Por Mário Augusto Jakobskind
“E de repente, talvez não mais do que de repente, a Líbia voltou às manchetes dos jornais e telejornais. Madame Hillary Clinton, num misto de cinismo e charlatanice, disse estar surpresa com o acontecido em Benghazi, que resultou na morte do embaixador Christopher Stevens e mais três funcionários do consulado estadunidense.
Clinton insiste na tese segundo a qual os EUA “ajudaram a Líbia a se transformar num país democrático”. Tal afirmação não corresponde à realidade.
Depois dos bombardeios da OTAN, que resultaram no estabelecimento de novo governo, a Líbia, na prática, deixou de existir como nação. E isso apesar de o governo pró-ocidental ter estabelecido a bandeira da monarquia como símbolo do país fictício.
O país norte africano, que até bem pouco tempo era considerado o mais adiantado da região, hoje vive em situação de caos, com bandos armados se digladiando entre si. Realizaram uma eleição fajuta e há um número incalculável de presos políticos, sendo a tortura prática rotineira. Hillary Clinton, claro, não deve ignorar tudo isso.
As autoridades líbias, na prática imposta pela “Organização do Tratado do Atlântico Norte” (OTAN), podem ser consideradas no mínimo suspeitas. O chefe do Exército (o certo é mencionar a corporação como “suposta”) é um agente da CIA de nome Hiflter. O presidente do Parlamento, um tal de Al-Magaryef, também não passa de um agente dos Serviços de Inteligência ocidentais, segundo informações de fontes independentes.
Já o primeiro Ministro, Adelrahim AL-Kib é um empregado da “Exxon”, provavelmente licenciado para ocupar o cargo e defender os interesses da empresa a que serve. Ele cumpre também a missão de fazer com que a Líbia influencie na “Organização dos Países Exportadores de Petróleo” (OPEP).
É nesse contexto que navegava Christopher Stevens, o embaixador morto pelos extremistas salafistas, grupo que também recebeu financiamento do emirado de Catar e da Arábia Saudita para reforçar o esquema da derrubada do antigo regime capitaneado por Muammar Khadafi. Não se pode ignorar que os salafistas participam ativamente da oposição contra o atual governo da Síria e recebem a proteção dos serviços de inteligência ocidentais. E como diz o dito popular, quem semeia vento colhe tempestade...
Claro que a ação é condenável, tendo sido Cuba o primeiro país a se posicionar nesse sentido. O ato é de interesse da extrema direita estadunidense que quer eleger um candidato. Nos Estados Unidos, segundo informes de agências internacionais, um grupo de 100 sionistas norte-americanos extremistas ajudou a financiar a tal película, divulgada pelo também extremista de direita Pastor Terry James, satanizando o islamismo e que acabou servindo de pretexto para a investida contra o consulado estadunidense em Benghazi e, mais tarde, em outras representações diplomáticas estadunidenses em capitais de países de religião muçulmana.
Apenas serviu de pretexto, pois o ódio aos EUA, por uma série de circunstâncias, é fato histórico.
O hediondo republicano Mitt Romney tentou aproveitar o embalo para angariar votos à sua candidatura, levantando a suspeita de que o acontecimento foi armado pela própria direita extremada. Há quem pergunte como sabiam que o embaixador estava em Benghazi e porque só depois de dois meses o tal documentário provocou toda essa ira?
Teoria da conspiração ou não, o certo é que o candidato republicano é realmente um perigo para o mundo, mas como é pouco dotado, escorregou feio em suas declarações idiotas sobre os acontecimentos.
O diplomata norte-americano morto pelos salafistas não foi um inocente na história que resultou na derrubada do antigo regime líbio e levou à situação atual. Teve culpa no cartório mesmo.
Para entender melhor os atuais acontecimentos da política externa estadunidense, vale recuar no tempo. Na verdade, desde há pelo menos cinco décadas, as embaixadas estadunidenses pelo mundo afora se tornaram instrumento de ajuda prioritária às ações da CIA. O referido serviço de inteligência sempre insistiu que a cobertura das embaixadas é essencial a seu trabalho, porque, inclusive, sem a imunidade de que goza a propriedade diplomática, os códigos, arquivos e comunicações da central de inteligência estadunidense não estariam em segurança.
Houve um tempo em que diplomatas estadunidenses não queriam servir de biombo para a ação dos agentes da CIA. Os atritos tornaram-se tão constantes e agudos que, no fim do longínquo governo de Dwight Eisenhower, em novembro de 1960, o então Presidente dos EUA acabou expedindo uma ordem executiva em que afirmava:
“Os chefes de missões diplomáticas dos Estados Unidos no exterior, como representantes do Presidente e agindo em seu nome, deverão possuir e exercer, na medida em que permitam as leis e de acordo com as instruções que o Presidente venha promulgar, a responsabilidade direta pela coordenação e supervisão das atividades das várias agências que sirvam nos diferentes países”.
A determinação, que segue em vigor até hoje e foi inicialmente reforçada por John Kennedy, teve de ser seguida obrigatoriamente por todos os embaixadores em missão no exterior. E quem não aceitasse a ordem ou mesmo apenas a questionasse verbalmente era exonerado.
Por essas e muitas outras, as embaixadas norte-americanas tornaram-se linha auxiliar da CIA.
Madame Clinton sabe muito melhor do que qualquer um de tudo isso e as representações diplomáticas estadunidenses se intrometeram mais ainda nas últimas décadas em assuntos internos dos mais variados países.
No Brasil mesmo, segundo confirmam documentos do Departamento de Estado [dos EUA] tornados públicos, o golpe de abril de 1964 teve apoio ostensivo do governo dos EUA, tendo a mobilização nesse sentido começado no governo de John Kennedy, em 1962, num encontro com o então embaixador Lincoln Gordon, e continuado posteriormente pelo então Presidente Lyndon Johnson.
Muita grana para eleger congressistas pró-EUA com o objetivo de desestabilizar o governo João Goulart e até envio de navios de guerra nas costas brasileiras em 64 (“Operação Brother Sun”) para respaldar, se fosse necessário, a derrubada do governo constitucional brasileiro, confirmam a participação da CIA no golpe civil militar que levou o país a uma longa noite escura.
Por essas e muitas outras, a surpresa de Madame Clinton não passa de dissimulação com base na mentira e charlatanice.”
FONTE: escrito por Mário Augusto Jakobskind, correspondente no Brasil do semanário uruguaio “Brecha”. Foi colaborador do “Pasquim”, repórter da “Folha de São Paulo” e editor internacional da “Tribuna da Imprensa”. Integra o Conselho Editorial do seminário “Brasil de Fato”. É autor, entre outros livros, de “América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE”. Artigo publicado no site “Direto da Redação” (http://www.diretodaredacao.com/noticia/quem-semeia-vento-colhe-tempestade).
“E de repente, talvez não mais do que de repente, a Líbia voltou às manchetes dos jornais e telejornais. Madame Hillary Clinton, num misto de cinismo e charlatanice, disse estar surpresa com o acontecido em Benghazi, que resultou na morte do embaixador Christopher Stevens e mais três funcionários do consulado estadunidense.
Clinton insiste na tese segundo a qual os EUA “ajudaram a Líbia a se transformar num país democrático”. Tal afirmação não corresponde à realidade.
Depois dos bombardeios da OTAN, que resultaram no estabelecimento de novo governo, a Líbia, na prática, deixou de existir como nação. E isso apesar de o governo pró-ocidental ter estabelecido a bandeira da monarquia como símbolo do país fictício.
O país norte africano, que até bem pouco tempo era considerado o mais adiantado da região, hoje vive em situação de caos, com bandos armados se digladiando entre si. Realizaram uma eleição fajuta e há um número incalculável de presos políticos, sendo a tortura prática rotineira. Hillary Clinton, claro, não deve ignorar tudo isso.
As autoridades líbias, na prática imposta pela “Organização do Tratado do Atlântico Norte” (OTAN), podem ser consideradas no mínimo suspeitas. O chefe do Exército (o certo é mencionar a corporação como “suposta”) é um agente da CIA de nome Hiflter. O presidente do Parlamento, um tal de Al-Magaryef, também não passa de um agente dos Serviços de Inteligência ocidentais, segundo informações de fontes independentes.
Já o primeiro Ministro, Adelrahim AL-Kib é um empregado da “Exxon”, provavelmente licenciado para ocupar o cargo e defender os interesses da empresa a que serve. Ele cumpre também a missão de fazer com que a Líbia influencie na “Organização dos Países Exportadores de Petróleo” (OPEP).
É nesse contexto que navegava Christopher Stevens, o embaixador morto pelos extremistas salafistas, grupo que também recebeu financiamento do emirado de Catar e da Arábia Saudita para reforçar o esquema da derrubada do antigo regime capitaneado por Muammar Khadafi. Não se pode ignorar que os salafistas participam ativamente da oposição contra o atual governo da Síria e recebem a proteção dos serviços de inteligência ocidentais. E como diz o dito popular, quem semeia vento colhe tempestade...
Claro que a ação é condenável, tendo sido Cuba o primeiro país a se posicionar nesse sentido. O ato é de interesse da extrema direita estadunidense que quer eleger um candidato. Nos Estados Unidos, segundo informes de agências internacionais, um grupo de 100 sionistas norte-americanos extremistas ajudou a financiar a tal película, divulgada pelo também extremista de direita Pastor Terry James, satanizando o islamismo e que acabou servindo de pretexto para a investida contra o consulado estadunidense em Benghazi e, mais tarde, em outras representações diplomáticas estadunidenses em capitais de países de religião muçulmana.
Apenas serviu de pretexto, pois o ódio aos EUA, por uma série de circunstâncias, é fato histórico.
O hediondo republicano Mitt Romney tentou aproveitar o embalo para angariar votos à sua candidatura, levantando a suspeita de que o acontecimento foi armado pela própria direita extremada. Há quem pergunte como sabiam que o embaixador estava em Benghazi e porque só depois de dois meses o tal documentário provocou toda essa ira?
Teoria da conspiração ou não, o certo é que o candidato republicano é realmente um perigo para o mundo, mas como é pouco dotado, escorregou feio em suas declarações idiotas sobre os acontecimentos.
O diplomata norte-americano morto pelos salafistas não foi um inocente na história que resultou na derrubada do antigo regime líbio e levou à situação atual. Teve culpa no cartório mesmo.
Para entender melhor os atuais acontecimentos da política externa estadunidense, vale recuar no tempo. Na verdade, desde há pelo menos cinco décadas, as embaixadas estadunidenses pelo mundo afora se tornaram instrumento de ajuda prioritária às ações da CIA. O referido serviço de inteligência sempre insistiu que a cobertura das embaixadas é essencial a seu trabalho, porque, inclusive, sem a imunidade de que goza a propriedade diplomática, os códigos, arquivos e comunicações da central de inteligência estadunidense não estariam em segurança.
Houve um tempo em que diplomatas estadunidenses não queriam servir de biombo para a ação dos agentes da CIA. Os atritos tornaram-se tão constantes e agudos que, no fim do longínquo governo de Dwight Eisenhower, em novembro de 1960, o então Presidente dos EUA acabou expedindo uma ordem executiva em que afirmava:
“Os chefes de missões diplomáticas dos Estados Unidos no exterior, como representantes do Presidente e agindo em seu nome, deverão possuir e exercer, na medida em que permitam as leis e de acordo com as instruções que o Presidente venha promulgar, a responsabilidade direta pela coordenação e supervisão das atividades das várias agências que sirvam nos diferentes países”.
A determinação, que segue em vigor até hoje e foi inicialmente reforçada por John Kennedy, teve de ser seguida obrigatoriamente por todos os embaixadores em missão no exterior. E quem não aceitasse a ordem ou mesmo apenas a questionasse verbalmente era exonerado.
Por essas e muitas outras, as embaixadas norte-americanas tornaram-se linha auxiliar da CIA.
Madame Clinton sabe muito melhor do que qualquer um de tudo isso e as representações diplomáticas estadunidenses se intrometeram mais ainda nas últimas décadas em assuntos internos dos mais variados países.
No Brasil mesmo, segundo confirmam documentos do Departamento de Estado [dos EUA] tornados públicos, o golpe de abril de 1964 teve apoio ostensivo do governo dos EUA, tendo a mobilização nesse sentido começado no governo de John Kennedy, em 1962, num encontro com o então embaixador Lincoln Gordon, e continuado posteriormente pelo então Presidente Lyndon Johnson.
Muita grana para eleger congressistas pró-EUA com o objetivo de desestabilizar o governo João Goulart e até envio de navios de guerra nas costas brasileiras em 64 (“Operação Brother Sun”) para respaldar, se fosse necessário, a derrubada do governo constitucional brasileiro, confirmam a participação da CIA no golpe civil militar que levou o país a uma longa noite escura.
Por essas e muitas outras, a surpresa de Madame Clinton não passa de dissimulação com base na mentira e charlatanice.”
FONTE: escrito por Mário Augusto Jakobskind, correspondente no Brasil do semanário uruguaio “Brecha”. Foi colaborador do “Pasquim”, repórter da “Folha de São Paulo” e editor internacional da “Tribuna da Imprensa”. Integra o Conselho Editorial do seminário “Brasil de Fato”. É autor, entre outros livros, de “América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE”. Artigo publicado no site “Direto da Redação” (http://www.diretodaredacao.com/noticia/quem-semeia-vento-colhe-tempestade).
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