domingo, 20 de setembro de 2015

UMA AVENTURA NA SELVA DIGITAL DO FACEBOOK




Uma aventura na selva digital do Facebook

Por Jorge Furtado, da Casa de Cinema de Porto Alegre

"Faz dois meses que resolvi frequentar o facebook quase que diariamente, aceitar amigos virtuais, postar fotos, artigos e links, participar de debates, curtir, comentar e compartilhar, enfim, fazer aquilo que bilhões de pessoas fazem todo dia. Minha intenção, além de reencontrar amigos e trocar informações, era estabelecer um diálogo com pessoas que pensam diferente de mim. Acompanhei a internet desde o seu nascimento, tenho um site e publico textos desde 1997, mas o facebook é uma completa novidade e é na condição de novato que compartilho minhas primeiras impressões.

Não enviei solicitação de amizade a ninguém e só aceitei solicitações de pessoas que conheço, ainda que superficialmente, da vida real. Tenho pouco menos de mil “amigos” e bloqueei, até agora, 49 pessoas, quase sempre por publicarem mensagens agressivas, ofensas, grosserias, xingamentos ou piadas de mau gosto. Comecei compartilhando fotos antigas e links mas, aos poucos, acabei me envolvendo em alguns debates acalorados, especialmente sobre a tentativa de golpe que, espero, já micou. Nesses debates, percebi uma série de vícios de discurso, falácias recorrentes e truques muito usados. Fiz uma lista de 10 mandamentos do debate infrutífero, aqueles que são pura perda de tempo, bem melhor gastá-lo namorando, conversando com a família, lendo um livro, vendo um filme, ouvindo música ou jogando “Plantas versus Zumbis”.

10 mandamentos do debate que não leva a lugar nenhum.

1. Esqueça a lógica. O objetivo de quase todos esses debates acalorados no facebook não é chegar a alguma conclusão, nem arejar as ideias e, quem sabe, mudá-las, nem perceber uma maneira nova de ver o mundo, um novo ponto de vista. O objetivo é, simplesmente, vencer o debate, derrotar o inimigo.

Exemplo 1: Um rapaz contesta a pesquisa Datafolha que informa que a maioria dos manifestantes nos protestos da Av. Paulista são da classe A e B, diz que ele estava lá e não foi ouvido nem mostrou o contracheque. Eu argumento que as pesquisas são feitas por amostragem, nem todas as pessoas são ouvidas. Ele replica: se eu acredito em pesquisas, como explico o fato de a maioria da população estar reprovando o governo? Bem, para começar, foi ele quem disse que não acreditava em pesquisas, não eu. Segundo, são duas pesquisas distintas, uma para estabelecer as classes sociais presentes numa manifestação e a outra para aferir a opinião sobre o governo, neste momento. A argumentação dele não tem nenhuma lógica.

Exemplo 2: Uma amiga publica uma palestra de uma professora que afirma que a arte contemporânea é uma fraude, que os artistas contemporâneos “não têm rigor”. Eu argumento que a professora incorre numa generalização apressada, a arte contemporânea inclui todos os artistas vivos e ainda os que morreram recentemente, dizer que nenhum deles tem rigor é um absurdo, uma afirmação não verificável. Um rapaz me contesta: quer dizer então que a arte contemporânea não pode ser criticada? É claro que pode, deve, mas não dessa maneira superficial, juntando todos os artistas contemporâneos no mesmo saco. A argumentação deles não tem nenhuma lógica.

2. Esqueça a nuance e o equilíbrio: ou você é a favor ou você é contra, não importa o assunto. Graças à pobreza de espírito do debate público brasileiro, o raciocínio binário triunfou, os extremos são a única opção: ou você é petista (petralha, ladrão, parasita etc.) ou é coxinha (nazista, sonegador, racista etc.). Se você acha que derrubar uma presidente recentemente eleita é golpe é porque você aprova a corrupção e, provavelmente, está envolvido em alguma maracutaia ou quer manter sua boquinha no governo. Se você acha um absurdo a roubalheira na Petrobrás é porque você é um coxinha que lucrou com a privataria e provavelmente não gosta de nordestinos e negros. Qual a lógica desses raciocínios? Nenhuma, vale o primeiro mandamento, esqueça a lógica.

3. Esqueça os fatos, ofensas e adjetivos têm preferência. Você afirma que a mortalidade infantil caiu pela metade entre 2003 e 2013, que o número de negros nas universidades cresceu 230% nos últimos 10 anos, que o salário mínimo subiu de 70 para 300 dólares desde 2002. Você é chamado de pelego, vendido, idiota, ladrão. Bem, talvez você seja mesmo um pelego, vendido, idiota e ladrão, mas isso não muda os fatos: a mortalidade caiu pela metade, o número de negros nas universidades mais que dobrou e o salário mínimo mais que triplicou.

4. Quando os argumentos acabam e as ofensas não surtem efeito, GRITE!!!

5. “Todos são desonestos, menos eu”. Muita gente afirma que se você está defendendo o governo só pode ser por um motivo: você tem alguma vantagem pessoal com isso. Quem pensa assim ou está confessando que age assim - só defende causas em interesse próprio - ou está afirmando que todos são desonestos, menos ele. Na primeira hipótese, é um egoísta insensível. Na segunda, é um psicopata. Pode parecer impossível para muita gente, depois de 12 anos de bombardeio moralista na imprensa, mas há pessoas que pensam e agem pelo bem comum.

6. “Se saiu no jornal ou na tevê, deve ser verdade”. Poucas pessoas têm tempo para ler com atenção as letras miúdas das notícias, menos ainda para procurar uma segunda fonte para checar uma informação. Uma grande parcela da população sabe do mundo apenas pelas manchetes de jornais e pelos poucos minutos dos telejornais. Como os grandes veículos se tornaram, desde que seus candidatos começaram a perder as eleições, francamente oposicionistas e com muita frequencia abrem mão dos princípios básicos do jornalismo, muita gente está mal informada e repete, nos debates no facebook, as informações incompletas e tendenciosas que recebe.

7. Contra os inimigos, publique; contra os amigos, silencie. A lógica assumida pela grande imprensa, desde que seus candidatos perderam as eleições, é a seguinte: publicar qualquer coisa que seja prejudicial aos seus inimigos sem qualquer verificação da veracidade dos fatos ou da idoneidade da fonte, e silenciar sobre qualquer informação negativa sobre seus amigos, por mais inquestionáveis que sejam. Essa mesma lógica é reproduzida no facebook. Os que defendem o governo não falam nada sobre o mensalão petista, a roubalheira na Petrobras, o caixa dois da campanha do PT ou seus aliados picaretas do PMDB. Quem é contra o governo não fala nada sobre o mensalão tucano, a operação Zelotes, o caixa dois de campanha do PSDB ou seus aliados picaretas do PMDB.

8. Somos racistas. O Brasil é, talvez, o país mais racista do mundo, em poucos lugares há tamanha diferença de renda entre brancos e negros. Os negros são 50% da população, mas são 70% dos assassinados a bala e 60% dos encarcerados. São frequentes nos debates no facebook, especialmente nas páginas dos jornalistas de direita, os comentários contra nordestinos (“preguiçosos”, “sustentados pelo bolsa família”) e contra os pobres (“comedores de mortadela”). Como não há diálogo possível com essa gente, comentários desse tipo encerram qualquer conversa.

9. “Era brincadeira...” Com preguiça ou sem talento para o jornalismo, que requer seriedade e pesquisa, o debate público foi ocupado por pseudo-humoristas, colunistas e apresentadores de televisão que, sentados em suas casas, falam de tudo e de todos, em tom jocoso, irônico ou debochado, fazem “piadinhas”. No caso mais recente, um desses inomináveis idiotas profissionais disse que a bomba de pregos jogadas contra o escritório do ex-presidente Lula foi uma farsa e que “muita gente” lamentou que Lula não estivesse no local. Processado por Lula, o covarde alegou que era “uma piada”, ele “estava brincando”. Esse tipo de imbecilidade supostamente engraçada infesta os debates no facebook, gente que covardemente se esconde atrás de desenhos, charges e animações bobas para exercer sua pobreza de espírito.

10. No mundo da mídia absoluta, fama e infâmia são sinôminos. Com milhões de pessoas disputando espaço, quem quer marcar presença e aparecer precisa produzir algo de valor, o que é difícil, ou dizer alguma asneira memorável, o que é bem mais fácil. Diga que seus adversários são pobres comedores de mortadela, ou que os pobres vivem às custas dos impostos pagos pelos ricos, ou que os nordestinos preguiçosos são sustentados pelos laboriosos sulistas, ou que é melhor lavar latrinas em Miami que viver no Brasil, ou queixe-se que os que lutaram contra a ditadura não foram todos assassinados, fale da vida sexual da presidente da república e pronto, você despertará um milhão de apoiadores tão imbecis como você, e ouvirá um milhão de ofensas e assim terá facilmente dois milhões de views, curtidas, cutucadas e compartilhamentos, garantindo o seu lugar ao sol na praia da infâmia e os cumprimentos do seu patrão.

Para não dizer que não falei de flores, tenho me divertido muito no facebook, reencontrei amigos, compartilhei muitas músicas, imagens, fotos, palestras, textos, comentários, notícias e links. Pretendo seguir por aqui. Como Anne Frank, apesar de tudo, ainda creio na bondade humana."

FONTE: escrito por Jorge Furtado, da Casa de Cinema de Porto Alegre. Publicado no "Jornal GGN"  (
http://jornalggn.com.br/noticia/uma-aventura-na-selva-digital-do-facebook-por-jorge-furtado).

Nenhum comentário: