sábado, 11 de outubro de 2008

DNA PAULISTANO

Eduardo Guimarães escreveu esta semana no seu blog “Cidadania.com”:

"A provável vitória de Kassab revelada pela pesquisa Datafolha divulgada hoje configura-se tão rósea para a direita local que a Folha publicou a sondagem eleitoral sem destaque, quase que com desprezo.

Não vejo nada demais em confessar a vocês que me animei quando Marta crescia nas pesquisas, por isso achei que os preconceitos paulistanos contra a esquerda e contra uma mulher independente como Marta poderiam ter sido mitigados por essa sociedade ter visto como o Brasil melhorou sob Lula. Enganei-me movido por meus desejos como tantos de nós fazemos em questões dessa natureza.

Mas a direita é infantil. Os mesmos reacionários que durante a campanha eleitoral de 2006 faziam previsões de como Lula seria derrotado, agora vêm me cobrar por meu auto-engano. Quero me diferenciar dessa gente. Prefiro uma péssima verdade do que uma doce mentira.

Kassab já ganhou? Não ganhou nada, ainda, mas a própria estratégia da campanha de Marta está contribuindo para fortalecê-lo. A cada vez que a própria candidata fala em reconquistar as elites que a odeiam de uma forma quase sobrenatural, ela se afasta daqueles que poderiam mudar de voto se lhes fosse explicado que estão votando contra eles mesmos. Diante dessa estratégia, fica (mais) difícil.

O DNA paulistano é reacionário. Escrevi isso dias atrás. São Paulo só votou na esquerda depois de verdadeiros tsunamis administrativos como o de Jânio Quadros ou o de Celso Pitta.

Quando Jânio Quadros terminou seu mandato, em 1989, São Paulo estava arrasada economicamente. A cidade parou devido a um ataque de corrupção como poucas vezes houve numa administração pública. Erundina era a antítese de Jânio e por isso venceu.

Erundina saneou as finanças, acudiu os mais humildes, a periferia, e pagou um preço por isso, porque a maioria dos paulistanos é de classe média e quer apenas tirar os pobres da paisagem, empurrando-os para bairros distantes na esperança de que fiquem por lá matando-se uns aos outros, sem perceber que, como nessas regiões não há nada, nem esperança, uma minoria numerosa dos mais pobres opta pela única solução que se lhes apresenta, a de vir roubar onde há dinheiro, ou seja, nos bairros mais ricos.

A maioria esmagadora da classe média paulistana não entende isso. Não foi por outra razão que essa maioria conservadora elegeu outro reacionário de direita (Pitta) depois de Maluf ter passado 4 anos torrando em obras superfaturadas o que Erundina poupou para sanear as contas da cidade.

Mais uma vez, uma São Paulo arrasada correu para a racionalidade e elegeu Marta, que saneou o desastre malufista e deixou a máquina paulistana pronta para reerguer a cidade. E novamente os recursos foram mal empregados e, ainda por cima, a Folha e o Estadão, que exercem um poder místico sobre os paulistas, venderam outro reacionário, tanto quanto venderam Maluf e Pitta só para impedirem o PT, que odeiam, de continuar administrando o terceiro orçamento do país.

Kassab está assumindo o lugar de Maluf. Para o paulistano, que sempre se deixou seduzir por Maluf e que só se afastou dele em parte depois de vê-lo ir parar atrás das grades, é totalmente lógico votar em alguém oriundo de sua corrente política, em alguém como Kassab, e isso num país que se afasta cada vez mais da direita e que, nestas eleições, praticamente enterrou o PFL, o partido do prefeito de São Paulo.

Particularmente, a eventual vitória de Kassab só me afetaria porque sua política administrativa, voltada para as regiões mais ricas, continuará contribuindo para tornar a cidade mais violenta e insegura, pois priorizando os bairros ricos e maquiando programas sociais a necessidade na periferia continuará empurrando jovens pobres para o crime.

Contudo, moro num dos bairros mais ricos da cidade. Tenho tudo ao meu alcance. O metrô fica a uma quadra de onde vivo, um edifício cercado por fios elétricos de alta tensão para fritar quem se aventure a tentar invadi-lo. É um edifício cercado por grades, câmeras, por uma parafernália de “segurança” que custa cerca de R$ 600 por mês a cada morador. Paulistano acha excelente viver assim.

Na região em que vivo (numa das extremidades da avenida Paulista), há os melhores hospitais e escolas, há shoppings, comércio de todo tipo, tudo que se possa imaginar que seja necessário na vida moderna. Também tenho plano de saúde, meus filhos sempre estudaram em escolas particulares e, finalmente, não tenho nada que ver com partidos políticos.

Não tenho, portanto, motivos pessoais para apoiar Marta. Meus motivos são de cidadão que quer ver a cidade se tornar melhor para todos.

Por outro lado, para os leitores que não vivem aqui, quero dizer que para o Brasil a eleição em São Paulo tem importância relativa. É claro que infla a bola de Serra, mas ele venceu a eleição municipal de 2004 e em 2006, quando Lula era muito menos popular e o país não estava nem perto da excelente situação econômica e social em que está hoje, a direita tucano-pefelê tomou uma sova nas urnas.

Aliás, a maioria do país tem um prazer cada vez maior de contrariar São Paulo.

Quero concluir deixando uma sugestão à campanha de Marta e à própria. Será muito difícil virar esse quadro – e difícil não é impossível. Por isso, ela deveria aproveitar as semanas que terá de horário eleitoral gratuito para desmascarar a mídia daqui e desnudar a administração Kassab. O poder da tevê poderá fazer com que, mesmo a petista perdendo a eleição, boa parte dessa maioria alucinada de paulistanos caia na real.

Estejam certos de uma coisa: quem arcará com o erro que a capital paulista cometerá tanto quanto cometeu ao eleger Jânio, Maluf, Quércia, Pitta, Fleury, Serra, FHC e outros malefícios menores, será a própria São Paulo. Só.

Em 2010, quando a situação insustentável em que está a cidade tiver se agravado, aí será hora de chamar os paulistanos à razão. Como vocês vêem, há até um aspecto positivo nessa tragédia que está por se consumar. Temos que dar tempo ao tempo, pois.”

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