Jaime Gajardo
“Em entrevista à ‘Carta Maior’, Jaime Gajardo, presidente do Colégio de Professores do Chile, conta um pouco do que passou nas mãos da ditadura militar de Pinochet e fala sobre os novos movimentos sociais liderados pelos estudantes. "Eles levaram em conta a experiência de depois da ditadura quando ocorreram grandes mobilizações de movimentos sociais, mas todas setoriais e não transversais. Isso é uma visão política espetacular", afirma.
Por Christian Palma, correspondente da “Carta Maior” em Santiago do Chile
É querido e odiado. Mas não perde o bom humor. Este professor, que se converteu em outra das faces visíveis do movimento estudantil chileno, também enfrentou cara a cara a ditadura quando foi preso na Universidade Técnica do Estado logo após o golpe militar. Com 18 anos, foi preso e torturado, junto com outros companheiros de sua geração. Viu quando levavam, para não voltar mais, o grande cantor Víctor Jara, mas Gajardo teve sorte e se salvou da morte. 62 funcionários da atual Universidade de Santiago não puderam contar a história. Foram assassinados por mãos uniformizadas. Em entrevista à “Carta Maior”, ele conta um pouco essa história.
-Onde você estava no dia 11 de setembro de 1973?
Eu tinha 18 anos. Fui às aulas de história e geografia na Universidade Técnica do Estado, hoje conhecida como a Universidade de Santiago. Permaneci lá. No dia seguinte, fomos invadidos, houve tiroteio terrível, que provocaram mortes. Fomos detidos e levados para o Estádio Nacional, o mesmo para onde foi levado o cantor Víctor Jara (a quem os militares quebraram as mãos para que não tocasse mais sua guitarra e logo em seguida crivaram de balas). Ali nos torturaram, não nos deram de comer por uma semana. Depois disso, nos mantiveram presos dois meses no Estádio Nacional.
Este ano, o 11 de setembro significou uma homenagem aos caídos e serviu para lembrar que isso nunca mais deve acontecer no Chile. É uma data simbólica que nos convida a reafirmar nossa convicção e nossa causa. As grandes batalhas travadas por Salvador Allende seguem plenamente vigentes, com outras características, mas perdura a busca pela justiça social, pela democracia real, representativa e participativa, por melhor distribuição da riqueza. Este ano será muito massivo pelo contexto que estamos vivendo.
-Quais foram os efeitos da ditadura na "concertação"?
Eu qualifico como uma das sete pragas. Impulsionou “modernizações”: educação, um novo código do trabalho abusivo, aposentadorias, saúde, reformas tributárias, privatização das empresas do Estado que só trouxe sangue, suor e lágrimas para o povo e riqueza para uns poucos. Essa praga levou a uma educação de elite, a escola deixou de ser um instrumento de igualdade e passou a reproduzir a desigualdade, o que é nefasto para qualquer país.
-Como a ditadura afetou sua geração?
Naquele ano, éramos uma juventude inquieta, utópica, cheia de sonhos, revolucionária, e nos cortaram tudo isso. Fala-se de uma geração perdida porque se produziu uma grande dispersão e um grande temor e muitos foram assassinados. O melhor dessa época foi exterminado. E as pessoas passaram a viver com medo.
-Esses novos dirigentes estudantis são a nova mudança que o Chile precisa?
Sim. Podemos ter essa leitura. É outro tipo de jovens, sem medo, mais irreverentes e que, além disso, surpreenderam todo mundo. Disso nasce outra crítica ao atual modelo de educação. Nos responsabilizam por todos os males do sistema, mas o governo do Chile não tem nem um colégio onde se façam investigações pedagógicas. Não conhecemos o jovem de hoje em dia. Como se pede a um professor que se adapte às novas circunstâncias, que siga o ritmo das mudanças, se não há investigação nem apoio para fazer essa vinculação com os jovens. A ideia que havia era que os jovens estavam despolitizados, egoístas, sem interesse pelo tema social. Pois bem, eles irrompem nas ruas e provam exatamente o contrário. Eles nos convidaram a um debate político.
-Com o vê essa comunhão entre vocês, os professores, e os estudantes?
Desde suas primeiras assembléias, eles concordaram em se vincular com os trabalhadores e os professores do país para abrir seu movimento para o mundo social. Viram que, por mais fortes que fossem, se permanecessem somente nos marcos de seu setor, seria muito mais difícil avançar. Isso foi iniciativa deles. Além disso, levaram em conta a experiência de depois da ditadura quando ocorreram granas mobilizações de movimentos sociais, mas todas setoriais e não transversais. Isso é uma visão política espetacular. E, agora, o governo quer dividir o movimento e isolar os estudantes, mas não vai conseguir.
-Que outro movimento social é comparável ao atual?
Quando o Não ganhou do Sim, no plebiscito que tirou Pinochet do poder. Lembramos desse movimento quando, por exemplo, se reuniram agora 500 mil pessoas no Parque O’Higgins.
-A política está desprestigiada no Chile?
Agora há descontentamento geral com a classe política, inclusive com a “Concertação” que não foi capaz de fazer as mudanças necessárias. De fato, a disputa no movimento estudantil é entre o Partido Comunista e os ultras, porque não há representatividade da centro-esquerda, inclusive no Colégio de Professores.
Neste sentido, Camila Vallejo tem sido a mais carismática. Ela comentou que compartilha ideais do presidente Allende e que o 11 de setembro é uma data chave na história do país. E isso apesar de ter apenas 23 anos. Para nós, Allende tem categoria de herói. Ele se atreveu a implementar as mudanças de fundo, ele disse ‘este é meu programa e se eu fui eleito vou trabalhar para aplicá-lo’. Isso é consequência, teoria e prática. Consequência política que hoje não se vê, provocando muitos questionamentos.
-Como, por exemplo, promessas de campanha de Piñera que disse que este seria o ano da educação superior...
Essa é uma grande diferença. Allende tentou cumprir seu programa, o que significou mudanças profundas, como a nacionalização do cobre, Hoje, o Chile está sentado sobre um poço de ouro que pertence às transnacionais. O que Salvador Allende encarna: progressismo, patriotismo, consequência. Sim, ele é um exemplo para o jovens e deve sê-lo ainda mais para nós. Acho que há um setor de nossa geração que permaneceu no tempo e que pode servir de apoio às novas gerações.”
FONTE: escrito por Christian Palma, correspondente da “Carta Maior” em Santiago do Chile (tradução: Marco Aurélio Weissheimer). Publicado no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18579).
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