domingo, 20 de setembro de 2015

O CASO GUATEMALA É ALERTA PARA O BRASIL




Revolução, Golpe, Mudanças e Reviravoltas na América Latina 

[OBS deste 'democracia&política': o caso Guatemala tem muitas semelhanças com as manipulações em curso no Brasil. É interessante conhecê-lo] 

Por Nil Nikandrov (Phil.Lic.– Risk Research. Stockholm School of Economics), com tradução de Anna Malm para o "Patria Latina"

"A administração de Obama leva a frente incansável, implacável, impiedosa e cruel guerra contra os presidentes dos países latino-americanos que não levem a cabo uma política que tenha sido arranjada e organizada por poderes em Washington, ou que não satisfaça aos mesmos

As tarefas relacionadas com derrubadas dos líderes latino-americanos  (considerados por Washington indesejáveissão determinadas nas Embaixadas dos Estados Unidos na Venezuela, Equador, Bolívia, Brasil e Argentina. Os intensivos ataques contra Nicolás Maduro, Rafael Correa, Evo Morales, Daniel Ortega, Dilma Rousseff e Cristina Fernandes de Kirchner aumentam constante e sucessivamente. Washington acredita que a caída de um deles leve a um efeito dominó na América Latina, que acabe por esmagar os “líderes populistas” [populistas significando os que priorizam o poder popular].

Nesse cenário de fundo, a operação especializada da Embaixada dos Estados Unidos para retirar do poder o presidente da Guatemala Otto Peres Molina não se apresenta como nenhuma surpresa. 

Antes, sempre se contava com o fato de que ele seria uma uma aposta certa do Pentágono e do Departamento do Estado dos Estados Unidos. Nos anos oitenta, quando Washington estava a instigar uma repressão sangrenta para esmagar o movimento guerrilheiro na Guatemala e na América Central, o general Peres Molina foi o homem que dirigiu as operações de represália feitas pelo conjunto de esquadrões particulares especializados, os quais eram conhecidos como “Caibiles”. O general Molina tornou-se, depois, através das pressões da CIA, o diretor dos serviços secretos do país. Em Washington, não havia dúvida de que ele no cargo de presidente da Guatemala iria executar todas as diretivas dadas a ele.

Entretanto, dentro de pouco tempo, Peres começou a dar sinais de pretender estabelecer sua independência e autonomia, ignorando ordens diretas da Embaixada dos EUA. Ele começou também a demonstrar, de muitas maneiras, que na Guatemala quem mandava era ele, e daí chega, basta. Alguém de dentro dos seus círculos começou a falar que ele estaria querendo declarar o embaixador dos Estados Unidos como “persona non grata”. A Embaixada, ouvindo esses planos, decidiu tomar a liderança do processo do golpe. O pretexto usado para a sua derrubada do poder foi o estabelecimento de uma "guerra contra a corrupção". Quem formalmente tomou a direção dessa "guerra" foi a "Comissão Internacional Contra a Impunidade na Guatemala" (CICIG), patrocinada pela OTAN. Na verdade, essa comissão era dirigida pelo Departamento do Estado dos Estados Unidos e pela CIA, e usada para preparar o campo político na Guatemala para estabelecimento de uma “nova geração” pró-americana no poder.

Peres compreendeu muito bem que informações comprometedoras, quanto a ele e seus funcionários e associados, tinham sido dadas à CICIG pela Embaixada dos Estados Unidos, onde funciona o sistema de espionagem e escutas [ilegais]. Sem fazer muito estardalhaço quanto ao seu mal-estar frente às atividades da CICIG, ele tentou terminar com o trabalho da comissão, dizendo que a tarefa poderia ser dada por concluída e que essas poderiam ser encerradas no final do ano. Entretanto, a pressão norte-americana fez-se sentir e Peres capitulou, anunciando o prolongamento do mandato da CICIG por mais dois anos.

Em fevereiro de 2014, a CICIG estava sendo dirigida pelo colombiano Ivan Velasquez, membro do Supremo Tribunal do seu país, onde também se fazia o mesmo que na Guatemala: “Limpava-se”, com os dados comprometedores fornecidos pela CIA e pelos serviços militares de inteligência dos Estados Unidos. Diga-se de passagem que esses fazem parte dos métodos habituais de trabalho da estrutura de poder dos EUA. Quanto à mídia pró-americana na Guatemala, essa apresentava Velasquez como um herói. Publicações a respeito dele se dão com títulos como “O colombiano que derrubou Peres”. Ele mesmo sabe como calar-se quanto ao envolvimento da Embaixada dos Estados Unidos nos inquéritos e mais ainda sobre seus próprios contatos com os centros de atividades da CIA.

A manipulação da informação, frequentemente no nível do fuxico e da fofoca, faz acusações sem escrúpulos e sem provas numa tarefa de “estufar as linguiças”. 

Entretanto, esse trabalho foi suficiente para convencer o povo da Guatemala que no seu país existiam dois grupos mafiosos. Um deles apresentava-se com a denominação "El Sindicato", que se apresentava como dirigido por Peres, o próprio presidente da Guatemala. O outro apresentava-se como a “Confradaria” – no original “Cofradía” – que se dizia dirigido por Roxana Baldetti, a vice-presidenta. Frequentemente, acusações semelhantes são alinhavadas/cozidas/construídas no decorrer das discussões ao vivo. Tudo fica destruído antes mesmo que seja feita qualquer análise e avaliação séria. Tem-se – da maneira como tudo se desenrolou, e depois de muitas águas terem passado – que o resultado obtido, visto da perspectiva deles, só possa ser considerado como um grande sucesso. Muitos foram os que caíram depois das primeiras tarefas dadas aos serviços secretos norte-americanos de comprometer e tirar do poder políticos indesejáveis para os Estados Unidos na América Latina .

Sob pressão da necessidade de apaziguar e silenciar as "manifestações de rua nos protestos contra a corrupção", Peres começou a fazer concessões: para começar, retirou a vice-presidenta Roxana Baldetti do seu posto. Depois, dezenas de funcionários vieram a perder os seus postos. Muitos deles foram acusados de pertencer a uma estrutura de corrupção denominada como “La Linea” [A Linha?] – ativa na alfândega e nos órgãos fiscais. A mídia acusava Peres de ser a figura-chave nessa estrutura, e de que a sua inimizade contra a CICIG vinha do fato de ele não querer perder a sua parte nesse mercado negro e obscuro, feito nas sombras.

Peres começou a perder o controle da situação no país. Tentou manobrar, deu garantias ao embaixador americano Todd Robinson de que tinha tomado providências para a instalação de reformas políticas e jurídicas. Entretanto, já era tarde demais. Chegando quase ao seu auge, as "demonstrações de rua" e outras ações de protesto continuavam a crescer incontrolavelmente. Em 5 de junho, ativistas de uma organização pouco conhecida denominada como “Aliança Cristã dos Trabalhadores”, chamada [eufemicamente] assim como na melhor das tradições da CIA, bloquearam a via central da capital da Guatemala. No final de agosto, começou uma greve-geral, a primeira em dezenas de anos, na qual tomaram parte não menos que 100.000 pessoas [observe-se que aqui já se trata de um novo conceito de democracia – não a das urnas, mas a dos gritos e berros e das desordens dos arruaceiros… Canja de galinha chamar 2 ou 5 milhões de pessoas às ruas num país de 100.000.000 de habitantes, não é verdade? No caso da Guatemala, de população de 15.000.000, 100.000 foram às ruas. Foi tudo contra seu voto? Cale a boca ou lá vem porretada da nova ordem assim estabelecida].

O parlamento reagiu a esse [democrático?] protesto e tirou a imunidade de Peres. O presidente se viu obrigado a deixar o seu cargo em 2 de setembro. No dia seguinte, 3 de setembro, o Tribunal da Guatemala apresentou a ordem de prisão de Peres, "por corrupção".

Foi dito que “dada a gravidade das acusações” o ex-presidente tinha sido levado a uma prisão militar. Numa entrevista com a CNN, Otto Peres Molina acusou principalmente Washington [pela sua deposição], sublinhando que a “Comissão Internacional Contra a Impunidade na Guatemala” era controlada pelos norte-americanos. Peres disse então que: “Isso me foi dito em pelo menos três ocasiões (e numa delas) pelo vice-presidente Biden, que também me pediu, durante minha visita em Washington, que eu prolongasse a credencial da CICIG”. Peres disse que não tinha se decidido quanto a isso porque a direção militar do país via essa comissão como um órgão repressivo, construído com o dinheiro americano para assédio, perseguição, busca, acusação e repressão, além de retaliação contra cidadãos da Guatemala, e isso não só por motivos, suspeitas, ou pretextos de corrupção, mas também para a perseguição dos que tinham “protegido o país” nos anos da guerra civíl.

[Deposto Molina], de acordo com a Constituição, o posto presidencial foi ocupado pelo vice-presidente Alexandro Maldonado, 79 anos. Ele é um indestrutível político, por ser entendido como “o homem de Washington”. Maldonado ocupará esse cargo até 14 de janeiro de 2016, quando o novo presidente fará seu juramento e tomará posse. A Embaixada dos Estados Unidos publicou o seguinte pronunciamento no seu site, em 3 de setembro: “Nós notamos o fato da saída do poder pelo presidente Otto Peres Molina e iremos trabalhar com o novo presidente Alexandro Maldonado Aguirre, com o seu programa de reformas que continua a luta contra a corrupção e desenvolve a segurança na Guatemala. Nós cumprimentamos o povo da Guatemala e suas instituições pela pacífica abordagem graças a qual essa crise foi superada. Confirmamos também nosso apoio para os processos democráticos na Guatemala e entre esses o das eleições programadas para o 6 de setembro”.

As rápidas eleições saíram no prazo determinado. Entretanto, ninguém conseguiu vencer no 1º turno. Em 25 de outubro, virá o 2º turno. De acordo com a mídia, Jimmi Morales, 46 anos, apresentador de televisão e ator do gênero cômico tem as melhores chances. Ele se candidatou pelo partido FCN, "Frente/Fronte Nacional de Convergência". Ele apoia uma direção militar- conservadora-nacionalista e os grupos da burguesia. Seu grito de guerra: “Sem Corrupção e Sem Ladrões”. Incerto quem será seu concorrente. Poderá ser Sandra Torres, da UNE-União Nacional de Esperança, ou Manuel Baldison do partido “Líder”–LDR. Nenhum desses três levanta medo, apreensão, receio ou preocupação no Departamento de Estado [dos Estados Unidos].

Por que teriam os Estados Unidos derrubado Peres? A corrupção no continente [norte e sul] é muito grande. Para os Estados Unidos, de onde viria a maior e mais perigosa escala de corrupção senão de seu vizinho, o México? Será que estariam planejando algum tipo de combinação geopolítica como uma futura “Aliança em nome da prosperidade” (incluindo Guatemala, Honduras e Salvador)? Será que Peres se recusou a liderar uma “oposição regional” contra a construção do canal bioceânico na Nicarágua [a ser construído pela China]? Será que terá rejeitado propósitos do Pentágono quanto à construção de uma grande base [militar] de "referência/apoio" na Guatemala?

Teria tudo simplesmente sido para mostrar aos centro-americanos quem é o dono da casa, partindo do princípio “bata nos seus, para que lutem melhor/façam medo ao inimigo”? Estou inclinado a pensar nessa variante, porque tudo que os Estados Unidos estiveram fazendo nos últimos 25 anos pode ser concentrado na fórmula “Use Muita Força-Raciocínio Não Necessário” ou alternativamente “Muitos Poderes-Não Mente”.

Teria o presidente da independente e soberana Guatemala podido imaginar o que acabaria por cair nas mãos de “uma comissão internacional contra a impunidade” – da CICIG?"

Referências e Notas:

* Título original “Певеворот в Гватемале” = Reviravolta na Guatemala
("Певеворот" significando também um "golpe de estado". Implica sempre um virar, revirar, por em desordem, revolucionar, mudar. Para fins pedagógicos, a manchete do título ficou como apresentada acima no título original).

Nil Nikandrov, Певеворот в Гватемале, Нил Никандров – http://www.fondsk.ru/news/2015/09/16/perevorot-v-gvatemale-35428.html

Nota da Tradução – * Otto Peres Molina – nascido em 1950 em Guatemala City. Pertencendo ao Partido Patriota e General. Presidente da Guatemala de Janeiro de 2012 até 3 de setembro de 2015.

* Correspondente de Pátria Latina na Europa

* Phil.Lic. – Risk Research. Stockholm School of Economics


FONTE: escrito por Nil Nikandrov (Phil.Lic.– Risk Research. Stockholm School of Economics), com tradução de Anna Malm para o "Patria Latina"  (http://www.patrialatina.com.br/editorias.php?idprog=ae45b0d5e8c171dbfdd200ddaf45a34d&cod=15819).[Título e observação inicial entre colchetes acrescentados por este blog 'democracia&política'].

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