quarta-feira, 23 de julho de 2014

GANÂNCIA POR TERRITÓRIO E ÁGUA: ISRAEL APAGA DO MAPA A PALESTINA




Já pouca Palestina resta. Pouco a pouco, Israel está a apagá-la do mapa 

"Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem sequer respirar sem autorização. Têm perdido a sua pátria, as suas terras, a sua água, a sua liberdade, tudo. Nem sequer têm direito a eleger os seus governantes.

Por Eduardo Galeano

Para justificar-se, o terrorismo de Estado fabrica "terroristas" [isto é, "terroristas" são todos aqueles patriotas, crianças e mulheres inclusive, que resistem com paus e pedras e artesanais minifoguetes, à invasão e ocupação israelense de seus territórios]. Israel semeia ódio e colhe álibis. Tudo indica que essa carnificina de Gaza, que segundo os seus autores quer acabar com os "terroristas", conseguirá multiplicá-los.,

Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem nem sequer respirar sem autorização. Têm perdido a sua pátria, as suas terras, a sua água, a sua liberdade, tudo. Nem sequer têm direito a eleger os seus governantes. Quando votam em quem não devem votar, são castigados. Gaza está sendo "castigada". Converteu-se numa ratoeira sem saída, desde que o Hamas ganhou legitimamente as eleições em 2006. Algo parecido ocorreu em 1932, quando o Partido Comunista triunfou nas eleições de El Salvador.

Banhados em sangue, os habitantes de El Salvador expiaram a sua má conduta e desde então viveram submetidos a ditaduras militares. A democracia é um luxo que nem todos merecem. São filhos da impotência os rockets caseiros que os militantes do Hamas, encurralados em Gaza, disparam com desleixada pontaria sobre as terras que tinham sido palestinas e que a ocupação israelita usurpou. E o desespero, à orla da loucura suicida, é a mãe das ameaças que negam o direito à existência de Israel, gritos sem nenhuma eficácia, enquanto a muito eficaz guerra de extermínio está a negar, desde há muitos anos, o direito à existência da Palestina. Já pouca Palestina resta. Pouco a pouco, Israel está a apagá-la do mapa.

Os colonos invadem, e, depois deles, os soldados vão "corrigindo" a fronteira. As balas sacralizam o despojo, em "legítima defesa". Não há guerra agressiva que não diga ser guerra defensiva. Hitler invadiu a Polônia para evitar que a Polônia invadisse a Alemanha. Bush invadiu o Iraque para evitar que o Iraque invadisse o mundo. Em cada uma das suas guerras defensivas, Israel engoliu outro pedaço da Palestina, e os almoços continuam. O repasto justifica-se pelos títulos de propriedade que "a Bíblia outorgou", pelos dois mil anos de perseguição que o povo judeu sofreu, e pelo pânico que geram os palestinos à espreita. Israel é o país que jamais cumpre as recomendações nem as resoluções das Nações Unidas, que nunca acata as sentenças dos tribunais internacionais, que escarnece das leis internacionais, e é também o único país que tem legalizado a tortura de prisioneiros. Quem lhe presenteou o direito de negar todos os direitos? De onde vem a impunidade com que Israel executa a matança em Gaza? O governo espanhol não pôde bombardear impunemente o País Basco para acabar com a ETA, nem o governo britânico pôde arrasar a Irlanda para liquidar o IRA. Talvez a tragédia do Holocausto implique uma apólice de eterna impunidade? Ou essa luz verde vem da potência 'manda chuva' que tem em Israel o mais incondicional dos seus vassalos? O exército israelita, o mais moderno e sofisticado do mundo, sabe quem mata. Não mata por erro. Mata por horror. As vítimas civis chamam-se "danos colaterais", segundo o dicionário de outras guerras imperiais.

Em Gaza, de cada dez "danos colaterais", três são meninos. E somam milhares os mutilados, vítimas da tecnologia do esquartejamento humano, que a indústria militar ensaia com êxito nessa operação de limpeza étnica. E como sempre, sempre o mesmo: em Gaza, cem a um. Por cada cem palestinos mortos, um israelita. Gente perigosa, adverte o outro bombardeamento, a cargo dos meios massivos de manipulação, que nos convidam a achar que uma vida israelita vale tanto como cem vidas palestinas. E esses meios também nos convidam a achar que são "humanitárias" as duzentas bombas atômicas de Israel, e que uma potência nuclear chamada Irã foi a que aniquilou Hiroshima e Nagasaki.

A chamada "comunidade internacional", existe? É algo mais que um clube de mercadores, banqueiros e guerreiros? É algo mais que o nome artístico que os Estados Unidos assumem quando fazem teatro? Ante a tragédia de Gaza, a hipocrisia mundial destaca-se uma vez mais. Como sempre, a indiferença, os discursos vazios, as declarações ocas, as declamações altissonantes, as posturas ambíguas, rendem tributo à sagrada impunidade. Ante a tragédia de Gaza, os países árabes lavam as mãos. Como sempre. E como sempre, os países europeus esfregam as mãos.

A velha Europa, tão capaz de beleza e de perversidade, derrama uma ou outra lágrima enquanto secretamente celebra essa jogada de mestre. Porque a caça aos judeus foi sempre um costume europeu, mas desde há meio século essa dívida histórica está a ser cobrada aos palestinos, que também são semitas e que nunca foram, nem são, antissemitas. Eles estão a pagar, em sangue, na pele, uma conta alheia."


FONTE: escrito por Eduardo Galeano no "Sin Permiso". Tradução de Mariana Carneiro para o "Esquerda.net" (de Portugal). (http://www.esquerda.net/artigo/eduardo-galeano-ja-pouca-palestiniana-resta-pouco-pouco-israel-esta-apaga-la-do-mapa/33472).

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