de imaginar.
O episodio da Coreia do Norte mostra a nova cara dos conflitos por interesses políticos e econômicos no planeta. Paradoxalmente, o crescimento da internet acabou pulverizando o sonho dos criadores da rede mundial de computadores, que a conceberam para impedir que o sistema planetário de comunicações fosse destruído por um ataque nuclear. O pai da web, o britânico Timothy Berners-Lee, e todos os demais visionários da década de 1960 achavam que a descentralização garantiria a sobrevivência das redes virtuais por meio de circuitos interligados: se um deles fosse destruído, os demais continuariam intactos.
A descentralização alimentou o sonho de uma internet sem controle hierárquico, sem um presidente e livre de regulamentos rígidos. Mas isso parece cada dia mais ameaçado porque a dinâmica das relações econômicas mundiais ainda continua dependente da centralização globalizadora. O contexto político no qual a internet está inserida também é altamente hierarquizado, apesar da existência de dissidentes como o Wikileaks e os crackers (fanáticos pela tecnologia e defensores de um anarquismo cibernético) que insistem em desafiar o controle verticalizado.
O blackout na internet norte-coreana pode acabar fortalecendo a tendência à balcanização do universo digital com a criação de redes nacionais independentes. Trata-se de uma ideia alimentada por regimes autoritários em várias partes do mundo, porque lhes permite controlar o fluxo interno de mensagens entre usuários da internet, rompendo com o princípio da descentralização sonhado pelos criadores da rede. Mas a balcanização cibernética enfrentará fortes reações das principais empresas da web, como Google e Facebook, cujo sucesso financeiro e corporativo depende justamente de uma internet sem fronteiras.
Usar a internet como arma de guerra é relativamente fácil e sem o ônus do derramamento de sangue presente em todos os conflitos bélicos ao longo da história. As vítimas acabam sendo enquadradas no jargão “danos colaterais”, que só aparecem no médio e longo prazos, e que podem ser facilmente associados a outras causas. Mas a decisão estratégica de usar esse recurso cibernético pode acabar se constituindo num suicídio político e econômico, pois o mundo atingiu um grau de interligação entre nações, organizações, empresas e indivíduos inédito na história da humanidade."
FONTE da complementação: escrito por Carlos Castilho no "Observatório da Imprensa". Transcrito no portal "Vermelho" (http://www.vermelho.org.br/noticia/256053-9).
Nenhum comentário:
Postar um comentário