Disputa entre tio-avô e Aécio em Cláudio é “jogo de cena”
Rogério Correia: “Precisou de uma campanha nacional e dos olhos nacionais para que o mineiro passasse a conhecer quem é o senador Aécio Neves”
Por Conceição Lemes
Quanto mais se investiga o aeroporto de Cláudio (MG), mais detritos aparecem.
Em 2008, Aécio Neves, na época governador (PSDB), decidiu asfaltar a pista de pouso de avião da fazenda do seu tio Múcio Tolentino naquele município. Com aval da Justiça, desapropriou a área e estipulou em R$ 1 milhão a indenização a ser paga ao proprietário.
O tio de Aécio não aceitou o montante oferecido pelo Estado e entrou na Justiça. Contratou um perito que calculou a indenização pela área em R$ 20.587.174, 50, valor acatado pela Justiça em primeira instância.
A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2015 prevê para o próximo ano exatamente o pagamento de R$ 20.587.174, 50 em indenização para Tolentino. Essa LDO foi enviada em maio à Assembleia Legislativa pelo governador Alberto Pinto Coelho (PP) e aprovada. O valor consta do anexo que trata dos riscos ficais do Estado; são ações na Justiça que o governo pode perder.
Porém, a advocacia do Estado entrou na Justiça e conseguiu anular a perícia feita pelo tio de Aécio e estabeleceu provisoriamente a indenização em R$ 3,4 milhões. Um perito judicial deve determinar o novo valor.
Nas LDO de 2013 e 2014, de autoria do ex-governador e atual candidato ao senado Antonio Anastasia (PSDB), a previsão era possivelmente pagar R$ 3,4 milhões. Na semana passada, Aécio admitiu por meio de nota que o tio pleiteava receber R$ 9 milhões pela área.
O governo de Minas apresenta os R$ 3,4 milhões como “vitória” do Estado.
O "Minas Sem Censura", bloco parlamentar de oposição ao governo tucano, discorda.
Em sua página no Facebook, num post cujo título é "Querela judicial no caso do aecioporto de Cláudio era jogo combinado?", o bloco observa:
Nunca se ouviu falar da insatisfação sincera do tio Múcio com o sobrinho. Nem uma crítica, nem uma reclamação, nem uma briga familiar. A querela judicial era mero jogo de cena.
Ao final, tio Múcio vai ganhar [um aeroporto "chave na mão" e] “apenas” 3,4 milhões de Reais, pela área do Aecioporto.
E o uso privado, que já completou 31 anos, dessa obra pública vai continuar. Pois, não há demanda na cidade por um aeroporto. Seu uso será somente pelos Neves da Cunha.
É por isso que o senador Aécio Neves, autoritariamente, já encerrou o caso.
Nós conversamos um pouco mais sobre o assunto com o deputado estadual Rogério Correia (PT), vice-líder do bloco "Minas Sem Censura".
Viomundo – Desde 2012, o governo de Minas inclui na LDO a indenização do tio de Aécio por uma parte da sua fazenda em Cláudio. Na LDO de 2015, provisionou R$ 20 milhões. Nas LDO de 2013 e 2014, R$ 3,4 milhões. O que o senhor acha disso?
Rogério Correia — A LDO é a previsão para a lei orçamentária do Estado. No caso do “aecioporto”, não existe nem decisão final da Justiça e o governo de Minas já está prevendo pagar o tio do Aécio.
De cara, isso já demonstra muito boa vontade com o tio do Aécio. E mais. Má fé do governo. Pode ser até um caso de superfaturamento indenizatório, além do já obvio superfaturamento da obra. Afinal, R$ 14 milhões para asfaltamento de uma pista é inexplicável.
Quem fez o cálculo de R$ 20 milhões para um pedaço da fazenda? E o cálculo de R$ 3,4 milhões? O governo de Minas tem de explicar tudo isso.
É um escândalo, um assalto aos cofres públicos. Nem a fazenda inteira do Tolentino custa isso! Eu diria que o provisionamento antes de uma decisão final coloca o governo de Minas no epicentro do escândalo do “aecioporto”. Eu diria que o governo de Minas e o senador Aécio foram pegos com batom na cueca.
Viomundo – Até agora só foi depositado R$ 1 milhão na conta do tio do Aécio, que, por sinal, está bloqueado por conta de uma ação do Ministério Público.
Rogério Correia – O fato não foi consumado ainda, porque está na Justiça. Mas a presteza do governo em tentar resolver logo a situação mostra a sua má intenção em efetivar a indenização com valores exorbitantes. Acho que nós conseguimos frear um calote nos cofres públicos.
O aeroporto de Cláudio foi feito com dinheiro público. Há 31 anos, essa pista de pouso pública está tendo uso privado pelos Neves, o que mostra o espírito coronelista deles.
São muito fortes as evidências de que o senador, quando governador, utilizou do cargo para proveito da sua família e dele próprio. Ele, a família e os políticos ligados a ele utilizam o aeroporto.
Então, Aécio faz daquilo um aeroporto pessoal de descanso e de atividade política. Um aeroporto que foi construído com recursos públicos e que prevê, num ano de eleição, um desembolso de R$ 20 milhões. O que reforça a necessidade de se investigar o caso.
Viomundo — Tem ainda o aeroporto de Montezuma, feito na região onde fica a fazenda do pai de Aécio.
Rogério Correia – O que mostra que o senador é justo, zeloso, quando se trata de sua família. Construiu o aeroporto de Cláudio para a família da mãe e o de Montezuma, para a família do pai. Duas áreas em que os aeroportos eram totalmente desnecessários.
Montezuma é uma cidade de 8 mil habitantes. Lá tem um balneário de águas quentes para recreação. Mas o aeroporto só pode ser usado pela família de Aécio. A fazenda de Montezuma está em nome da irmã, Andréa Neves.
Com esses casos, Aécio repete a locupletação de recursos públicos, como fez na sua rádio pessoal, a "Arco-íris", quando ele foi pego no teste do bafômetro no Rio de Janeiro.
Recursos públicos foram colocados lá pela própria irmã, quando Aécio era governador.
Então, essa utilização de recursos públicos em benefício próprio é a forma de Aécio fazer política, o que reforça o apelido de "Aecinho Malvadeza", que o "Minas Sem Censura" colocou nele há algum tempo. Infelizmente, os ares menos aprazíveis da Bahia continuam soprando em Minas Gerais.
Viomundo – O que o Minas Sem Censura pretende fazer agora?
Rogério Correia – O senador censura a imprensa, domina o Ministério Público… Mas agora isso não pode ficar assim. Investigar é uma necessidade.
Eu sei que a palavra do senador vale pouco, aliás nunca valeu muito, mas recentemente ele andou querendo a CPI da Petrobras no Congresso Nacional. Ele disse que quem não quer CPI, quem não quer investigar, é porque tem culpa no cartório, está de rabo preso…
Vamos ver agora se os deputados da base dele vão assinar a CPI para investigar os aeroportos de Cláudio e Montezuma, inclusive o valor da indenização para o tio.
No dia 1º, nós vamos iniciar a coleta de assinaturas. Vamos pedir aos deputados da base dele que assinem. Sozinhos, nós não conseguimos aprovar uma CPI. O bloco tem 21.
Viomundo – Quantas assinaturas são necessárias?
Rogério Correia – Vinte e seis. A CPI do Mineirão, que é outro problema de corrupção no governo de Aécio, falta apenas uma assinatura. Tivemos agora uma vitória no Tribunal de Justiça que manteve a ação contra ele pelo desvio de recursos da saúde.
O Ministério Público de Minas já abriu um inquérito para apurar o caso. E nesta semana vamos levar ao conhecimento do promotor encarregado essa questão das LDO. Vou enviar esses documentos para o PT nacional, para que encaminhe ao procurador-geral da República.
Enfim, o senador Aécio neves começou a ser conhecido em Minas Gerais agora. Precisou de uma campanha nacional e dos olhos nacionais para que o mineiro passasse a conhecer quem ele é.
Espero que o Brasil rejeite esse tipo de política onde impera a visão de tratar o Estado como capitania hereditária. E prevaleça o espírito democrático e de isenção dos governantes da separação entre o público e o privado."
FONTE: reportagem de Conceição Lemes publicada no portal "Viomundo" (http://www.viomundo.com.br/denuncias/rogerio-correia-4.html).
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