sexta-feira, 17 de setembro de 2010

COM 200 ANOS DE INDEPENDÊNCIA, MÉXICO ESTÁ ATRELADO AOS EUA

“O México comemorou o bicentenário do início de sua luta para ser um país independente quinta-feira (16). Durante o resto do mês de setembro, as ruas de quase todo o país serão cobertas de verde, branco e vermelho - as cores da bandeira mexicana - e o hino nacional será cantado várias vezes. Mas, enquanto muito será dito sobre os heróis mexicanos e seus feitos gloriosos, espera-se que pouco se fará sobre as relações de dependência que o país criou ao longo de sua história.

Agora, ao completar 200 anos da proclamação da independência e 100 da revolução, alguns historiadores no México questionam se o movimento revolucionário mudou muita coisa.

A partir do século XIX, a história do México não pode ser entendida sem se referir aos Estados Unidos. Em 1848, o México perdeu metade do território para os vizinhos do norte, ao ceder os estados da Califórnia e do Novo México por 15 milhões de dólares. A fronteira entre essas nações passou a ser traçada no rio Grande. O jornalista Alan Riding, em seu livro “Vecinos Distantes”, menciona que as relações entre EUA e México são muito particulares desde então.

“Provavelmente, em nenhuma parte do mundo, nações vizinhas se entenderam tão pouco. Mas apesar dos níveis de desenvolvimento, os dois países estão separados pelo idioma, a religião, a raça, a filosofia e a história”, escreveu Riding.

Já para o historiador mexicano Julián Castillo, o México depende em muitos sentidos do que ocorre na "casa em frente". “A economia, os fluxos migratórios e a luta contra a delinquência organizada são apenas algumas das questões compartilhadas, e as que a nação mais poderosa influi amplamente”, diz.

CONTRASTES

Ambos os países começaram sua história contemporânea quase simultaneamente. Menos de meio século transcorreu entre a independência de uma nação e da outra. Enquanto uma se tornou uma potência mundial, a outra ficou atrasada e nunca pode alcançar sua vizinha do norte.

Historicamente existem muitas explicações, algumas culturais e outras meramente econômicas. Ao perder a Califórnia e o Novo México, mesmo com indenização de 15 milhões de dólares, o México perdeu as ricas minas de ouro e os depósitos de gás natural encontrados nesses estados décadas depois. Ao perder o Texas, perdeu os campos de petróleo mais importantes da região. Mas não seria mais tarde que o México pagaria essa fatura.

“A exploração desses campos permitiu o desenvolvimento industrial do sul dos Estados Unidos no final do século XIX”, conta o historiador e economista mexicano Carlos Toledo. Para os espanhóis, foi praticamente impossível a colonização do norte da Nova Espanha (como se chamava o México na época colonial).

Para o empresário responsável pela promoção do estado mexicano do Texas, Stephen F. Austin, foi muito complicado, mas para as companhias petrolíferas não foi esforço algum. Novas cidades surgiram rapidamente, motivadas pela exploração dos novos assentamentos. A partir da perfuração de Spindletop, o primeiro grande poço petrolífero do estado, a região passou rapidamente de zona rural a estratégica para os norte-americanos.

Enquanto isso, nos EUA se falava da Doutrina Monroe e a diplomacia do ‘big stick’ de Theodore Roosevelt, no México se avançava gradualmente até o fim da ‘Era Porfiriana’ (ditadura de Porfirio Díaz, 1884-1910). E seria o próprio Díaz quem teria dito a frase “Pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos!”, que representou o sentimento dos mexicanos a respeito de seu país no começo do século XX.

REVOLUÇÃO

Mas, sem dúvida, o movimento social mais importante na história contemporânea do país foi a Revolução Mexicana (1910-1920). Com ela, foram tentadas mudanças significativas em vários aspectos. “A divisão de terras, a democracia e a justiça social foram pilares sobre os quais se esperava edificar uma nova nação”, afirma Castillo.

Durante o processo, caudilhos de várias regiões do país lutaram para derrotar o inimigo comum. Até que conseguiram que o reformista liberal Francisco Madero chegasse democraticamente à presidência mexicana. Seu mandato duraria pouco tempo. Depois, com o apoio do embaixador norte-americano Henry Lane Wilson, o oligarca Victoriano Huerta planejaria um golpe de estado e executaria Madero na chamada “década trágica”.

Terminada a revolução, o governo procurou manter uma relação estreita com os EUA. A política mexicana precisava ser legitimada pelo vizinho. O capital norte-americano investiu novamente em várias indústrias e com isto o México se integrou plenamente ao século XX.

O primeiro grande conflito internacional da época moderna no México aconteceu em 1938, com a expropriação das companhias petrolíferas britânicas e norte americanas, sob o presidente Lázaro Cárdenas (1934-1940).

O chamado “ato de soberania e dignidade nacional” foi interpretado como uma afronta aos empresários e ao governo dos EUA. Como em ocasiões anteriores, foi um interesse maior que permitiu que a relação entre os dois países não se deteriorassem completamente. Diante de um eminente começo da Segunda Guerra Mundial e da necessidade de petróleo mexicano, o presidente Franklin Roosevelt optou por tolerar a expropriação como um mal necessário em vez de combatê-la por força diplomática ou bélica.

“Naquele momento, os EUA precisavam de aliados, não de inimigos, por mais frágeis que pudessem ser”, lembra Toledo. Com o fim do conflito, os EUA saíram fortalecidos e sua "economia de guerra" se converteu em uma economia industrial avançada. A vitória transformou o país em uma superpotência, baseada no comércio e no crescimento das grandes empresas e dos grandes capitais.

COMÉRCIO E CONTRABANDO

No México, durante décadas, as exportações e importações foram pouco favorecidas. O Estado mexicano protegeu as suas companhias públicas da concorrência. As empresas privadas mexicanas competiam entre si sem valorizar a qualidade do que era produzido. A chamada “fayuca” (ou muamba, mercadorias trazidas ilegalmente ao país) era a única maneira de se obter produtos estrangeiros.

Em 1994, foi consolidado o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA, em inglês). As diferenças foram gradualmente eliminadas até existir uma só área econômica. Os desafios estavam à vista de todos. “A solução de alguns pontos importantes, como a indústria, permitiriam que o México competisse com os EUA”, diz Toledo.

Alguns setores tiveram de fazer isso mais do que outros e novas regulamentações precisaram ser implantadas para cumprir os requisitos e normas norte-americanas. Mas, ao terminar o prazo, poucas indústrias tinham se desenvolvido o suficiente para cumprir o esperado e poder concorrer com os vizinhos do norte.

O setor de transporte, por exemplo, não conseguiu o objetivo de levar as mercadorias até os pontos de desembarque dos EUA. Os carros mexicanos tiveram problemas para serem comercializados. O crescimento da economia chinesa permitiu que as fábricas e montadoras de vários produtos cruzassem as fronteiras do continente e chegassem à Ásia.

De fato, a economia mexicana cresceu com o NAFTA, mas amarrou esse crescimento ao desenvolvimento dos EUA, para onde envia 80% de suas exportações. O que chamam de grave doença da economia norte americana se traduz também para a mexicana.

O certo é que, apesar de ter-se tornado independente do coroa espanhola, o México tornou-se co-dependente de outras potências.”

FONTE: publicado no site “Opera Mundi” e transcrito no portal “Vermelho” (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=137127&id_secao=7).

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