domingo, 5 de setembro de 2010
GIGANTESCA FORÇA MILITAR DOS EUA DESEMBARCA NA COSTA RICA
A INGERÊNCIA MILITAR IANQUE NA COSTA RICA
Brayan Brenes
“Num ato inédito em toda a história nacional, o Congresso aprovou no último dia 29 de junho permitir a entrada de 46 navios armados, das Forças Armadas dos Estados Unidos, na costa costarriquense [1]. Com os navios calcula-se que chegaram ao país cerca de 7 mil soldados norte-americanos, juntamente com mais 200 aviões, helicópteros e diferentes tipos de aeronaves de combate.
Juntamente com a autorização de entrada dos navios, os legisladores autorizaram os militares norte-americanos a entrarem no território costarriquense sem qualquer restrição, desfrutando ainda da imunidade que têm em solo estadunidense, isto com o suposto objetivo de “cumprir com a sua missão” e “participarem em trabalhos de ajuda humanitária”.
No entanto, a realidade é que a entrada do exército de uma potência imperialista nos portos costarriquenses corresponde a uma ingerência militar clara, como se viu anteriormente. Nem sequer nas décadas de 1970 e 1980, quando radicais processos revolucionários agitavam a maior parte da América Central, o Exército norte-americano invadiu abertamente a costa costarriquense.
Pode dizer-se, sem margem para dúvidas, que um dos sonhos mais desejados de Laura Chincilla no passado se tornou realidade: é que, apesar de a presidente, por volta de 2004, ter tentado meter esses mesmos navios de guerra e, ao mesmo tempo, a ILEA (Escola Internacional de Polícias para o Cumprimento da Lei) – no quadro da invasão norte-americana do Iraque – só seis anos depois é que esses barcos e os seus militares conseguiram entrar no país, além de que foi o Congresso e não o Poder Executivo que teve a última palavra para tão grave violação da soberania costarriquense.
Então, as pequenas, mas combativas, mobilizações universitárias e sindicais, bem como a fragmentação no seio das fileiras burguesas, impediram que se aprovasse no Congresso a instalação, não só dos navios, mas também de uma reciclada “Escola das Américas” que estava no Panamá, desta vez com o nome de ILEA.
Vamos ver se, desta vez, o movimento de massas repete a façanha, mas expulsando os ianques da costa costarriquense. No entanto, isto só pode alcançar-se com a mais ampla mobilização das massas e a solidariedade internacionalista dos nossos irmãos trabalhadores e oprimidos da América Latina e do mundo.
UMA CLARA INGERÊNCIA MILITAR COM FINS GEOESTRATÉGICOS
Apesar de a ocupação militar da Costa Rica ser inédita na história deste pequeno país, não acontece o mesmo com o restante dos países da América central e do Caribe. Esses, ao contrário, têm sido vítimas da ocupação dos ‘marines’ norte-americanos e da instalação de bases militares. É o caso do Caribe, desde Cuba, com Guantánamo, até ao Haiti, com as reiteradas incursões militares dos Estados Unidos durante, praticamente, todo o século XX; e a parte ístmica, que abrange a Nicarágua, as Honduras, El Salvador, a Guatemala e, especialmente, o Panamá.
Os códigos geopolíticos que sustentaram a ocupação – essencialmente norte-americana – variaram de acordo com os diferentes momentos históricos: desde a rivalidade dos Estados Unidos com a Inglaterra, as fricções com a União Soviética, até a necessidade de travar a ascensão das massas e os processos revolucionários que sacudiram a América Central durante a década de 1970 e parte de 1980.
Em diferentes momentos, os Estados Unidos defenderam a região da América Central e do Caribe como parte da sua zona de influência, não tanto pelo seu tamanho ou pelos seus recursos naturais, mas pela sua importância geoestratégica: é não só a região mais próxima para o abastecimento militar das tropas norte-americanas, mas também a que oferece vantagens como vias de comunicação interoceânicas, como o Canal do Panamá ou a rota do rio San Juan, que atualmente serve de limite entre a Costa Rica e a Nicarágua. No caso do Canal, por aí circula uma elevada percentagem das mercadorias necessárias ao abastecimento do mercado estadunidense e uma boa parte dos países latino-americanos.
Ainda que, ao longo da história centro-americana e do Caribe, a tônica tenha sido a da ocupação, a verdade é que durante a administração Obama esta [a ocupação] se tem vindo a redefinir, paralelamente ao reforço militar noutras partes do mundo. Recordamos que, depois do catastrófico terremoto de janeiro no Haiti, a Casa Branca ordenou o envio de mais 10 mil soldados para a ilha, não só como forma de conter as possíveis revoltas “da fome”, mas também para começar a reconfigurar um dispositivo estratégico de controle sobre a região do Caribe.
Ao mesmo tempo que a catástrofe e a ocupação se abatiam sobre o Haiti, o imperialismo norte-americano instalava sete novas bases militares na Colômbia e, como se fosse pouco, mais quatro bases no Panamá, tudo sob a desculpa de fins “humanitários”, luta contra o narcotráfico e o “terrorismo”.
O mais recente caso de militarização viveu-o a fronteira dos Estados Unidos com o México onde, sob a farsa do combate ao narcotráfico, o imperialismo norte-americano enviou milhares de soldados para “perseguir os campos da droga”.
A grande ingerência militar nas águas costarriquenses de, pelo menos, 7 mil soldados norte-americanos desenvolve-se no quadro de fortíssimo dispositivo militar, com o pano de fundo de uma luta aberta da administração Obama pela recuperação completa do controle do que considera o seu “pátio traseiro”, tudo isso ao mesmo tempo que prossegue a escalada das tensões da nação imperialista com as potências regionais no Médio Oriente, como o Irã.
Tudo isso parece indicar que, enquanto os Estados Unidos prosseguem a militarização da região da América Central e do Caribe e outras partes da América Latina, apoia disfarçadamente golpes militares como o das Honduras em 2009 e cria dispositivo militar para travar as aspirações de certos países de se converterem em potências regionais (caso do Brasil). Também, os EUA preparam-se para eventuais guerras regionais noutras zonas do mundo. É isto que sugere não só a desproporcionada militarização regional, como a visão global de conjunto que guia a ação da potência imperialista mais preponderante do planeta [2].
O imperialismo norte-americano poderá inclinar-se a utilizar – como em anteriores períodos históricos – os seus pontos de apoio na América Central e no Caribe, não apenas para agressões regionais a países latino-americanos, mas igualmente como plataforma para agudizar a sua política de agressão contra países “longínquos” como o Irã, com quem as tensões já dispararam.
Nessa perspectiva, a escandalosa e desproporcionada ocupação militar norte-americana da Costa Rica não pode obedecer à luta contra o narcotráfico nem muito menos a causas humanitárias. No meio de tudo isso está o interesse da potência norte-americana em controlar apertadamente o conjunto da América Latina, e de utilizar como possível porta-aviões a região da América Central e do Caribe e as bases de países como a Colômbia, como sustentação da sua política externa noutras partes do planeta.
OS JOGOS PANAMAX 2010 E OS EXERCÍCIOS MILITARES DA POTÊNCIA IMPERIALISTA NORTE-AMERICANA
Essa política de cerco em volta do istmo centro-americano assume a sua expressão máxima nos jogos [manobras militares] “Panamax 2010”, que se realizam há 7 anos, em que, paulatinamente, se têm envolvido os exércitos de dezenas de países, não só latino-americanos como de outras regiões do mundo.
Sob a direção da “polícia” panamenha e do exército dos Estados Unidos, os jogos simulam um “ataque terrorista” ao canal do Panamá, que é defendido pela ação de vários exércitos latino-americanos e alguns europeus, como o da Holanda.
Esses jogos, que em 2009 geraram polêmica pela participação de uma Honduras polarizada à volta do golpe de Estado e das supostas “rivalidades” de Micheletti com Obama e Hillary Clinton, servem de exercício aos exércitos mais pró-imperialistas da região e, naturalmente, dos Estados Unidos na busca de assegurar os seus interesses geoestratégicos. Este ano calcula-se que participaram mais de 4 mil soldados, pouco mais de metade dos militares que atracaram nas costas costarriquenses.
A POLÍTICA DA OPOSIÇÃO BURGUESA COSTARRIQUENSE FACE À OCUPAÇÃO NORTE-AMERICANA
A autorização para a entrada dos barcos de guerra e dos soldados ianques foi aprovada pelo Congresso graças ao bloco formado pelo Partido de Libertação Nacional (PLN), o Movimento Libertário (ML) e o Partido da Renovação Costarriquense (RC). No outro lado, estiveram a Frente Ampla (FA), alguns deputados do Partido Ação Cidadã (PAC) e o Partido da União Social Cristã.
A FA, juntamente com Luis Fishman e o Partido Ação Cidadã (PAC), protagonizaram a oposição à autorização de entrada dos navios de guerra, argumentando que tais veículos não faziam parte da “lista” dos acordos de patrulhamento conjunto entre os Estados Unidos e a Costa Rica, e que, por isso mesmo, a sua incursão era uma violação da soberania nacional. Noutras sessões, Fishman defendeu que o convênio que permite o patrulhamento conjunto já tinha expirado, pelo que não podiam entrar novos barcos em águas da Costa Rica.
Ainda que se oponham à entrada dos navios em águas nacionais, há que afirmar categoricamente que não é suficiente opor-se pelo “tamanho” dos barcos. É necessário deixar bem claro que as posições políticas centrais destes partidos de “oposição” – agora encabeçados pelo candidato presidencial “menos mau”, Luís Fishman – são ambíguas, timoratas e fizeram por diversas vezes o jogo do imperialismo.
Não só não recusam a ingerência imperialista e os acordos que facilitam a penetração militar dos Estados Unidos, com a desculpa do combate ao narcotráfico, como até aprovaram no Congresso leis pró-imperialistas como a Lei Antiterrorista (2008) que, no fim das contas, acabaram por os atar de pés e mãos, impedindo-os de enfrentar de forma consequente o aumento da ingerência imperialista em curso
A SITUAÇÃO POLÍTICA NACIONAL E A INCURSÃO MILITAR
Se tivesse que definir a situação política nacional, teria que dizer que esta se caracteriza por estagnação, mas com tendência para a recomposição, tanto da mobilização como da organização do movimento operário e popular.
Depois da invasão do campus universitário da Universidade da Costa Rica (UCR), o movimento de massas tem vindo lentamente a recompor-se, experimentando, desde então, momentos de retrocesso, mas também picos de mobilização. Os portuários entraram em cena protagonizando intensas jornadas de luta (SINTRAJAP), também os docentes (APSE), os trabalhadores municipais, do sector elétrico (ICE), os camponeses pobres e, naturalmente, os estudantes (UCR).
Ao que parece, o PLN e a Presidente Chincilla decidiram aproveitar a conjuntura de amolecimento para avançar ainda mais no seu ambicioso plano de militarizar a Costa Rica. É que não é esta a primeira medida que tomam este partido e a presidente, pois já acordaram em abril integrar a Comissão de Segurança Centro-Americana, em conjunto com a burguesia golpista hondurenha. Esta comissão não tem outro objetivo que não seja “centro-americanizar” a Costa Rica até aos níveis de militarização e repressão que prevalecem noutros países da região.
Ainda que não se descarte uma intervenção dos ‘marines’ na vida política nacional – o que seria complicado –, a verdade é que a ocupação está mais relacionada com fins geoestratégicos que com a situação de um pequeno país da América Central que são a sua maquinaria “democrática” e a sua polícia, até ao momento, parece ter demonstrado ser capaz de conter e limitar a luta de classes.
NOTAS:
[1] A pesar de, desde 1999, se ter aprovado um acordo de vigilância com os EUA – com o suposto fim de combater o narcotráfico – a verdade é que nunca tinha havido uma incursão militar tão agressiva como a que denunciamos neste escrito. Algumas fragatas norte-americanas tinham bordejado a costa do Pacífico e algumas lanchas guarda-costas tinham navegado em águas territoriais, mas a penetração clara nunca tinha acontecido. Neste escrito, denunciamos não só a entrada de 46 navios de guerra, como o próprio acordo que permite a ingerência do imperialismo norte-americano na Costa Rica.
[2] Vale recordar que países como Honduras e El Salvador prestaram “notáveis” serviços para a política de “guerra contra o terrorismo” de Bush, nos primeiros anos da invasão imperialista do Iraque. Esses serviços iam da participação de tropas do Exército salvadorenho e hondurenho nas operações militares em território iraquiano, até ao recrutamento de “contratados” em toda a América Central, como foi o caso por exemplo da empresa “’Triple Cannopy” dirigida por George Nayor (ligado ao narcotráfico), que a partir de El Salvador enviava mercenários da América Central para o Iraque.”
FONTE: escrito por Brayan Brenes, da Liga da Revolução Socialista da Costa Rica, e publicado no portal “Vermelho” (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=135970&id_secao=7) [imagem e mapas colocados por este blog].
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