quinta-feira, 20 de setembro de 2012

QUEM PAGA AS DESONERAÇÕES FISCAIS?

AS DESONERAÇÕES FISCAIS DE 2013 E O SUPERÁVIT PRIMÁRIO

O artigo é de J. Carlos de Assis

“O Governo anunciou um conjunto de desonerações fiscais para o próximo ano que soma bilhões de reais a serem deduzidos da receita orçamentária. Parece muito bom para a economia, tendo em vista a significativa redução de custos empresariais, desde o custo da eletricidade ao custo da CIDE, até o custo da folha salarial. Fica um problema: como fechar as contas do orçamento do próximo ano, na medida em que essa queda de receita teria de ser compensada por queda equivalente da despesa?

Tome-se, por exemplo, a desoneração da folha salarial. Em mais de meio século, essa foi a fonte principal dos recursos para a Previdência Social. O Governo decidiu, inicialmente, eliminar essa fonte de receita previdenciária substituindo-a por uma contribuição de 1% a 2% sobre o faturamento. Em princípio, substituir a folha pelo faturamento como base da receita previdenciária favorece justificadamente as empresas trabalho-intensivas em comparação com as capital-intensivas.

Acontece que o “faturamento” é a base de cálculo da COFINS, e a Constituição veda explicitamente usar a mesma base de cálculo para dois tributos. Talvez por isso o Congresso tenha mudado a base para “receita bruta”. Uma alternativa seria se o Governo simplesmente aumentasse as alíquotas da COFINS em 1 ou 2 pontos percentuais para obter a mesma receita compensatória da folha.

O problema maior é de natureza macroeconômica, refletindo-se na economia política. O Governo tem dois caminhos para acomodar o conjunto de desonerações fiscais, fora a folha: um deles é pelo corte das despesas públicas. O outro é pela redução do superávit primário.

O corte das despesas públicas na Europa obedece ao receituário conservador, que matou as chances de crescimento em países como Grécia, Irlanda, Espanha, Itália, Portugal e Inglaterra. É a ideia neoliberal recorrente do Estado “mínimo”, que está destruindo o Estado de “bem estar social” europeu. No nosso caso, para ter relevância, os cortes teriam que incidir sobre previdência, saúde, educação, Forças Armadas e Justiça, as rubricas que respondem pela parte maior da despesa pública. Seguir esse caminho, em nosso caso, seria suicídio.

Entretanto, se na Europa o corte forçado de despesas públicas parece ser a alternativa conservadora para liquidar com o Estado de bem-estar social, no nosso caso, dado que temos uma confortável situação fiscal, cortar as receitas tributárias pode ser realmente um bom caminho para reduzir significativamente, ou simplesmente eliminar o superávit primário, por sua desnecessidade em momento de estagnação ou contração econômica. Se esse é o objetivo do Governo, é um golpe de mestre: compra com isenção tributária sonante a acomodação dos ortodoxos a uma política fiscal mais expansiva.

Essa opção se justifica, sobretudo, por causa da nossa situação fiscal. A relação dívida/PIB está abaixo de 40%, um dos menores índices do mundo. O déficit fiscal nominal está abaixo de 3%, o índice mágico máximo de Maastricht. Nessa circunstância, forçar um superávit primário muito alto, numa situação de queda do crescimento econômico, é contribuir para a contração da economia ainda mais e para a própria deflação, pois não há pressão inflacionaria pelo lado da demanda.

A grande confusão provocada pelos conservadores e ditos ortodoxos sobre superávit primário vem da mistificação das relações entre orçamento público e a economia como um todo. Eles apresentam o orçamento como estanque, desconectado da economia, e o gasto público como algo que expulsa o gasto privado. Trata-se de uma falácia. Gasto público é receita privada: na medida em que aumenta, estimula o crescimento da economia. Em situação de estagnação ou contração da economia, o gasto público deficitário é virtuoso, pois está mobilizando recursos ociosos do setor privado (poupança financeira) para financiar gastos e investimentos gerais.

Voltando às desonerações, é claro que não se deve esperar o financiamento deficitário delas para sempre: isso pode ser feito, sem risco de inflação, até um determinado nível da relação dívida/PIB, e desde que não haja pressão excessiva da demanda. O que se espera do déficit (ou da redução significativa do superávit primário) a curto prazo é que funcione como um estímulo à economia, ampliando a demanda, o investimento, o emprego e a própria receita tributária. Nesse contexto, a queda ou eliminação das alíquotas prometidas para o próximo ano poderão ser compensadas por receita tributária maior a partir de 2013.”

FONTE: escrito por J. Carlos de Assis, economista e professor de Economia Internacional da UFPA; autor do recém lançado “A Razão de Deus”, pela “Civilização Brasileira”. Artigo publicado no site “Carta Maior”  (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20896) [Imagem obtida no google e adicionada por este blog ‘democracia&política’].

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