sexta-feira, 17 de outubro de 2008

EMERGENTES TÊM CAPACIDADE DE DEFESA, DIZ ALMEIDA

O site “Terra Magazine”, do jornalista Bob Fernandes, em texto de Daniel Milazzo, publicou ontem o seguinte artigo com entrevista sobre a crise financeira que assola o mundo:

O ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda Julio Gomes de Almeida argumenta que embora ninguém esteja à salvo da crise financeira global, os países emergentes possuem estruturas sólidas e uma capacidade de defesa relativamente grande para encarar esta tormenta.

- Eles (os emergentes) acumularam muita reserva, fortaleceram o setor público em termos de endividamentos e situação fiscal, fortaleceram os sistemas bancários (...) Pela primeira vez esses países conseguiram acumular capacitação para enfrentar uma crise - explica.

Ainda que cauteloso, Almeida crê em desdobramentos positivos a respeito dos pacotes bilionários orquestrados por diversos governos, elaborados a fim de resgatar a saúde dos bancos e impedir uma estagnação do crédito, o que o economista chama de "estatização branca".

- A minha impressão é que isso pode, de fato, amenizar muito a crise de confiança (...) O mundo não voltará a ficar cor-de-rosa. Por outro lado, se essas medidas não fossem tomadas, aí sim estaríamos caminhando na direção de um desastre chamado depressão.

No entanto, o ex-secretário do ministério da Fazenda ressalva:

- Pelo fato da crise ter se estendido muito, essas medidas não conseguem evitar a recessão e o problemas em empresas e instituições financeiras, mesmo com a intervenção do setor público. Foram tomadas medidas muito relevantes, muito inusitadas na história do nosso capitalismo, mas não foram suficientes para acalmar a economia mundial.

Nesta quinta-feira, as bolsas asiáticas fecharam o dia no vermelho. Shanghai caiu 4,25%; Hong Kong recuou 4,80%; e Tóquio despencou, encerrou o pregão com perda de 11,41%. No velho continente, a jornada também foi de mau-humor: Londres registrou queda de 5,35%; Paris recuou 5,92% e Frankfurt, 4,91%.

Leia a entrevista a seguir:

TERRA MAGAZINE - COMO AVALIAR A DIMENSÃO DESTA CRISE?

JÚLIO GOMES DE ALMEIDA - A crise chegou a um nível muito alto de desorganização do sistema financeiro. As medidas que os governos tomaram foram muito duras e impensáveis até há pouco tempo atrás, o que significa quase uma "estatização branca" nos bancos e também uma virtual estatização interbancária nos Estados Unidos e na Europa. A minha impressão é que isso pode, de fato, amenizar muito a crise de confiança que a gente está tendo. Ou seja, os governos aumentarem o capital dos bancos através e garantirem as operações interbancárias são duas medidas que podem ajudar muitíssimo o funcionamento do sistema bancário.

MAS ISTO É SUFICIENTE PARA SOLUCIONAR A CRISE, OU É UM PALIATIVO?

Isso não deixaria que a crise bancária se aprofundasse ainda mais e se tornasse num quadro ainda mais dramático do que o que temos. Pelo fato da crise ter se estendido muito, essas medidas não conseguem evitar a recessão e o problemas em empresas e instituições financeiras, mesmo com a intervenção do setor público.

Foram tomadas medidas muito relevantes, muito inusitadas na história do nosso capitalismo, mas não foram suficientes para acalmar a economia mundial. Porque as medidas ainda não estão em prática, os bancos ainda estão numa situação muito difícil. Quando o Estado garantir as operações do interbancário e os bancos receberem capital do estado, veremos. Mas até lá, os nervos continuam à flor da pele.

EM TODO CASO, O CENÁRIO DEVE MUDAR? DIGO, MUDAR PARA MELHOR?

Sem dúvida. Mas o mundo não voltará a ficar cor-de-rosa. Por outro lado, se essas medidas não fossem tomadas, aí sim estaríamos caminhando na direção de um desastre chamado depressão. Elas são para impedir uma grande depressão e o esfacelamento do sistema bancário mundial, mas estão apenas no anúncio, e isso não é sustentável. Por enquanto, elas ainda estão no gogó. A

As medidas conseguem diminuir o potencial destrutivo, mas a instabilidade ainda é muito aguda. O foco de instabilidade será apenas relativamente controlado. Fechamento dos mercados de crédito internacionais, baixo crescimento do comércio exterior, difícil acesso ao crédito a nível internacional, temores sobre recessão... isso os pacotes, mesmo que dêem muito certo, não conseguem resolver.

NO INÍCIO DA SEMANA HOUVE DIAS DE OTIMISMO NO MERCADO, PROPORCIONANDO FORTES ALTAS EM BOLSAS DE TODO O MUNDO. HORAS DEPOIS, O MUNDO FINANCEIRO VOLTOU A DESPENCAR. ATÉ QUANDO SE ESTENDERÁ ESSA VOLATILIDADE?

As más notícias ainda vão abalar os mercados: notícias de que importantes economias estão entrando em recessão, de que fundos de pensão fecham as portas, Estados e municípios americanos e europeus estão em grande dificuldade, empresas em dificuldade etc.

Esses fatos vão dar corda à instabilidade e cada notícia dessa vai ser um frisson no mercado e uma queda de bolsa. A instabilidade vai ser uma constante do mundo durante muito tempo. Vamos esperar várias gangorras: de bolsas, de mercado de capitais, de situação de empresas, no crescimento, no comércio exterior e no acesso ao crédito.

Evidentemente, para o Brasil isso não é nada bom.

COMO AVALIAR A SITUAÇÃO DOS PAÍSES EMERGENTES ANTE A CRISE?

Sem dúvida eles estão mais protegidos. Se a crise é avassaladora, traz o risco de uma depressão, evidentemente a proteção torna-se bem menor. A proteção que os países emergentes angariaram se assemelha a um seguro. Mas a depender do tamanho da depressão, o seguro que os emergentes desenvolveram fica pequeno.

EM QUE CONSISTE ESTE SEGURO DOS EMERGENTES?

Eles acumularam muita reserva, fortaleceram o setor público em termos de endividamentos e situação fiscal, fortaleceram os sistemas bancários. Nesse sentido, se for uma crise muito forte, os países emergentes perderão no comércio, perderão acesso ao crédito e ao mercado de capitais internacional. Perderão porque o mundo desenvolvido estará em recessão, porém, continuarão crescendo, embora num ritmo mais lento. Pela primeira vez esses países conseguiram acumular capacitação para enfrentar uma crise. Ou seja, dependendo da crise, nós temos uma capacidade de defesa relativamente grande”.

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