"Análise de "eco" do Big Bang traça retrato detalhado do Universo atual
Com frequência, recebo mensagens de leitores um tanto desconfiados com as asserções que os cientistas fazem sobre o Universo.
"Como é que vocês sabem que o Big Bang ocorreu? Como vocês podem medir a idade do Universo, ou quantas estrelas existem?", perguntam eles. Esse ceticismo é saudável e válido.
Afinal, a própria ciência só funciona porque a comunidade científica checa de forma incessante as asserções de colegas e os resultados de seus experimentos. Sem isso, a ciência perderia a sua universalidade, a sua aceitação como descrição válida dos fenômenos naturais. Portanto, é importante que os cientistas justifiquem publicamente as suas afirmações sobre o cosmo.
Recentemente, o grupo que opera o satélite WMAP (sigla inglesa de Sonda Wilkinson de Anisotropia de Micro-ondas), da Nasa, publicou os resultados de sete anos de análise de dados. O instrumento é capaz de medir as propriedades da radiação que banha o Universo, os fótons que foram liberados quando os primeiros átomos teriam sido constituídos, em torno de 380 mil anos após o Big Bang, ou seja, há uns 13,7 bilhões de anos.
Antes de ir adiante, uma explicação. Fótons são as partículas de luz ou, mais apropriadamente, as partículas de radiação eletromagnética (RE). (A luz é apenas uma forma de RE; outras familiares, mas invisíveis aos olhos, são os raios X e as radiações ultravioleta e infravermelha.)
No final da década de 1940, o físico George Gamow e colaboradores sugeriram que, se o Cosmo tivesse sido muito quente e denso na sua infância, deveria estar banhado em RE. Mesmo que, no passado, essa radiação tivesse sido muito energética, com o passar do tempo e a expansão cósmica ela foi perdendo energia, de modo a ser hoje bem fraca, o que quer dizer bem fria. Gamow previu que essa radiação hoje deveria ter uma temperatura de alguns graus acima do zero absoluto, o equivalente a 273C negativos.
Em 1964, essa radiação foi descoberta, e ela apresentava justamente as propriedades previstas por Gamow. Ela vem da junção de elétrons e prótons para formar átomos de hidrogênio, o elemento químico mais abundante no Universo. Sabendo a energia de atração do elétron e do próton no hidrogênio, é possível calcular a temperatura em que essa junção ocorre; usando a expansão do Universo, é possível datar quando a junção ocorreu, a gênese dos primeiros átomos. Resultado? Uns 380 mil anos após o "bang".
Essa radiação cósmica de fundo, como é chamada, é um fóssil da infância cósmica. Como todo fóssil, seu estudo permite a reconstrução de um período no passado remoto.
É desse estudo, e de outros de natureza astronômica (por exemplo, estudando galáxias e suas propriedades), que podemos fazer afirmações quantitativas sobre o Universo. O WMAP mediu as propriedades dos fótons dessa radiação com precisão de uma parte em 100 mil, um feito realmente notável.
Eis alguns resultados: idade do Universo, 13,7 bilhões de anos; fração de matéria comum (feito a nossa, composta de prótons e elétrons), 4,41% da total; fração de matéria escura (que não brilha e não é composta de prótons e elétrons), 21,4% da total; fração de energia escura (responsável pela aceleração da expansão cósmica, de natureza desconhecida), 74,2%.
As medidas do WMAP concordam com outras, extraídas de forma diferente. A conclusão é clara: essas são as propriedades do nosso Universo. Vemos, também, o quanto ainda não sabemos; o que são a matéria e a energia escuras que parecem dominar a composição cósmica? Ao abrirmos uma nova janela para o céu, a vista se estende além do nosso alcance. Temos muita estrada pela frente."
FONTE: escrito por MARCELO GLEISER, professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo". Publicado hoje (21/02) na Folha de São Paulo.
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