Palácio do Planalto, 16 de setembro de 2010
Jornalista: E a ideia é que a gente montou uma entrevista muito mais sobre futuro e suas avaliações em geral do que propriamente a gente ficar no “nheco-nheco”, porque é muito chato. O senhor... E também as respostas que o senhor vai dar são respostas que o senhor já sabe que vai dar, a gente já sabe o que vai perguntar. Então, a gente resolveu fazer diferente, sabe? O Serra que, ontem, levantou no meio da entrevista. O senhor viu aquela história?
Presidente: Eu soube.
Jornalista: Ele levantou no meio da entrevista, disse: “Não vou dar mais entrevista”.
Ministro Franklin Martins: “Apaga a televisão”.
Jornalista: É, “apaga a televisão”. Aí a Márcia Peltier, sem graça: “Mas, mas candidato, e tal”. E as perguntas que eles faziam (incompreensível), e eu não sei o quê. Aí, chegou uma hora, ele falou assim: “Gente, se vocês ficarem fazendo as pesquisas, as perguntas que vocês sabem que vocês vão fazer e que vocês sabem o que eu vou responder...” E, quando ele foi almoçar com a gente, ele disse: “Pô, se eu estivesse em primeiro, eu é que ia estar falando as coisas que a Dilma está falando: ‘Não, vamos ter calma, a gente não pode ganhar a eleição de véspera’. Agora, eu tenho que dizer o quê? Eu vou dizer: não podemos só ficar de olho nas pesquisas. O que eu sinto no povo é muito apoio”.
Presidente: Veja, eu já passei por isso.
Jornalista: Já passou por isso dos dois lados.
Presidente: É a vantagem de perder muitas eleições...
Jornalista: O senhor já viveu isso.
Presidente: Não, porque a situação, a situação do Serra é a minha situação de [19]94 e a minha situação de [19]98. Ou seja, ele foi candidato contra mim, em 2002, quando o povo queria mudança e ele significava a continuidade, e ele é candidato em 2010, quando o povo quer continuidade e ele significa mudança. Exatamente o que aconteceu comigo. Eu lembro o que era a dificuldade de fazer discurso em [19]94. O real bombando, e eu tentando me esgoelar contra o real e... Eu fiquei muito tempo com a imagem de uma propaganda de um pãozinho que aparecia dentro de um... Um pãozinho caído em um prato, assim, que o preço era nove centavos de... Era mortal aquela propaganda.
Jornalista: Mas, olha, o senhor acreditava que o real podia dar errado? Acreditava mesmo que ia dar errado?
Presidente: Veja, eu não tinha...
Jornalista: Ou era uma coisa de marqueteiro?
Presidente: Veja, é que... Deixa eu lhe contar uma coisa. É que é muito difícil você fazer oposição. Nós já tínhamos cometido um erro, no movimento sindical, um pouco antes até de eu ser candidato, na URV, que foi o que deu a base para fazer o real, que foi o aperfeiçoamento da fase do Plano Cruzado. Ou seja, a mesma equipe que tinha feito o Cruzado aperfeiçoou com a URV, para poder introduzir o real.
E, veja, o candidato de oposição, ele tem que fazer um discurso de oposição, porque, se ele for fazer o discurso da situação, ele não precisa ser candidato.
Jornalista: Sim, mas isso o senhor fez, mas o Serra não fez.
Presidente: Mas, veja, eu tive a sorte de, naquele período... Você está lembrado que o Brizola caiu para 2%, eu me sustentei com 24%, mas era muito difícil. Em 98, em 98, eu fui para uma campanha já sabendo qual era o discurso do Fernando Henrique Cardoso. Isso a gente discutiu muito tempo antes. Olha, ele vai dizer: “Quem estabilizou a economia, agora vai criar empregos”. E foi o discurso da campanha, e era a única coisa que ele poderia falar, e eu tinha que falar contra, ou seja, sem... Bem, e eu acho que o Serra está vivendo esse drama, e nós temos que nos conformar e esperar outra oportunidade, esse é o dado concreto. Eu tive paciência.
Jornalista: Só que ele talvez não tenha.
Presidente: Eu tive paciência de esperar.
Jornalista: (incompreensível)
Presidente: Eu tinha menos idade do que o Serra tem hoje.
Ministro Franklin Martins: Além disso, o senhor (incompreensível)
Presidente: Então, é duro. Olha, eu posso dizer para vocês, como experiência própria: é duro, é duro, quando você vai dar uma entrevista que o cara pergunta para você: “E as pesquisas?”, e você está lá embaixo, você caiu três pontos.
Eu, eu não esqueço nunca, uma vez, quase que jogo o Ricardo Kotscho do avião, em 1989. Eu estava indo para Manaus, tinha feito um comício no Piauí, maravilhoso, eu nunca vi nada igual, ao meio-dia. Depois eu fui para Belém e fiz um comício que o bombeiro tinha que ficar jogando água, porque era muita gente e muito calor. Aí, eu desci em Manaus, eu ia visitar a Hidrelétrica de Balbina, para ver o “Monumento à Insanidade” que o setor energético brasileiro tinha feito. Aí, o jornalista, essa coisa de descer, o Ricardo Kotscho agoniado, descemos no aeroporto, íamos pegar o helicóptero, ele correu, e já vi ele com um pacotão de jornal – Estadão, Folha, Globo, Jornal do Brasil –, aquele montão assim, que ele andava com os braços abertos, parecia um gavião, cheio de jornal. Aí, uma pesquisa no Estadão: “Lula cai mais 0,25 pontos”. Eu estava com três, fui para 2,75. Eu fiquei tão nervoso com o Ricardo Kotscho. Eu falei: “Você é meu assessor, Ricardo, por que você me traz notícia ruim? Me traga só notícia boa”. Bem, aí eu fui para Balbina. Pela primeira vez eu tinha pensado até em desistir. Eu falei: “Ah, não é possível, eu vou terminar a campanha devendo para o Ibope. Eu não tenho experiência de dever pontos”. Aí eu tomei uma decisão, que foi a decisão acertada, o seguinte: “olhe, eu tenho um público e eu tenho que fazer uma demarcação de classe nessa campanha, eu tenho que fazer um discurso para a classe operária, tentando utilizar o chamado setor organizado da sociedade”. E foi isso, na verdade, que me levou para o segundo turno em [19]89. Mas é duro, é duro, é duro.
Jornalista: Agora, o...
Presidente: Hoje em dia, esse negócio de a gente falar que não acredita em pesquisa é só quando a gente está por baixo. Em [19]82, eu era candidato a governador, o Estadão publica uma pesquisa, faltando acho que uns três ou quatro dias para as eleições: “Montoro, não sei quanto; Reynaldo de Barros, não sei quanto; Jânio, não sei quanto; Lula, 10%”. Eu tinha feito um comício no Pacaembu, que eu saí de lá com a convicção que eu ia ganhar as eleições. E aí você já fala: “Porque essa imprensa burguesa, porque essa imprensa e tal”.
Bom, o dado concreto é que, depois das eleições, eu tive exatamente os 10% da pesquisa. A partir dali eu comecei a acreditar em um certo critério científico e em uma certa... Muita importância para a pesquisa. Hoje eu acredito muito em pesquisa, dou muita importância. Obviamente que ela pode ser mudada. Não é que uma pesquisa feita no dia primeiro seja a mesma para o dia 30. Não, você pode mudar a pesquisa. Você tem que saber que ela existe, saber quais as razões que ela está daquele jeito, para você... Todo político deveria assistir uma qualitativa. Todo político deveria sentar atrás de um vidro e ver o que o povo pensa dele, numa qualitativa, que aí eu acho que todo mundo iria se preparar melhor, ficar mais esperto.
Jornalista: O senhor já fez isso?
Presidente: Já. Já vi muitas qualitativas.
Jornalista: E o que o senhor aprendeu?
Presidente: Veja, o que eu aprendi? A cabeça do povo é um cofre de informações, que está à espera de coisas para ele captar, para guardar ou para jogar fora imediatamente. Então, muitas vezes, a gente pensa que um discurso nosso abafou. Sabe aquele negócio: “Eu me amo”? Você faz um discurso e você fala: “Ah, foi...”. Tem gente que fala assim: “Eu arrasei”. Aí, quando você coloca aquele discurso em uma qualitativa, às vezes, de dez pessoas que estão no grupo, nove jogam fora o discurso.
Quando você faz campanha e você acompanha... Por exemplo, você vai para um debate na televisão e você acompanha em tempo real os debates... No debate que eu fiz com o Alckmin, em 2006, em que ele estava muito agressivo, naquele...
Ministro Franklin Martins: Aquele da Bandeirantes.
Presidente: Aquele da Bandeirantes. Eu recebia, a cada intervalo, a informação: quanto mais agressivo o Alckmin ficava, mais ponto ele perdia. Ele não se deu conta que ele estava diante, não de um adversário, ele não se deu conta que ele estava diante do presidente da República. E, para o povo, você respeitar a instituição tem um valor importante. E ele não se deu conta disso.
Jornalista: O senhor estava com a qualitativa na hora do debate?
Presidente: Na hora do debate. Na hora do debate, nós tínhamos 12 grupos reunidos, em vários lugares do país.
Então, qual foi o grande erro do Alckmin? Ele se deixou seduzir pelos aplausos de meia dúzia de pessoas dele, que estavam na frente dele. E eu aprendi que, quando você está falando para a televisão, não é a pessoa que está do seu lado que importa, é o cidadão que está sentado em um sofá, um aposentado, um adolescente, uma senhora que acabou de brigar com o marido ou uma menina que acabou de receber um telefonema do namorado, convidando ela para casar. Você está falando para milhões, mas individualmente, e isso a gente vai aprendendo. Eu aprendi com muita derrota, aprendi com muita derrota e com muita humildade. Por exemplo, eu lembro que, na campanha de 2002, tinha uma pesquisa que dizia o seguinte: “O povo quer reforma agrária pacífica e tranquila”. E eu tinha sido educado durante 30 anos para fazer um discurso: “Reforma Agrária ampla e radical sob o controle dos trabalhadores”. Eu levei mais de cinco dias para a minha boca conseguir dizer: “Reforma Agrária tranquila”. E aí, quando você faz essas coisas, você percebe que nem sempre a tua verdade é absoluta, que é sempre bom você ouvir as pessoas. De dez conselhos que você ouve, um pode ser bom para você, dois podem ser bom, podem te ajudar.
Jornalista: A Dilma fez essa qualitativa anterior? O senhor recomendou ela a fazer?
Presidente: Eu tenho uma coisa que vocês vão ter oportunidade de conhecer. A Dilma, ela tem uma inteligência acima da média das pessoas que eu conheço. A capacidade da Dilma de captar as informações que ela recebe é extraordinária. Eu sempre disse que as pessoas iriam se surpreender, porque como a Dilma não era política... Quando eu propus o nome da Dilma, então você vai conversar com um político mais experiente, eles falam assim: “Ah, o Lula está por fora, está indicando uma mulher que ninguém conhece, uma mulher que nunca fez política, não tem nenhuma experiência, nunca participou de um debate. Ela vai ser triturada”. Porque as pessoas não a conheciam, ou seja, então, ela é inteligente, ela tem uma capacidade de captação das coisas e de aprendizado rápido, que é extraordinário, e tem o aprendizado. Alguém dizia: “A Dilma não vai conseguir falar em palanque”. Vão num comício para vocês verem a desenvoltura. Ela está falando melhor do que o Lula, ela está mais... sabe?
Então, é uma surpresa. É uma surpresa, sim. Veja que, no último debate, ela teve um comportamento adequado para cada companheiro.
Jornalista: Foi simpática com... Acho que foi nas piadinhas do Plínio, simpática com a Marina...
Jornalista: Presidente, como é que o senhor gostaria de ser lembrado no futuro?
Presidente: Eu, sinceramente, não sei. Veja, eu, às vezes, vejo pessoas que são casadas há 30 anos, e se separam, e depois de 29 anos dizendo bem, a pessoa é lembrada pelo dia que errou, que provocou o desquite. Então, eu acho que tem muitas, muitas imagens para as pessoas lembrarem-se do governo Lula. Acho que... E cada um vai ter uma. É como se fosse uma fotografia pessoal, você vai ter uma imagem, você vai ter outra, o Nelson vai ter outra, você vai ter outra, cada um vai ter uma fotografia do governo Lula. O resultado...
Jornalista: A sua, qual vai ser, Presidente?
Presidente: O resultado, que vai balizar o comportamento da sociedade, são os resultados finais do governo. E os resultados finais do governo, ele não termina em 2010, porque parte das coisas que nós fizemos começa a aparecer pelo IBGE de 2011 e 2012. Então, o tempo é que vai dar essa fotografia final do governo Lula.
Eu te diria uma coisa, eu penso que nós mudamos a relação governo e sociedade; governo, Estado e sociedade. Eu penso que... Parece pouco porque as pessoas não se dão conta do que aconteceu nesses oito anos. Nesses oito anos, eu participei de mais de 70 conferências nacionais. Cada conferência nacional, ela resulta de milhares de conferências municipais, e dezenas de conferências estaduais e da conferência nacional, como a da comunicação. Quando chega em Brasília, você tem um plano elaborado, que pode balizar ações, ou não, do governo. Nem tudo que são aprovados nas conferências são assimiladas pelo governo, mas você tem uma base estrutural criada pela sociedade, daí porque a sociedade organizada se sente participante do governo, porque ela ajudou a construir grande parte das políticas públicas.
Nesses sete anos, eu me reuni todos os anos, com todos os reitores de todas as universidades federais deste país, e com todos os reitores das universidades técnicas. Parece pouco, e eu sei que muitas vezes você fala: “Por que o Lula repete tanto isso?” Mas nunca, antes, na história do país, nenhum presidente, nenhum ministro da Educação, mesmo que foram reitores, se reuniu com reitores. Talvez com medo de reivindicação, talvez com medo do pedido de autonomia, talvez... Não se reuniam. Como não se reuniu com prefeitos, como não se reuniu com o movimento sindical, com os Sem-Terra, com CONTAG, com a FETRAF. Nós reunimos todo mundo, todo ano, para extrair deles aquilo que eles querem do governo e para dizer para eles aquilo que a gente pode fazer.
Então, eu estou tranquilo que, a partir de 2010, quem vier a governar o Brasil tem uma sociedade muito mais cobradora, muito mais organizada e muito mais consciente da sua responsabilidade, ou seja, muito menos massa de manobra.
Esses dias eu fui a Caruaru e o menino da juventude socialista, da UBES, da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, fez um discurso dizendo: “Bom, nós apresentamos, no início do governo Lula, 13 pontos. Os 13 pontos foram atendidos”. E eu disse: “Então vocês têm que fazer mais 13 pontos para entregar para o próximo governo, para atender”.
Então, eu acho que nós vamos ser lembrados um pouco por isso, da relação com o Estado, das conquistas, da parte mais frágil da sociedade, do crescimento econômico constante, da volta da retomada da infraestrutura, que tinha parado desde o governo Geisel, e que só pôde ser retomada conosco. Da provação, ou seja, de que algumas teorias econômicas estavam vencidas e as pessoas não percebiam. Estava lá o carimbo: “Vencida”. As pessoas não percebiam. A história de que a gente não poderia crescer a exportação com crescimento do mercado interno, que a gente não poderia crescer salário mínimo sem inflação. Tudo isso nós quebramos, tudo isso nós quebramos.
Jornalista: Se o senhor fosse escolher uma dessas realizações, ou a realização que vai ficar mais associada ao seu nome, qual seria?
Presidente: Olha, é difícil. Se vocês me permitissem, eu diria para vocês o seguinte: a maior realização que eu tenho é poder terminar o meu governo tendo vencido todos os preconceitos que foram colocados como obstáculos para que eu chegasse à Presidência da República. Nunca, na vida, os empresários brasileiros ganharam tanto dinheiro de todos os segmentos. Nunca os trabalhadores fizeram tantos acordos com aumentos reais e, nunca, os pobres, tiveram tanta ascensão como tem agora. Está resolvido tudo? Não, apenas começamos. Vão algumas décadas para que a gente possa transformar este país em um país realmente justo. Daí porque o novo marco regulatório do pré-sal e daí porque criar o fundo para cuidar da educação, da pobreza, da ciência e tecnologia, da questão da cultura.
Então, eu acho que tem muitas coisas, tem muitas coisas que as pessoas vão lembrando. Quem sabe se a gente, um dia, conversar, seis meses depois que eu deixar a Presidência da República, quem sabe eu já tenha maturado, na minha cabeça, as coisas que você deu muita importância pelo que você fez e as coisas que você lamenta não ter feito. Isso, não sei se vocês... Eu já tive experiência de perda de uma esposa. A gente não sofre muito no primeiro momento, ou seja, um dia cai a ficha, que é o dia do nunca mais, é o dia que você se dá conta que ela não existe mais.
O governo, você... Se não tomar cuidado, você sai do governo e fica querendo dar palpite, porque você vai parar de dar autógrafos, você vai parar de fazer comício – e é importante que seja assim. Eu quero ensinar para algumas pessoas como é que um ex-presidente tem que se comportar.
Jornalista: Como é?
Presidente: É fechando a boca e deixando quem foi eleito governar. Quem governou teve a sua chance, fez o que tinha que fazer, dá palpite se pedido, se for para ajudar, para atrapalhar, nunca. E tem que deixar quem foi eleito governar. Até o direito de errar, quem é eleito, tem o direito de errar até para aprender com seus erros. Quem é eleito presidente da República não precisa de tutor, a pessoa tem que navegar e aprender. Então...
Jornalista: Essa vai ser a sua relação?
Presidente: Eu penso que, depois de algum tempo, a gente, então, cai a ficha, você está fora, já não tem mais o Franklin para pedir as coisas, já não tem mais assessoria, não tem mais o Nelson, não tem mais o Gilberto Carvalho para eu xingar, já não tem mais ninguém. Não tem mais o Stuckinha para eu berrar com ele. Aí eu vou querer uma fotografia, não tem quem vai tirar, eu vou ter que ir lá em uma...
Jornalista: (incompreensível)
Presidente: Não, vou ter que ir a uma dessas... Como chama? Numa ótica, aí, tirar aquela de 30 segundos, pá. Então, quando essa ficha cair, aí eu estou preparado para tocar a vida para frente. Eu não quero nem tomar decisão, eu não quero nem tomar decisão do que fazer antes de alguns meses, porque eu não quero ficar tomando decisão errada. Então, eu tenho que maturar. Maturar, calejar, para, depois, tomar decisão.
Jornalista: Agora, a relação do senhor com a presidente Dilma é uma das coisas que mais geram interesse, porque a gente já teve Maluf com Pitta, e brigaram; Tasso com Ciro, relação de irmãos durante muito tempo, apesar de eles ficarem separados. Então a gente tem exemplos bons e exemplos ruins.
Presidente: Você tem Jânio Quadros e Carvalho Pinto.
Jornalista: Como é que o senhor fez? Porque é um desafio para o senhor, o senhor já fez, sabe como faz.
Presidente: Deixa eu dizer uma coisa para você.
Jornalista: Tem responsabilidade sobre a vitória dela.
Presidente: No Nordeste – não sei se aqui, no Sul, aqui em Brasília, vocês... – tem um ditado: “Quem casa quer casa”. Ou seja, quem ganha quer governar. Vamos ter claro isso, em primeiro lugar. Se um ex-prefeito, um ex-governador, um ex-presidente, ao deixar um mandato, quiser ter influência em quem está governando, ele passa a atrapalhar quem está governando, ele passa a atrapalhar. Como todo mundo tem uma coisa chamada autoafirmação, como todo mundo tem personalidade, a pessoa precisa exercer essa autoafirmação e essa personalidade na sua totalidade. Obviamente que se um presidente, um governador, um prefeito, liga para um outro e pede uma sugestão, e você souber, você não pode se negar a dar. Agora, você ficar pela imprensa, você ficar nas reuniões do partido, você ficar nos debates: “Não, porque devia fazer assim, porque devia fazer assim, porque a telha não é assim...”. É preciso ter “simancol”.
Eu não esqueço nunca quando eu estava em Davos, dia 25 de janeiro de 2003, e estava conversando com o Bill Clinton, e eu perguntei para o Bill Clinton se o Bush iria, ou não, fazer a Guerra do Iraque. O Bill Clinton falou: “Presidente, olha, lá nos Estados Unidos, a gente, culturalmente, não dá palpite em quem está governando”. Eu achei aquilo uma coisa importante, achei aquilo uma coisa importante, porque todas as brigas que aconteceram no Brasil é porque quem saiu queria continuar mandando.
Jornalista: Agora, que conselho o senhor daria para todos os governantes que estão chegando agora, para não cometer erros que ou o senhor cometeu ou viu outros governantes que entraram com o senhor cometer? Que ensinamentos o senhor poderia dar para todos, suprapartidário? “Não vamos errar isso aqui, não vamos cometer erro velho”. Tem algo que dá para dizer?
Presidente: Eu acho que a gente aprende o seguinte: se conselho fosse bom, estava na Bolsa de Valores, às vezes a gente vendia.
Obviamente que tem algumas coisas básicas. Você precisa definir as tuas prioridades. Vocês estão lembrados que eu tinha muito medo, e eu nunca neguei, nunca neguei que eu tinha medo do segundo mandato, e tive muitas dúvidas se eu devesse ser candidato à reeleição, porque eu tinha medo. E o meu medo era baseado no que aconteceu com o Fernando Henrique Cardoso.
Quando eu digo para vocês que eu acredito em Deus é porque... Mais ou menos em outubro e setembro me veio a ideia de fazer o programa com os quatro anos finais, e aí surgiu o PAC, e, quando nós fizemos o programa, ele estava tão bom que a gente queria lançá-lo ainda para a eleição, e um companheiro nosso falou: “Olha, vocês não vão precisar disso para ganhar as eleições e, se lançar agora, queima uma proposta boa. Deixa para lançar depois”. Por isso é que nós lançamos dia 27 de janeiro de 2007. E foi o PAC que deu substância ao governo. Nós fizemos um PAC da Ciência e Tecnologia que nós colocamos R$ 41 bilhões e vamos chegar agora com... a comunidade científica, unanimemente, construiu o programa, unanimemente fiscalizou o programa, e nós nunca fizemos tanto em Ciência e Tecnologia.
Então, o PAC foi uma coisa extraordinária. Por isso é que eu fiz o PAC 2, para 2011 e 2015. Por que eu fiz? Por que eu não deixei para a candidata fazer ou para quem tomasse... ganhasse as eleições? É porque o cara perderia um ano, o cara perderia um ano. A maioria das prefeituras não tem projeto, a maioria dos governos de estado não tem projeto. Então, o que nós vamos deixar para eles, na verdade, é o seguinte: é dinheiro no orçamento, previsibilidade e projeto. Então, quem entrar não vai ter que pegar a bomba para ficar enchendo a bola; já pode começar o jogo.
Então, por isso que nós fizemos o PAC 2, para facilitar a vida de quem vier depois de nós, e nós fizemos... Poderia ser o Plínio, poderia ser a Marina, poderia ser o Serra, poderia ser a Dilma... Até o Pimenta poderia ser, ou até o José Maria, ou até o Ivan Pinheiro. O Ivan foi um grande dirigente sindical, junto comigo, nos anos [19]80.
Jornalista: O Lula que deixa a Presidência é mais cético, entusiasmado, bem-humorado, irritado do que o Lula de 2002?
Presidente: Muito mais, muito mais bem-humorado. Hoje eu acredito em coisas que eu não acreditava, eu sou um homem... Eu só tenho motivo para ter alegria. Eu, todo santo dia, agradeço a Deus pela generosidade que Ele teve comigo, porque eu pude provar coisas que pareciam ser impossíveis de serem provadas em um mandato.
Eu pude conhecer outros governantes que a gente vendo daqui... Porque nós, brasileiros, sempre nos víamos como inferiores, era quase natural, da herança colonial que nós recebemos, que tudo o que acontecesse nos States era melhor do que nós, tudo que acontecesse na França era melhor do que nós, tudo que acontecesse na Alemanha. De repente, a gente começa a conviver com esses dirigentes, começa a conviver com os problemas, e a gente percebe que, na política, nós somos mais nós, que você tem questões importantes para serem feitas em cada país, a soberania de cada país, o respeito de cada país e que a gente não pode abdicar disso.
Então, eu sou uma pessoa, hoje, muito, muito, muito, muito feliz, muito... Sairei da Presidência pela porta da frente, com a consciência tranquila de que eu fiz muito, mas, ao mesmo tempo, com a consciência tranquila de que esse muito que nós fizemos apenas descobriu que nós temos muito mais para fazer, que é a coisa extraordinária da democracia. Ou seja, quanto mais a sociedade conquista, mais ela quer; quanto mais conquista, mais ela quer. É quase uma criança na fase de pré-adolescente, pode pôr quantos pratos quiser que ele tritura e não tem azia, não tem dor de estômago, não tem nada.
Então, a sociedade, ela está ávida por conquista, muito, mas muito, muito, muito, muito. Então, ela aprendeu a conquistar. Eu acho que isso é muito bom para o Brasil e todo mundo vai aprender.
Jornalista: Quais são as principais conquistas que o senhor acha que devem vir agora?
Presidente: Olhe, veja, nós precisamos consolidar algumas coisas importantes. Veja o seguinte: vai ser muito ruim para a elite intelectual, que governou antes de mim, ter que ler nos jornais que é um presidente que não tem diploma universitário o presidente que mais fez universidade no país, que, em oito anos, nós fizemos uma vez e meia a quantidade de escolas técnicas que eles fizeram em um século.
Então, qual é o meu orgulho? É que quem vier vai ter que fazer mais. Eu trabalhei em linha de produção, e, na linha de produção, às vezes, dois companheiros, parceiros, um de noite e um de dia, faz a mesma peça, e, quando você chega para trabalhar de noite, você fica doido para contar as peças do teu parceiro que trabalhou de dia, que é o adversário, porque você não pode produzir menos do que ele. Então, a primeira coisa que você começa a fazer é ir lá, onde estão as peças, contar quantas peças fez... “Ah, ele fez 18; então, vou ter que fazer 19”. Essa é a coisa boa do capitalismo, é que ele impulsiona a competitividade entre os seres humanos, que não se dão conta que cada dia vão produzindo um pouco a mais e o salário continua o mesmo.
Então, essa coisa, essa coisa, para mim, é extraordinária: a sociedade pressionar para que quem vier depois de mim... tem que fazer mais, porque tem que fazer mais, porque nós já aprendemos a fazer mais, está provado que é possível, e aí, se todo mundo fizer um pouco mais, o Brasil vai, no século XXI, tirar todo o atraso que ele teve no século XIX e no século XX. Veja, se a gente tiver mais um presidente que faça mais 14 universidades, outro fizer mais 14, outro fizer mais 200 escolas técnicas, outro fizer mais 1,6 mil creches, aí, daqui a dez, 15 anos, nós vamos ter um país, do ponto de vista da Educação, comparado a um país de primeiro mundo.
Jornalista: Educação é o maior (incompreensível).
Presidente: Esses dias...
Jornalista: Eu acho que a palavra de ordem agora, próxima, é educação.
Presidente: Deixa eu te contar um dado, deixa eu contar um dado. Nós fizemos um estudo aqui, no governo, ainda... O estudo foi-me apresentado pelo coronel Oliva, quando ele estava na Secretaria de Planejamento Estratégico, e tinha uma coisa no estudo que era engraçada, que era o seguinte: qual era a maior reivindicação do povo brasileiro? Educação. Cem por cento do povo queria educação de qualidade. Aí, quando você perguntava se o Brasil poderia oferecer, 70% não acreditavam. Então, veja a diferença do querer e, ao mesmo tempo, de saber que não era possível. Então, esse é o desafio: a gente continuar investindo na Educação e melhorar a qualidade. Eu vou dar um dado para vocês verem o seguinte: pega o estado de São Paulo, que é o estado mais poderoso da República; todo o sistema de ensino público estadual em São Paulo tem 96 mil alunos, pegando USP, Unicamp, Unesp, tudo junto...
Jornalista: Universidades?
Presidente: Das universidades estaduais. Tudo junto, tem 96 mil alunos, isso no estado mais poderoso da República. Só o ProUni, em São Paulo, este ano, tem 145 mil alunos. Só o ProUni. Nós tínhamos, em São Paulo, duas universidades federais; nós tínhamos a de Medicina e tínhamos a de São Carlos. Nós fizemos...
Jornalista: Qual a primeira que você falou?
Jornalista: Medicina, a Paulista de Medicina.
Presidente: A Paulista de Medicina e, depois, a Universidade Federal de São Carlos. Depois nós fizemos em Santos, Diadema, Santo Amaro, Santo André, Osasco, Guarulhos e Sorocaba. Já compramos um terreno para fazer em Mauá, porque São Paulo não tinha quase ensino federal, as universidades federais eram tudo nas capitais. Nós já levamos 118 campi avançados para o interior do país, para que a gente aposte que é o século do conhecimento e que o Brasil não precisa ficar exportando só minério de ferro; tem que exportar também conhecimento, inteligência. E eu acho que, nos próximos dez ou 15 anos, o Brasil atingirá, eu só peço a Deus de estar vivo para ver isso acontecer.
Jornalista: O senhor sabe, como ninguém, falar a língua do povo. Acho que o senhor já até falou sobre isso. E as pessoas reconhecem isso. O que é falar a língua do povo?
Presidente: Aí você me pegou. Olhe, a primeira coisa que você tem que ter na sua relação com o povo é ser muito verdadeiro com o povo. Normalmente, a classe política, ela adora ir para o meio do povo quando ela está bem na pesquisa, e ela tem muito medo do povo quando ela está mal na pesquisa. Quando você é candidato, você adora andar em carro aberto, dando a mão para todo mundo; quando você se elege, você é doido para andar em um carro blindado, sem ninguém te ver.
Eu estabeleci uma relação com o povo que era a única que eu sabia fazer e a única que é melhor. Quando eu deixar a Presidência da República, eu quero ser tratado, eu quero ser chamado de “companheiro Lula”, pelos que me chamavam de “companheiro Lula” antes de eu ser presidente da República. Essa, para mim, é a maior conquista que eu vou ter na minha vida. E eu tenho a convicção de que eu vou ser tratado com carinho na porta da Volkswagen, como eu era tratado na greve de [19]80. Eu tenho a convicção de que eu vou ser tratado no Congresso da Contag como eu era tratado quando eu era oposição.
Então, conversar com o povo é ser sincero, é você ter coragem de dizer não, quando precisa dizer não; dizer sim, quando precisa dizer sim; fazer um esforço necessário para atender às pessoas; se não puder atender, dizer que não; estabelecer uma relação leal, uma relação de parceria, que ele se sinta... A coisa que me dá mais prazer, a coisa que me dá mais prazer é que o grande legado que eu vou deixar neste país é que, pela primeira vez - não sei se no Brasil, mas em vários países do mundo -, os trabalhadores, eles sentem que têm um igual a eles no poder. Eles não fazem distinção. Aliás, nem me chamam de Presidente, nem me chamam de Excelência. Vou para São Bernardo, me chamam de ‘baiano’, me chamam de ‘taturana’, me chamam de Lula. Depois de tanto esforço para ser Presidente, ser chamado de Excelência. E eu acho isso maravilhoso, eu acho... Eles se sentem, eles se sentem o próprio, eles se sentem “o cara”. É isso que eu acho que é legal. Então, eu acho que isso é conversar com o povo.
Jornalista: Presidente Lula...
Presidente: Não ter medo, nunca, do povo. Porque o que nós temos que compreender, gente? Mesmo quando você encontra um pessoal nervoso, reivindicando, aquilo faz parte do povo brasileiro. O que nós, políticos, precisamos ter noção é que Deus, quando colocou a gente com duas orelhas, é para a gente ouvir mais do que falar. E, para mim, o aplauso tem a mesma importância da vaia. O cara vaia porque não gosta; o cara aplaude porque gosta. De vez em quando, eu acho uma loucura um político ficar brigando com quem está vaiando. O cara dedica o discurso dele a quem está vaiando, a brigar com quem está vaiando; a vaia só aumenta. Você tem que falar o que você tem que falar, acreditando que você vai convencer as pessoas.
Eu nasci assim, aprendi a fazer sindicalismo assim, construí o PT assim, exerço a Presidência assim e quero morrer assim, sendo o mais verdadeiro possível na minha relação humana.
Eu gosto de pegar no braço das pessoas. Tem gente que acha que eu quebro muito protocolo. Eu, às vezes, já cheguei a dar tapinha na cabeça de pessoal que caiu a peruca, já... “Presidente, não faça mais isso”. Paciência, eu vou lá, pego e levanto. Mas eu vou ser assim o resto da vida.
Jornalista: Presidente, tem muito adversário do senhor que classifica essa sua relação como uma relação muito populista. Qual é a diferença entre o que o senhor faz e o que um populista faz?
Presidente: Primeiro, um populista não tem uma relação como eu tenho com o povo. O populismo, o populismo é uma coisa... É um ato de fazer política de propostas de cima para baixo, sem nenhuma relação orgânica como eu tenho com a sociedade. Sinceramente, eu acho que a pessoa que fala isso não conhece nem de populismo e nem de popular. A pessoa sabe... A pessoa precisa saber o que é uma coisa populista. Populista é uma coisa fictícia. O populismo é quase uma mentira. Você fica... Você faz uma pesquisa e fica inventando proposta de cima para baixo. “Pobrezinho”. Eu não faço isso. A minha relação é direta, é direta.
Eu não tenho nenhum problema de almoçar na casa de um companheiro meu, que mora em uma favela, e, de noite, comer com o empresário mais rico deste país. Não tenho nenhum problema de fazer um discurso na porta da Volkswagen e, à noite, repetir esse discurso na reunião da Febraban, nenhum. E fazer o mesmo discurso. Como não tive nenhum problema de fazer um discurso no Fórum Social, em Porto Alegre, e ir para Davos e fazer o mesmo discurso. Não tenho nenhum problema, eu sou sincero com os dois lados.
Jornalista: A sua relação com os empresários foi mais fácil ou mais difícil do que o senhor imaginava?
Presidente: Eu acho que ela foi bem mais fácil do que eu imaginava, porque tinham muitos empresários que tinham medo, tinham dúvidas e era normal que tivessem dúvida, o que falavam de mim, o que falavam do PT, o medo do sindicalista, o medo da República sindical, falava-se um monte... São coisas... Porque em um país que tem liberdade, cada um fala o que quer e na hora que quer. E nós construímos... Primeiro, nós fizemos um fórum, o Fórum do Desenvolvimento Social, trazendo empresários trabalhadores, ou seja, que o fórum hoje está consagrado como um fórum que contribuiu muito com as políticas públicas que nós colocamos em prática. Os empresários nunca ganharam tanto dinheiro como ganham no meu governo, nunca ganharam tanto dinheiro. Ou seja, se você pegar o histórico dessas empresas todas, você vai perceber que as empresas, sobretudo a construção civil, ou seja, esse setor, desde o final do governo Geisel estava praticamente sem obras públicas neste país. Difícil você lembrar uma grande obra pública feita no país nos últimos 25 anos. Ou seja, eles, hoje, estão ganhando dinheiro como nunca, porque tem obras como nunca, porque hoje está faltando pedreiro, está faltando maquinista, está faltando uma série de coisas, e é uma coisa importante. Está faltando, nós precisamos formar mais.
E, hoje, eu posso dizer para você que pode ter ainda empresário que desconfie, que não goste, porque aí é uma questão ideológica, às vezes pode ser uma questão de pele. Mas do ponto de vista das políticas feitas pelo governo, sinceramente, eu acho que os empresários nunca tiveram... Eu falo isso, eu sei que muita gente pode virar o nariz, mas os cientistas políticos vão ter que explicar por que é exatamente um operário metalúrgico que chega à Presidência e que mantém uma relação com os empresários que nenhum outro Presidente teve, mesmo quando era empresário. Eu ouço isso todo dia dos empresários. Quando teve a crise econômica, não foi apenas a sabedoria do ministro Guido Mantega, a sabedoria do Meirelles, a sabedoria do Lula. Não, nós criamos um comitê de crise em que os empresários participavam conosco para decidir as coisas que a gente ia fazer. Onde que eles participavam? Nada, nunca, nunca, nunca, nunca. As pessoas, quando chegavam aqui neste gabinete, empinavam o nariz, se achavam importantes, os ministros se achavam donos da verdade absoluta, ninguém ouvia ninguém, ninguém conversava com ninguém, e o país ia... Com muita humildade, a gente conversa com muita gente.
Então, eu, hoje, posso dizer para vocês que ainda tem gente que não gosta do PT, que não gosta de mim. Jesus Cristo estava em uma mesa com 12 caras, um foi logo lá e traiu-o, porra, por que em um país de 190 milhões de habitantes... Mas de qualquer forma - Tiradentes também. Agora, eu acho que eles sabem que nós fizemos muito, muito, muito, muito, muito. Acho que... E não fizemos a Reforma Tributária porque eles não quiseram, mas o governo fez a sua parte, o governo fez a sua parte.
A última medida, a última proposta que nós mandamos para o Congresso Nacional tinha anuência de todos os governadores, tinha anuência de todos os líderes, tinha anuência de todas as federações de empresários, tinha anuência de todo o Movimento Sindical.
Chegou lá, o inimigo oculto da Reforma Tributária não deixou ela andar para frente. Por quê? Porque cada um tem uma reforma na cabeça. Publicamente o cara fala uma coisa, mas na prática, quando chega lá na hora de votar, cada um está vendo um interesse corporativo. É o cara da fábrica de carro, é o cara da fábrica de suco de laranja, é o cara da fábrica de papel, é o cara da fábrica de biscoito, ou seja, cada um quer o seu lado e aí não dá para ficar junto, sobretudo os governadores que não querem perder, não querem perder. Porque se você propõe reduzir alíquota de ICMS de 27 alíquotas para uma, ou para duas, ou para três, ou seja, os governadores não querem perder o filé mignon de fazer tributo. Você tem estado que cobra 32% de ICMS no gás de cozinha. Os estados não querem a Reforma Tributária porque eles utilizam a política deles, hoje, sobretudo do ICMS, para fazer os seus ajustes tributários.
Jornalista: E a sua relação com o Congresso, Presidente, foi mais fácil ou mais difícil do que o senhor imaginava?
Presidente: Eu acho que foi normal. Veja, em um regime democrático em que os poderes são autônomos, ou seja, você tem... Vamos ser francos: nós, nesse tempo todo, nós só perdemos uma votação que, em minha opinião, prejudicou o Brasil, que foi a CPMF. Foi uma votação muito mais por ódio, muito mais da perspectiva de me prejudicar e quem foi prejudicado foi o povo pobre deste país.
Mas (incompreensível) aprovamos tudo o que nós queríamos aprovar. Obviamente que, muitas vezes, a gente manda uma coisa para o Congresso, manda um pônei e sai de lá um camelo. E, muitas vezes, você manda um camelo e sai um pônei. Tem hora que o Congresso ajusta para melhor as coisas nossas. Então, eu acho que foi uma relação boa. Eu sou agradecido. Sou agradecido.
O Ulysses Guimarães, vocês conviveram pouco com o Ulysses, muito jovem ainda no início da profissão (incompreensível), mas Ulysses dizia: "Cada vez que o pessoal quer muita renovação no Congresso, o que vem é pior do que o que estava". E eu sempre tenho medo, porque as pessoas começam a achar que o Congresso não é sério e vem para aí, e é verdade que tem gente que não é séria, mas tem muita gente séria no Congresso.
Jornalista: Não tem 480... Quatrocentos picaretas?
Presidente: Trezentos.
Jornalista: Agora, se a Dilma for eleita, ela vai encontrar uma realidade que o senhor não encontrou. Eleição em primeiro turno, PT com 120, 130 deputados, PMDB com 110...
Presidente: Deus te ouça.
Jornalista: É o que está se dizendo. Um Senado favorável, ou seja, ela vai entrar com a faca e o queijo na mão.
Presidente: Eu acho que ela vai entrar em uma situação mais confortável do que eu entrei. Mas ela ajudou a construir isso.
Jornalista: E com um ex-presidente a favor.
Presidente: E ela com a garantia de que eu estarei de prontidão para não permitir que tentem fazer com ela todas as sacanagens que tentaram fazer comigo.
Jornalista: Como é que o senhor acha que vai ajudar quando fala garantia de (incompreensível)?
Presidente: Porque eu sou um homem de rua. Eu sou um homem de rua. Eu sou um homem que o meu forte, na política, não é dentro do gabinete com ar-condicionado recebendo... O meu forte é na rua conversando com as pessoas. É dali que eu extraio a minha energia, é dali que meus adversários ficam preocupados, é dali que algumas pessoas insinuam bobagens, como o Fernando Henrique Cardoso insinuou. Porque eu seria maravilhoso, seria maravilhoso se eu já tivesse esquecido de onde eu vim e para onde eu vou voltar. Seria maravilhoso, para ele, se eu tivesse esquecido quem são meus amigos originários, quem é que vai me chamar de companheiro, essa coisa está no sangue. Eu sei o meu lado, sei da minha obrigação como Presidente, que eu tenho que governar para todos, eu tenho que tratar o mais rico igual eu trato o outro, todo mundo tem direito à cidadania. Agora, eu tenho que governar tentando favorecer os mais pobres. Mas quando eu deixar a Presidência, eu sei para aonde eu vou, sei quem serão os meus companheiros, sei quem vai lembrar de mim, sei quem vai lembrar quando eu fizer aniversário. Então, eu não me iludo, não me iludo. A política, para mim, foi uma lição de vida e eu tenho clareza. Não é por orgulho, não. Isso aqui é apenas um comportamento, é apenas uma linha de comportamento.
Eu vou deixar o meu mandato sem nunca ter precisado almoçar ou jantar com rádio, televisão ou jornal, coisa que era habitual neste país. Tem uma crisezinha, corre o Presidente para almoçar com o dono da televisão. Tem uma crisezinha, corre o presidente para almoçar com donos de jornais. Desse mal eu não morrerei. E não faço isso por orgulho, não, eu faço isso por respeito ao cargo de Presidente. Recebo todos aqui, já conversei com todos aqui, mas tenho uma linha de comportamento que eu acho que um presidente da República tem que ser respeitado.
Jornalista: O senhor falou da sua relação com os empresários, com o Congresso. E a sua relação com a imprensa foi mais fácil ou mais difícil do que o senhor imaginava?
Presidente: Olha, eu, sinceramente, acho que... Eu já disse isso publicamente. Eu duvido, eu duvido que tenha alguém da imprensa no Brasil que possa dizer que houve algum momento de maior liberdade de imprensa do que o que nós estamos vivendo hoje. Neste país, todos vocês, jornalistas, sabem que vocês podem escrever o que vocês quiserem, publicar o que vocês quiserem, que não haverá a menor interferência do governo.
No meu governo, a gente aprendeu que o juiz é o leitor, é o telespectador e é o ouvinte e, agora, o internauta, esse é o juiz. E a grande imprensa ainda não aprendeu a lição que, hoje, hoje, 68 milhões de brasileiros acessam a internet, onde a informação é mais rápida, mais ágil, e ela não aparece com gosto de pão velho, que é a imprensa tradicional. Aconteceu uma coisa hoje, nove horas da manhã, você vai comprar um jornal e ler amanhã, nove horas da manhã. Não, na internet, é “pão, pão; queijo, queijo”. Falou, está lá, no dia, na hora, todo mundo vendo, acompanhando, com uma vantagem, que eu acho que é importante, é a vantagem que é uma coisa interativa. Ou seja, o cidadão participa do processo, ele participa. Quer dizer, eu não sei onde nós vamos chegar, mas o dado concreto é que eu acho uma revolução, que acho que nenhum de nós tinha noção do que iria acontecer.
Jornalista: O senhor navega na internet, bastante?
Presidente: Muito pouco, mas vou navegar muito. Pode ficar certo de que vou dar palpite na vida de vocês.
Jornalista: Presidente, o senhor falou que não vai permitir que a Dilma sofra as sacanagens que tentaram fazer contra o senhor. Quais foram as sacanagens?
Presidente: Eu até acho que, um dia, quando vocês não tiverem o que fazer, estiverem de férias, vocês peguem, muitas vezes, a forma desrespeitosa com que trataram a instituição Presidência da República, peguem algumas capas de revista, peguem algumas coisas. Isso não... Você, aí, foge, você foge da liberdade de imprensa e entra na banalização da democracia.
E eu nunca reclamei. Nunca reclamei, porque o meu objetivo não era ficar chorando. Eu não sou de chorar, não sou de reclamar. Se eu dependesse de coisas favoráveis, eu não teria sido eleito presidente do Sindicato, não teria sido eleito presidente do PT, não teria sido eleito presidente da República, não teria sido reeleito e não estaria agora com 80% de aprovação. Não é só o Lula, não, é o governo. Porque, muitas vezes, o Presidente é uma figura carismática, ele pode estar bem, mas o governo não está bem. Mas é o governo que está bem de políticas públicas, reconhecidas pela sociedade.
Se dependesse de algumas capas de jornais, eu, nessas alturas do campeonato, teria zero, na pesquisa. Ibope: “Lula, zero”; “Ruim e péssimo, 90”. Seria assim, mas não é. Por quê? Porque o povo tem outros instrumentos de comunicação, outros e muitos. Eu tenho experiência com os meus filhos, em casa. O que eles navegam nessa internet o dia inteiro, o que eles dão de palpite, o que eles divergem, o que eles debatem em política é um negócio que jamais a gente viu neste país. É preciso apenas os donos dos meios de comunicação compreenderem que algo está mudando neste país e atentem para isso. Vocês já existem há dez anos, desde 2000, e vocês, muitas vezes, dão coisas na frente de tudo o que é meio de comunicação. Daqui a pouco a gente tem 100 milhões navegando; daqui a pouco a gente vai ter 120 milhões navegando.
Jornalista: Com o Plano Nacional de Banda Larga.
Presidente: Hein?
Jornalista: Com o Plano Nacional de Banda Larga...
Presidente: Isso é uma coisa... Eu acho um bem para a Humanidade. Nós obviamente que queremos a contribuição de todo mundo no debate que nós vamos fazer sobre o Marco Regulatório de Comunicação. Vocês sabem que não pode ficar do jeito que está, porque nós temos o Marco Regulatório de 1962, quando não tinha TV digital, quando não tinha TV a cabo, quando não tinha internet, quando não tinha nada. Então, nós não podemos continuar com o Marco Regulatório de 62, e queremos fazer discutindo com a sociedade. Não é uma coisa do governo. Nós queremos que a sociedade construa para ela algo que lhe dê segurança, sem censura, porque, de vez em quando, aparece um malandro querendo, em nome da moralidade, censurar a internet, e, pelo menos enquanto eu for Presidente, isso não vai acontecer.
Então, no Marco Regulatório é que a gente pode balizar uma coisa que dê garantia para vocês que trabalham, que dê garantia para o usuário e que dê garantia para a sociedade brasileira. Os velhos padrões da televisão vão ficar cada vez mais cansativos, os velhos padrões do jornal vão ter que se modernizar, as revistas semanais, que vivem um sufoco danado. Porque eu compreendo a dificuldade de fazer uma revista semanal. Antigamente você tinha um jornal que superava ela todo dia, a televisão e o rádio todo dia, mas, agora, você tem a internet, que supera a todo minuto. Quase tudo que você fizer ficou velho. Então, tudo isso é um processo que nós precisamos juntos... Tem muita gente aí que entende muito disso. O que nós queremos é pegar a inteligência brasileira que conhece do assunto, para a gente tentar fazer uma coisa na dimensão do que o Brasil precisa.
Jornalista: Presidente, qual foi o maior desafio da sua administração?
Presidente: Olha, alguns temas, alguns tabus, que... Não sei se você se lembra que, quando nós chegamos aqui, a gente vinha de uma fase em que tudo o que era feito no governo federal era para conter despesa, para poder saldar seu débito comercial, para poder acertar suas contas, para poder cumprir as metas do FMI. Então, o grande desafio foi construir uma reversão disso, ou seja, preparar o Brasil, para que a gente não ficasse apenas pensando como um técnico de futebol, jogando na retranca, “Não vou tomar gol, não vou tomar gol, não vou tomar gol”. Então, nós resolvemos assim: nós temos que mudar, para começar a fazer um ataque aí, marcar um golzinho, ganhar de um a zero, dois a zero. Por isso que nós fizemos o grande esforço fiscal...
Jornalista: Em 2003...
Presidente: Em 2003.
Jornalista: O senhor acha que foi o pior momento...
Presidente: Em 2003, eu troquei... Na verdade, eu arrisquei todo o meu capital político, para tentar fazer aquele ajuste fiscal, para poder nos dar fôlego, para poder chegar aonde nós chegamos. Eu acho que...
Jornalista: O senhor acha que isso aí foi mais importante, ficou como uma marca maior para o senhor do que toda a crise do Mensalão, por exemplo?
Presidente: Não, veja, do ponto de vista do acerto da política do governo. Agora, do ponto de vista da política, política, o período do Mensalão foi o pior possível. Eu quero estar vivo para ver o desfecho de tudo isso. Porque tem coisa um pouco esquisita, que eu não consigo entender. Talvez a minha sabedoria não me permita entender. Mas o acusador do Mensalão, ele foi cassado por falta de prova. O texto da cassação dele, na Câmara dos Deputados, diz que o cidadão fulano de tal vai ser cassado por falta de decoro parlamentar, porque não provou as acusações que fez, e o processo continuou como se nada tivesse acontecido. Ou seja, se criou um clima político no Brasil, eu diria, muito temeroso e muito desconfortável.
Eu, um dia, comecei a meditar e eu disse o seguinte: “Olha, o Getúlio Vargas foi muito forte entre 30 e 45, mas não aguentou quatro anos de democracia e se matou. O João Goulart... O Jânio Quadros, que era representante de um setor atrasado da política brasileira, foi eleito presidente da República e, com seis meses, puxou o carro. O João Goulart foi convidado... (incompreensível) não vou fazer isso, vão ter que me vencer é na rua”.
Jornalista: Agora, Presidente...
Presidente: Então, porque, a partir daí, a partir daí, ou seja, quando você começa...
Jornalista: O senhor está dizendo que tinha um clima político para o impeachment, o senhor achou?
Presidente: Tinha um clima político muito... Ah, vamos ser francos, os setores mais conservadores no Congresso Nacional pensaram em chegar ao impeachment, pensaram. Não chegaram porque não tiveram coragem ou porque acharam que eu ia... que era o meu fim. Eu...
Jornalista: (incompreensível) deixar sangrar...
Presidente: Eu não vou contar o santo, mas vou contar o milagre. Uma vez eu tive uma janta com um pessoal de imprensa. E conversa vai, conversa vem, eu estava muito otimista, estava falando coisa, falando coisa, tal. Quando eu saí, uma das pessoas que estava no jantar falou: “Puxa, o Presidente está bem. Eu achei que o Presidente estava abatido. O Presidente está muito otimista”. E aí um cidadão, influente naquele meio de comunicação: “É fingimento. Ele sabe que ele não vai ser candidato, ele não tem coragem de ser candidato e ele sabe que ele vai ser massacrado se ele for candidato”. Olha, se um cidadão desse ganhar bônus para dar informação para o seu chefe, ele vai levar o jornal à falência. Porque foi um momento de muitas verdades, de muitas mentiras, de muitas insinuações, de muitas... Bom, que tudo isso termina na Justiça. Tudo isso termina na Justiça, que é o bom da democracia, que é o bom da democracia. A gente só dá valor à democracia quando a gente está sendo atacado. Quando a gente está sendo atacado, como é bom ter justiça! Agora, quando é a gente que está no ataque, a gente fala: “Ah, não, isso tem que acabar agora”.
Jornalista: Impunidade.
Presidente: Hein?
Jornalista: Impunidade.
Presidente: Então, você veja uma coisa: todo regime autoritário começa assim. Todo. O regime militar não sabe esperar, não sabe esperar apuração, a justiça. Pego você, Tales e desapareço com você. Está feita a justiça, acabou, ninguém vai saber.
Jornalista: Agora, o senhor disse que tinha um clima para impeachment. A eleição de 2006 deu legitimidade ao senhor, quer dizer, salvou desse clima, dissipou esse clima.
Presidente: O que dissipou, na verdade, é que, quando, em julho ou agosto de 2005, eu dei sinal de que... Veja, eu, a primeira vez que eu disse que ia para a rua foi no lançamento do Plano Safra, que eu fui, não sei se no mês de junho, que eu fui a Garanhuns, em Pernambuco, lançar o Plano Safra. A partir dali, eu reuni a Dilma, o Márcio Thomaz Bastos e disse: “Olhe, vocês vão cuidando das coisas aqui, que eu vou fazer política agora aonde eu sei navegar bem”. Então, trouxe aqui todos os movimentos sociais, me reuni com todos eles, o Movimento Sindical assumiu, os sindicatos criaram um panfleto, um adesivo, “Mexeu com o Lula, mexeu comigo”.
Jornalista: “Deixa o homem trabalhar”.
Presidente: E aí a questão do “Deixa o homem trabalhar”. E aí eles ficaram assustados foi na primeira pesquisa, porque, quando fizeram a primeira pesquisa... Ainda não sei, Franklin, no final de 2005, comecinho de 2006.
Ministro Franklin Martins: Início de 2006 estava com uma pesquisa que já deu recuperação (incompreensível).
Jornalista: Uma Sensus, no começo de fevereiro, mas, antes, teve uma que o Garotinho fez com o Ibope e que estava... Um pouquinho antes, em 20 de janeiro, mais ou menos. Só foi divulgada, também, mais para o final.
Presidente: Então, eles ficaram assustados com o poder de recuperação, ficaram assustados com o poder de recuperação, mas somente eles é que poderão falar também, porque não sei o que estava na cabeça deles. Então, eu acho... Não sei se foi você que disse... Eu acho que uma coisa importante que vai acontecer com a Dilma, se ela ganhar as eleições, é que ela vai ter um Senado mais arejado. Não tem importância que a pessoa seja de direita ou seja de esquerda. Não tem importância. O nosso problema não é lidar com a esquerda ou com a direita; o nosso problema é lidar com gente qualificada, gente que faça um debate político, e que depois possa votar contra ou a favor. O que não pode é o processo de desqualificação que aconteceu no Senado, onde valia tudo.
Então, eu acho que ela vai ter um Senado mais confortável, a Câmara... É sempre muito bom trabalhar com a Câmara, porque é muita gente. Eu vou me dedicar um pouco a primeiro convencer o PT e, depois, convencer outros partidos a fazerem a reforma política. Eu sempre estive convencido de que não era uma coisa do presidente da República fazer; é uma coisa dos partidos fazerem. Uma reforma política que possa dar legitimidade aos partidos. Porque, veja, se um de vocês for eleito presidente da República, um dia, quando vocês sentarem para discutir uma coalizão, você vai sentar com os presidentes de partido e vai estabelecer a coalizão. O que não pode é, hoje, na medida em que os partidos não têm uma referência na sua direção, nos seus líderes, e vai se criando grupo de deputados, grupo de senadores, grupo... Então, você não tem com quem negociar. Você não tem com quem negociar. Como eu passei a minha vida inteira aprendendo a fazer negociação... Se você tiver interlocutor sério, você pactua e está resolvido o problema. A gente não tem que ter medo de dizer: “Não, eu fiz uma aliança com o partido dos companheiros do iG, e eles vão ter... o partido deles vai ter o Ministério tal”. Não tem que ter vergonha de dizer. Tem que dizer o seguinte: “É uma coalizão, e esse partido tem tantos deputados e ele tem direito a ter uma vaga”. De repente, se vende para a sociedade a ideia de que isso é promiscuidade, e, quando você não faz isso, que você tenta colocar só gente tua, dizem: “Ah, porque é só o PT que está no...”. É humanamente impossível, seja o PT, o PFL, o PSDB, o PMDB, ganhar as eleições e encher de gente deles aqui dentro. É humanamente impossível. Você pode dormir tranquilo, vai ter um ou outro cargo comissionado em algum outro ministério, mas a essência da máquina está preservada.
Jornalista: Presidente, duas perguntas com o senhor, para terminar. O senhor deixa o governo daqui a três meses. Do que o senhor vai sentir mais saudade desse tempo de presidente?
Presidente: Olha, eu não sei...
Jornalista: E do que o senhor... não vê a hora...
Jornalista: Não vê a hora de se livrar...
Jornalista: Deixa ele responder primeiro essa. Do que o senhor vai sentir mais saudades?
Presidente: Você sabe que eu tento me preparar psicologicamente para isso. Não é fácil, não é fácil ter a vida que eu tenho e, no dia 02 de janeiro do ano que vem, eu levantar no meu apartamento, não tenho mais os meus filhos, porque todos moram fora, eu e Marisa, não tenho o Cezar para eu chamar, para xingar ele, por causa da agenda, não tenho o Gilberto Carvalho para eu xingar por alguma coisa, não tenho esses meninos para me dar o briefing de manhã aqui, o que a imprensa está falando, o que você tem que falar amanhã, como é que a imprensa está se comportando. Eu olhar para a cara da Marisa, ela olhar para a minha cara e falar... Eu estou me preparando para isso.
Jornalista: E o avião? Não vai ter mais o avião?
Presidente: Mas eu também quero ficar um tempo sem viajar. Eu...
Jornalista: Não, mas eu digo, do que o senhor vai sentir mais saudade: de uma agitação, de uma coisa assim, ou é de uma coisa... O Fernando Henrique, por exemplo, tinha falado que ele ia sentir saudade da piscina do Alvorada.
Presidente: Não, ele disse que sentia saudade da piscina e do helicóptero. Eu não vou sentir saudade de nenhum dos dois.
Jornalista: Não vai?
Presidente: Não vou.
Jornalista: O senhor vai sentir saudade dessa agitação?
Presidente: Eu acho que eu vou sentir saudade é da agitação do cargo. Eu lembro que, quando eu fui preso e eu voltei para o Sindicato, eu estava cassado, eu levantava de manhã e ficava que nem uma barata tonta, sem ter o que fazer. Eu não tinha para onde ir. O Felipe González disse uma coisa que é uma coisa verdadeira: ex-presidente é que nem um vaso chinês; quando você está no palácio, você tem um monte de lugar para colocar o vaso chinês, mas, quando você sai, você vai para o seu apartamentozinho, não tem onde colocar vaso chinês. O que você faz com um vaso chinês? Um ex-presidente é sempre um vaso chinês. O que ele precisa tomar cuidado é para não atrapalhar os outros, ou seja, tem que deixar espaço para os outros morarem.
Então, eu quero apenas... É por isso que eu não quero tomar nenhuma decisão precipitada, porque eu quero, primeiro, ver onde é que vai doer, para poder, quando eu tomar uma decisão do que eu quero fazer, eu estar mais ou menos maduro, consciente, não ficar... Eu tenho vontade - eu já disse publicamente – eu tenho vontade de fazer com que as experiências bem sucedidas no Brasil sejam aplicadas em outros países, sobretudo na África, na América Central. Eu tenho um certo inconformismo com a situação de alguns países, ou seja, às vezes, o mandato é muito pequeno, de quatro anos, cinco anos, e, hoje... No caso do Brasil, por exemplo, com mandato de quatro anos, nenhum presidente da República consegue fazer uma obra estruturante. Entre você pensar em fazer a obra, contratar um projeto básico, fazer o projeto executivo, conseguir licença prévia, conseguir licença de instalação da obra, depois fazer a licitação, depois ter o problema das disputas entre as empresas que perdem a licitação, no Poder Judiciário, depois tem o Tribunal de Contas, depois tem o Ministério Público. Entre você vencer todas essas barreiras, acabou o teu mandato. Acabou o teu mandato.
Eu posso dar um exemplo para vocês agora. Aliás, vocês estão convidados a irem comigo visitar a Norte-Sul esta semana. A Norte-Sul tem um dado que estava com uma empresa, tem um trecho - seria muito importante, viu, Cezar, dizer? É uma obra - vocês vão ficar impressionados com o que está acontecendo lá. Nós vamos fazer, nós vamos chegar a quase 1.500 quilômetros da Ferrovia Norte-Sul pronta, e eu vou lá inaugurar um trecho e vou dar ordem de serviço para a gente levar ela até Estrela d’Oeste, em São Paulo; mais 970 quilômetros. Então, deixa eu falar uma coisa para vocês: tem um trecho dessa obra em que o Tribunal de Contas pediu para a (incompreensível) segurar 10% do pagamento porque tinha suspeita de irregularidade. Então, essa obra ficou parada um ano até que a Justiça decidisse. Aí a Justiça decidiu favorável a empresa continuar a obra. Agora, a pergunta é a seguinte: quem paga o prejuízo do país dessa obra ficar parada um ano?
Jornalista: Presidente, pergunta obrigatória: Erenice. Não vou nem perguntar, o senhor fala...
Presidente: Deixa eu falar uma coisa para vocês: no governo, cada presidente, ou cada ministro no seu setor tem uma linha de comportamento. Eu tenho uma linha de comportamento. Veja, eu vou me reunir hoje com a Erenice, vou ter uma discussão com ela e, em função do resultado da discussão que eu tiver com ela, eu vou tomar uma decisão. Nesses casos, eu sempre tenho muita cautela em fazer um processo de depuração entre o que é ilação, o que é verdade, porque, às vezes, você pega manchete de um jornal e você fica altamente impressionado. A minha secretária colocou aqui para eu conversar com vocês temas prováveis. Vocês não me fizeram uma pergunta dos temas prováveis que ela colocou aqui. Muitas vezes, a manchete do jornal é isso: está lá uma manchete estarrecedora, aí, quando você vai ler, tem 50 insinuações e nenhuma afirmação concreta.
Então, eu levo muito isso em conta, é por isso que eu sempre prezo para pedir uma investigação da Polícia Federal, a ninguém. Só existe uma hipótese nesse meu governo de ninguém ser investigado: é não cometer erro. Como eu não sou juiz e não posso julgar, eu não sou investigador, eu não posso investigar, eu sou obrigado a conversar com as pessoas e acreditar naquilo que as pessoas me falam. Se eu entender que a pessoa não tem sustentação para aquilo, nós já pedimos a investigação, a Polícia Federal já está no caso para investigar.
Acho que a Erenice é uma companheira que tem serviços prestados ao meu governo e ao país inestimáveis. Um dia, a história deste país vai contar o que significou a Dilma, a Erenice, (incompreensível) naquele Ministério de Minas e Energia, trabalhando até três, quatro horas da manhã para fazer o Marco Regulatório, e, no dia seguinte, vir aqui para me prestar conta do que tinham trabalhado. Mas, de qualquer forma, quando a gente está na máquina pública, a gente não tem o direito de errar. Se errar, a gente tem que pagar. Então, eu vou conversar com ela, o Franklin, o Nelson, assim que eu tiver a decisão, vocês serão...
Jornalista: Só a última pergunta, deixando o governo daqui a três meses, do que o senhor não vê a hora de se livrar, aquela coisa que o senhor não aguenta mais na Presidência?
Presidente: Tem, tem, tem. O ritual de ser presidente é muito pesado. Ou seja, você tem um ajudante de ordem que diz o que você tem que fazer a cada hora. Você tem um chefe de cerimonial que escolhe a cadeira para você sentar. Você tem a equipe que prepara... É um negócio que você... Tem vez que você se sente sufocado. Tem vez que é tanta gente fazendo as coisas para você, que tem hora que dá vontade de gritar: “Gente, pelo amor de Deus, deixa eu respirar, deixa eu fazer alguma coisa. Deixa eu pensar”.
Jornalista: O senhor sente mais saudade da agitação. E o que o senhor quer se livrar mais é da agitação.
Presidente: Não, o que eu quero me livrar mais é da máquina burocrata que toma conta do presidente.
Jornalista: Mas é incontornável (incompreensível)...
Presidente: Eu não sei. Veja, eu vou terminar o meu mandato, eu nunca fui num restaurante jantar. Eu nunca fui num aniversário, eu nunca fui numa janta, eu nunca fui num casamento, a não ser de um sobrinho meu, num bairro lá em São Bernardo do Campo, sem ninguém saber. Por quê? Porque eu resolvi fazer do meu mandato um sacerdócio, ou seja, isso aqui, eu briguei muito para chegar aqui, então eu tenho que me dedicar de corpo e alma a isso aqui. Noventa e nove por cento do meu tempo, com a dona Marisa é eu sair daqui dez horas da noite e ir lá para casa, é passar sábado e domingo sozinho, eu não convido nenhum ministro, porque são muitos, se eu convidar um o outro vai ficar com ciúme, então eu não convido ninguém. Mas eu vou gostar de me livrar do sufoco, do Cezar Alvarez que todo dia diz o que eu tenho que fazer, “9 horas isso, 10 horas isso, 11 horas isso. Não tem um minuto que eu falo: “Meu, deixa esse minuto para mim, pelo amor de Deus.” As pessoas não se lembram de que você tem que ir ao banheiro, não se lembram. Se vocês fizerem uma agenda comigo, vocês vão perceber que não é fácil.
Jornalista: Teve um presidente que disse: “Me esqueça”. Teve outro que disse: “Não me deixem só.” O que o senhor diria? Qual a sua despedida?
Presidente: Eu quero ser lembrado pelas coisas boas que eu fiz e quero ser lembrado pelas coisas que eu não fiz. Eu quero... Eu vou continuar sendo um político, eu vou continuar andando pelo Brasil. Eu quero entrar num bar e tomar uma cerveja com os meus companheiros, e lá pode ter um cara no outro balcão e falar: "Ô meu, você foi presidente e não fez tal coisa". Eu quero ser cobrado também. Então, o que eu quero é voltar a levar uma vida normal, não sei se é possível, mas levar uma vida sem entourage.
Jornalista: Agora, Presidente, para deixar o senhor trabalhar...
Presidente: Eu posso até sentir saudade disso depois, mas, num primeiro momento, vai ser maravilhoso.
Jornalista: Presidente, para a gente deixar o senhor trabalhar...
Presidente: Quero voltar a ter mais facilidade de pescar, eu gosto muito de pescar. Quero voltar - aí vocês vão me ver - quero voltar a ir ver jogo do Corinthians no Pacaembu, de preferência junto da Gaviões ali, torcendo com a camisa Corinthians. Quero voltar a ser um cidadão normal.
Jornalista: Presidente, para deixar o senhor trabalhar, queria fazer um pedido, o último pedido, já que a gente, dificilmente, vai se ver antes do senhor ir embora. A gente queria que o senhor, em 30 segundos, apresentasse o seu gabinete (incompreensível) internauta, ou seja, com a câmera, a gente mostra: “Olha, eu trabalho aqui, está aqui a minha mesa; esta é a cadeira que eu sento”, ninguém nunca fez isso dentro da liturgia, mas a pessoas vão entrar no seu gabinete. Então, a gente colocar esse videozinho no iG, o internauta vai ficar doido, vai dar milhares de acesso, vai falar: “Nossa, inacreditável!” Teve a reforma, teve a mudança. Trinta segundos.
________________: Não faz isso nem com o meu blog, o blog da Presidência aqui...
Presidente: Podemos fazer também. Podemos fazer.
Jornalista: Vamos fazer? É um privilégio e é uma coisa diferente.
FONTE: Blog do Planalto (http://blog.planalto.gov.br/o-meu-forte-e-na-rua-conversando-com-as-pessoas/).
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