terça-feira, 14 de outubro de 2008

INTERNET MUDA A FORMA DE LER...E DE PENSAR?

O jornal espanhol “El País”, publicou o seguinte texto de Abel Grau, que li no UOL traduzido por Luiz Roberto Mendes Gonçalves:

A LEITURA HORIZONTAL, EM SALTOS RÁPIDOS E MUITO VARIADOS, SE EXPANDIU. A REDE PODE ESTAR REEDUCANDO NOSSO CÉREBRO?

“A Internet já é para muitas pessoas o principal canal de informação. É cada vez maior o tempo empregado em navegar, seja para ler notícias, verificar o correio eletrônico, ver vídeos e escutar música, consultar enciclopédias, mapas, conversar por telefone e escrever blogs.

Definitivamente, a rede filtra grande parte de nosso acesso à realidade. O cérebro humano se adapta a cada nova mudança e a Internet representa uma sem precedentes.

Qual será sua influência? Os especialistas estão divididos. Para alguns, poderia diminuir a capacidade de ler e pensar em profundidade. Para outros, em um futuro próximo a tecnologia se combinará com o cérebro para aumentar exponencialmente a capacidade intelectual.

Um dos mais recentes a colocar o debate em pauta foi o ensaísta americano Nicholas G. Carr, especialista em tecnologias da informação e da comunicação e assessor da Enciclopédia Britânica.

Ele afirma que não pensa mais como antes. Acontece, sobretudo, quando ele lê. Antes mergulhava em um livro e era capaz de virar página após página durante horas. Mas agora só agüenta alguns parágrafos. Se desconcentra, se inquieta e busca outra coisa para fazer. "A leitura profunda que costumava acontecer de forma natural se transformou em um esforço", afirma Carr no provocador artigo "Is Google making us stupid?" (O Google está nos tornando idiotas?), publicado na revista "The Atlantic".

Carr atribui sua desorientação a um motivo principal: o uso prolongado da Internet.

Ele está convencido de que a rede, assim como os demais meios de comunicação, não é inócua. "[A mídia] fornece o material do pensamento, mas também modela o processo de pensar", afirma.

"Creio que a maior ameaça é seu potencial de diminuir nossa capacidade de concentração, reflexão e contemplação", adverte Carr através de um e-mail. "Enquanto a Internet se transforma em nossa mídia universal, poderia estar reeducando nossos cérebros para receber informação de maneira muito rápida e em pequenas porções", acrescenta. "O que perdemos é nossa capacidade de manter uma linha de pensamento sustentada durante um longo período."

A afirmação de Carr provocou certo debate em fóruns especializados, como na revista científica online Edge.org, e de fato não é disparatado. Os neurologistas afirmam que todas as atividades mentais influem em um nível biológico no cérebro; isto é, no estabelecimento das conexões neurais, a complexa rede elétrica na qual se formam os pensamentos. "O cérebro evoluiu para encontrar pautas. Se a informação é apresentada de uma determinada forma, o cérebro aprenderá essa estrutura", explica de Londres Beau Lotto, professor de neurociência no University College de Londres (UCL). E acrescenta uma explicação: "Logo seria preciso ver se o cérebro aplica essa estrutura no modo de se comportar diante de outras circunstâncias; não precisa ser assim necessariamente, mas é perfeitamente possível".

Resta ver se essa influência será negativa, como prevê Carr, ou se será o primeiro passo para integrar a tecnologia ao corpo humano e ampliar as capacidades do cérebro, como prevê o inventor e especialista em inteligência artificial Raymond Kurzweil. "Nossas primeiras ferramentas ampliaram nosso alcance físico, e agora estendem nosso alcance mental.

Nossos cérebros advertem que não precisam dedicar um esforço mental (e neural) às tarefas que podemos deixar para as máquinas", raciocina Kurzweil, de Nova Jersey. E cita um exemplo: "Nos tornamos menos capazes de realizar operações aritméticas desde que as calculadoras o fazem por nós há muitas décadas. Hoje confiamos no Google como um amplificador de nossa memória, por isso de fato recordamos pior as coisas do que sem ele. Mas isso não é um problema, porque não temos por que prescindir do Google.

De fato, essas ferramentas estão se tornando cada vez mais comuns e disponíveis o tempo todo".

Opor cérebro e tecnologia é um enfoque errado, segundo concorda com Kurzweil o professor John McEneaney, do departamento de leitura e artes lingüísticas da Universidade de Oakland (EUA). "Creio que a tecnologia é uma expressão direta de nossa cognição", afirma. "As ferramentas que empregamos são tão importantes quanto os neurônios em nossos crânios. As ferramentas definem a natureza da tarefa para que os neurônios possam fazer esse trabalho."

Carr insiste em que essa influência será muito maior na medida em que o uso da Internet aumentar. Trata-se de um fenômeno incipiente que a neurologia e a psicologia terão de abordar a fundo, mas por enquanto um relatório pioneiro sobre hábitos de busca de informações na Internet, dirigido por especialistas do UCL, indica que poderíamos nos encontrar em meio a uma grande mudança da capacidade humana de ler e pensar.

O estudo observou o comportamento dos usuários de dois sites de pesquisa na web, o da Biblioteca Britânica e outro do Comitê Conjunto de Sistemas de Informação (JISC na sigla em inglês), um consórcio educativo estatal que proporciona acesso a jornais e livros eletrônicos, entre outros recursos. Ao recompilar os registros, os pesquisadores advertiram que os usuários "olhavam rapidamente" a informação, em vez de deter-se nela. Saltavam de um artigo para outro e não costumavam voltar atrás.

Liam uma ou duas páginas de cada fonte e clicavam a outra.

Costumam dedicar em média quatro minutos por livro eletrônico e oito minutos por jornal eletrônico. "É claro que os usuários não lêem online no sentido tradicional; de fato, há indícios de que surgem novas formas de leitura na medida em que os usuários observam horizontalmente títulos, páginas e resumos em busca de satisfações imediatas", constata o documento. "Quase parece que se conectam à rede para evitar ler do modo tradicional."

Os especialistas concordam que se trata de uma mudança vertiginosa. "A rede fez que as pessoas se comportem de uma maneira muito diferente com relação à informação.

Isso poderia parecer contraditório com as idéias aceitas da biologia e da psicologia evolutiva, de que o comportamento humano básico não muda de maneira súbita", afirma de Londres o professor David Nicholas, da Faculdade de Informação, Arquivos e Bibliotecas do UCL. "Há um consenso geral de que nunca tínhamos visto uma mudança nessa escala e rapidez, assim que este poderia ser muito bem o caso [de uma mudança repentina]", acrescenta, citando seu ensaio "Digital consumers" [Consumidores digitais].

Trata-se de uma transformação sem precedentes porque é uma nova mídia com o potencial de incluir todas as outras. "Nunca um sistema de comunicações exerceu tantos papéis em nossas vidas - ou semelhante influência em nossos pensamentos - como a Internet hoje", concorda Carr. "Mesmo assim, apesar de tudo o que se escreveu sobre a rede, deu-se pouca atenção a como ela está nos reprogramando exatamente."

Essa alteração das maneiras de buscar a informação e de ler não afetaria só os mais jovens, aos quais se atribui maior número de horas conectados, mas indivíduos de todas as idades. "O mesmo acontece aos professores e médicos. Todo mundo mostra um comportamento de saltos e leitura 'por cima'", explica o relatório.

Carr insiste em que uma das questões chaves é o modo de leitura "superficial" que vai ganhando terreno. "Nos tranqüilos espaços abertos pela leitura de um livro, sustentada e sem distrações, ou por qualquer outro ato de contemplação, estabelecemos nossas próprias associações, extraímos nossas próprias inferências e analogias e esclarecemos nossas próprias idéias."

O problema é que, ao impedir a leitura profunda, se impede o pensamento profundo, já que um é indistinguível do outro, segundo Maryanne Wolf, pesquisadora da leitura e da linguagem na Universidade Tufts (EUA) e autora de "Como aprendemos a leer (Ediciones B). Sua preocupação é que "a informação sem guia possa criar uma miragem de conhecimento e por isso restrinja os longos, difíceis e cruciais processos de pensamento que levam ao conhecimento autêntico", indica Wolf, de Boston.

Além das advertências sobre os hipotéticos efeitos da Internet sobre a cognição, cientistas como Kurzweil dão as boas-vindas a essa influência: "Quanto mais confiamos na parte não-biológica (quer dizer, as máquinas) de nossa inteligência, a parte biológica trabalha menos, mas a combinação total aumenta sua inteligência".

Outros discordam dessa previsão. A maior dependência da rede levaria o usuário a tornar-se vago e, entre outros costumes adquiridos, confiar completamente nas máquinas de busca como se fossem o graal. "As utilizam como uma muleta", indica o professor Nicholas, que receia que essa ferramenta sirva para liberar o cérebro das tarefas de busca para poder se aplicar a outras.

Carr vai além e afirma que o tipo de leitura rápida beneficia as empresas. "Suas receitas aumentam na medida em que passamos mais tempo conectados e aumentamos o número de páginas e elementos de informação que vemos", raciocina. "As empresas têm um grande interesse econômico em que aumentemos a velocidade de nossa ingestão de informação", acrescenta. "Isso não significa que queiram deliberadamente que percamos a capacidade de concentração e contemplação: é só um efeito colateral de seu modelo de negócios."

Outros especialistas atenuam o prognóstico de Carr. O especialista em tecnologia Edward Tenner, autor de "Our own devices: how technology remake humanity" (Nossos próprios dispositivos: como a tecnologia refaz a humanidade), apóia a crítica de Carr mas acrescenta que não tem por que ser irreversível. "Concordo com a preocupação com o uso superficial da Internet, mas o considero um problema cultural reversível através de um ensino melhor e um melhor software de busca, e não como uma deformação neurológica", explica de Nova Jersey. "É como as pessoas que estão acostumadas aos carros e às poltronas, mas entendem a importância de fazer exercício."

Definitivamente, cientistas como Kurzweil destacam o potencial da Internet como ferramenta de conhecimento. "A rede oferece a oportunidade de abrigar toda a computação, o conhecimento e a comunicação que existem. Afinal excederá amplamente a capacidade da inteligência humana biológica." E conclui: "Quando as máquinas puderem fazer tudo o que os humanos fazem, será uma conjunção poderosa porque se combinará com os modos em que as máquinas já são superiores. Mas vamos nos fundir com essa tecnologia para nos tornarmos mais inteligentes".

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