“OS PITOTS, SENSORES EXTERNOS QUE AJUDAM A FORNECER DADOS DE NAVEGAÇÃO AOS AVIÕES, TOMARAM FEIÇÃO DE BODES EXPIATÓRIOS NO ACIDENTE DO VOO AF 447.
Em parte, isso é culpa da necessidade inata da imprensa de identificar fatores que possam ter contribuído para uma tragédia dessa magnitude e impacto. Mas também revela algum grau de desinformação induzido pelas autoridades e pela própria Air France.
A questão é que a leitura incorreta de velocidade, que pode ter ocorrido devido a um congelamento ou falha nos pitots, é um dos poucos dados objetivos à disposição de investigadores.
Então o tubo vira um vilão, e sua troca em todos os Airbus voando por aí resolve a natural crise de confiança que a marca europeia teme enfrentar em um momento de retração no mercado de aviação.
Mas os problemas não acabam aí. Nos incidentes envolvendo A330s australianos em 2008, a leitura incorreta não decorreu de falha no pitot, mas na divergência entre dados do computador que usa o sensor externo com o que usa só instrumentos internos para determinar velocidade e orientação.
Num daqueles episódios, o computador "enlouqueceu" e fez manobras perigosas automaticamente, para corrigir erros que eram virtuais.
As autoridades francesas também descartaram uma quebra estrutural do leme do avião, a parte móvel do estabilizador vertical que ajuda a corrigir rota em baixa altitude e que é travada pelo computador a partir de 703 km/h para não se deslocar em seu próprio eixo. O AF 447, caso tenha mantido sua velocidade ao sair do controle de radar 22 minutos antes de começar a ter problemas registrados, estava a 840 km/h.
Diz o BEA (órgão de investigações francês) que a mensagem de falha no limitador do leme se deveu às leituras incorretas de velocidade -sem uma medição precisa, o sistema desarmaria. Descartou liminarmente a quebra física da peça.
A mensagem de quebra do sistema de limitação do leme aconteceu às 23h10, e a de leituras divergentes às 23h12. Talvez o BEA tenha acesso a mensagens anteriores não divulgadas, mas isso não foi dito.
O órgão afirma que a ordem das mensagens não é relevante. Como disse ontem um experiente piloto de Airbus-330 que foi proibido de fazer comentários por sua empresa: a ordem é sim fundamental.
Lendo a lista de mensagens automáticas, ele, a exemplo de dois pilotos ouvidos na sexta, afirma que, se a ordem foi aquela, não é possível descartar uma falha estrutural no leme.
Ou, como a Folha escreveu sábado, o computador assim entendeu e pode ter gerado a sequência de desligamento de sistemas que ocorre para deixar o avião na mão dos pilotos. Isso no meio de uma tempestade, se o 447 manteve a sua rota.
Por fim, a Air France não ajudou ao especular desde o primeiro minuto que o acidente havia sido provocado por motivos meteorológicos. A hipótese como fator contribuinte é apenas isso, uma hipótese, embora claramente melhor para a imagem da Airbus e da companhia aérea do que um eventual problema técnico ou estrutural em seus aviões
FONTE: reportagem de Igor Gielow, Secretário de Redação da Sucursal de Brasília da Folha de São Paulo, em 09/06/2009.
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