Barack Obama, nos jardins da Casa Branca
Finalmente, Obama lança sua neoguerra imperial
"O presidente dos EUA, Barack Obama, expôs num grande discurso na quarta-feira (10), sua estratégia para “degradar e na conclusão destruir” o Estado Islâmico no Iraque e Síria (ing. ISIS).
Por MK Bhadrakumar, no "Strategic Culture"
Finalmente, Obama lança sua neoguerra imperial
"O presidente dos EUA, Barack Obama, expôs num grande discurso na quarta-feira (10), sua estratégia para “degradar e na conclusão destruir” o Estado Islâmico no Iraque e Síria (ing. ISIS).
Por MK Bhadrakumar, no "Strategic Culture"
A estratégia não tem prazo para ser concluída e, na essência, implica que os EUA vão jogar muçulmanos contra muçulmanos numa guerra horrenda, servindo-se de um“poder esperto” [orig. 'smart power'], que providencia para que não haja cadáveres norte-americanos. Pelo que tudo sugere, será guerra autofinanciada, paga pelos petrodólares dos estados árabes do Golfo, no Oriente Médio.
A estratégia está erigida sobre três pilares:
--Primeiro, fixa bem definidos limites para o que é intervenção militar, pelos EUA;
--Segundo, ressuscita a agenda de “mudança de regime” na Síria;
--Terceiro, dá por desnecessário e dispensável qualquer mandado recebido da ONU. Essencialmente, é versão re-embalada da intervenção cruamente unilateral dos EUA no Oriente Médio que já conhecemos do governo de George W. Bush.
Claramente, Obama adiou a exposição de sua “estratégia”, à espera de que a opinião pública nos EUA “amadurecesse”. As pesquisas de opinião já mostram hoje alto grau de aprovação nos EUA a favor de nova intervenção militar dos EUA no Iraque e Síria. O assassinato horrível de dois jornalistas norte-americanos pelo Estado Islâmico sem dúvida influenciou os resultados da pesquisa de opinião pública. Mas o fator essencial é o medo que veio sendo injetado na mente dos norte-americanos, ao longo de semanas e meses, por campanha de publicidade & marketing que visou a posicionar o Estado Islâmico como se fosse ameaça direta à “segurança da pátria” nos EUA. O truque funcionou, como o “provam” as pesquisas de opinião. Obama escolheu a dedo o momento, véspera do 11º aniversário dos ataques de 11/9, para expor sua estratégia ao povo norte-americano.
Curiosamente porém, apesar de o amadurecimento acelerado da opinião pública ter dado o resultado esperado, Obama tomou mil cuidados no discurso, para não inflar a psicose de medo nos EUA, e disse, com todas as letras, que os EUA “não detectaram qualquer específico complô contra nossa pátria” pelo Estado Islâmico, embora os líderes do grupo tenham “ameaçado os EUA e nossos aliados”. Em vez de falar de ameaça contra os EUA, Obama apresentou o Estado Islâmico como ameaça contra “o povo de Iraque e Síria e do Oriente Médio mais amplo – incluindo cidadãos, pessoal e instalações e prédios dos EUA”.
Claramente se vê aí um senso de proporções introduzido para acalmar a sempre agitada opinião pública norte-americana, no momento em que o país embarca em mais uma guerra em terra distante, sem prazo para acabar, mas, mais que isso, Obama encontrou jeito para recrutar aliados dos EUA no Oriente Médio para a guerra vindoura. A mensagem de Obama ao povo dos EUA é simples:
"Ninguém precisa ficar ansioso; toquem a vida normalmente; deixem que seu comandante-em-chefe dará jeito em tudo".
Em troca, Obama garantiu que os parâmetros da intervenção militar dos EUA serão bem definidos. Haverá “campanha sistemática de ataques aéreos” contra alvos do ISIS/ISIL, mesmo que forças iraquianas também ataquem; os EUA caçarão terroristas do ISIS/ISIL e aumentarão o apoio a forças iraquianas e curdas que combatem o Estado Islâmico/ISIS/ISIL, inclusive com treinamento, inteligência e equipamento; o Pentágono deslocará mais 475 militares para o Iraque (perfazendo um total de quase 1.600). Mas “forças dos EUA não terão missão de combate – não nos deixaremos arrastar para mais uma guerra em solo no Iraque”.
Obama fez questão de repetir que a guerra que começa agora “será diferente das guerras no Iraque e no Afeganistão. Não envolverá soldados norte-americanos combatendo em solo estrangeiro”. Em vez disso, como os EUA já fazem no Iêmen e na Somália “há anos”, essa guerra “será esforço continuado, incansável para destruir o ISIS/ISIL onde quer que esteja, usando nosso poder aéreo e o apoio de forças de nossos parceiros no solo”.
Obama disse que as operações militares dos EUA diretamente contra o ISIS/ISIL estender-se-ão também para dentro do território sírio. Revelou a estratégia em relação à Síria [sem novidade], focada em aumentar a ajuda militar à “oposição síria”. Obama apelou ao Congresso dos EUA, para que lhe dê adicionais “poderes e recursos para treinar e equipar aqueles combatentes [da oposição síria]”. De fato, tudo aí só tem a ver com enorme escalada na intervenção dos EUA na Síria: trata-se disso.
Obama rejeitou declaradamente qualquer ideia de que os EUA viessem a confiar no regime sírio. Chamou-o de regime ilegítimo e jurou “resolver a crise síria de uma vez por todas”. Em termos mais simples, os EUA vão acelerar o ritmo do golpe para “mudança de regime” na Síria.
Bem obviamente, até Washington percebe que jamais conseguiria arrancar autorização do Conselho de Segurança da ONU para seu golpe de “mudança de regime” na Síria, que viola a lei internacional e a Carta da ONU. Obama então simplesmente “deu um jeitinho”: vai hospedar uma reunião do Conselho de Segurança da ONU no final de setembro, em New York, “para mobilizar ainda mais a comunidade internacional” a favor de sua estratégia para Iraque-Síria.
Os EUA clamam já ter reunido uma “coalizão núcleo” de oito países membros da OTAN (mais a Austrália) para lutar a guerra de Obama no Oriente Médio. Mas Obama disse que precisa de uma “ampla coalizão de parceiros”. Revelou que, para tanto, o Secretário de Estado, John Kerry, está em viagem pelo Oriente Médio muçulmano “para alistar parceiros nessa luta, especialmente países árabes que podem mobilizar comunidades sunitas no Iraque e na Síria”.
Cada palavra aí foi escolhida milimetricamente, para dizer, sem dizer, que os EUA têm planos para atribuir papeis diferentes a xiitas e sunitas na guerra contra o ISIS/ISIL/Estado Islâmico. A parte que mais desconcerta e espanta, claro, é a intenção, declarada nas entrelinhas da fala de Obama, de que há planos para atribuir papel ativo no teatro de guerra sírio a países como Turquia, Arábia Saudita e Qatar.
Evidentemente, os estados dos petrodólares têm de estar incluídos, porque é a “fórmula” para assegurar que não falte dinheiro aos EUA para manter essa sua nova guerra sem data para acabar.
O Novo Oriente Médio
Seja como for, será que a estratégia de Obama funcionará? De garantido, só que a estratégia de Obama cria uma guerra financeiramente autossustentável, e poderá ser mantida por algum tempo. De fato, não haverá carência de recursos – dinheiro e soldados ou armas – para manter essa guerra, graças à presença dos estados-petrodólares, que há muito tempo clamam por golpe de “mudança de regime” na Síria.
O público, nos EUA, dificilmente se mobilizará contra essa guerra, pelo menos não agora, imediatamente. A comunidade estratégica norte-americana – especialmente os “especialistas” de think-tanks e a imprensa-empresa – também apoiará a guerra, porque é guerra que se atrela explicitamente com interesses de Israel. A verdade é que os EUA estão reconstituindo o mesmo velho eixo no Oriente Médio, que reúne Israel e as oligarquias árabes sunitas da região do Golfo. Simultaneamente, os EUA nada terão a temer do Conselho de Segurança da ONU: quem está guerreando a nova guerra é uma “coalizão de vontades” – e é altamente improvável que venha a público alguma dissidência interna que surja lá por dentro da tal ‘coalizão’, o que, por sua vez, pode garantir que Washington permaneça no comando e controle da guerra de Obama.
Mas há imponderáveis no caminho à frente. Primeiro e principalmente, é imensamente significativo que Obama não tenha dito sequer uma palavra categórica sobre a unidade do Iraque. Foi também deliciosamente vago sobre o que ele próprio espera de algum tal governo “inclusivo” em Bagdá.
O caso é que, por mais que Washington tenha feito toda a engenharia da mudança de regime do primeiro-ministro Nouri al-Maliki, ainda não se vê nem sinal de que a “mudança” possa levar a alguma reconciliação com os sunitas. É sinal importante, porque toda a “estratégia” dos EUA só funcionará se houver total mobilização do Iraque sunita contra o Estado Islâmico. Sem isso, a tal “estratégia” pode revelar-se receita para luta sectária ainda mais feia, para rasgar ao meio a unidade do Iraque.
Mas então, por outro lado, isso também envolve a questão do empoderamento dos xiitas no Iraque. Significa que os EUA têm de inventar alguma fórmula mágica que refine o conceito de princípios democráticos, que determinam que a maioria governe no Iraque. Dito de outro modo, é também uma guerra que envolve construção de nação no Iraque, e o currículo dos EUA em empreitadas assemelhadas em todo o mundo sempre foi fracasso sobre fracasso, para dizer o mínimo. Isso é uma coisa.
A parte mais desconcertante dessa guerra será o capítulo sírio. Talvez os EUA estimem que agora que os arsenais químicos da Síria foram destruídos, seria “mais seguro” assaltar o país. Ainda que se assuma que fosse, a oposição síria continua a ser porta giratória para grupos extremistas – o que se comprova pela própria saga do Estado Islâmico. Os EUA nada aprenderam e ainda têm esperanças de usar elementos extremistas como ferramentas de suas políticas regionais!
Verdade é que o fracasso custará terrivelmente caro, se Iraque e Síria deixarem de existir ao final da “operação” Obama. Não há dúvidas de que a parte que mais intriga é que esse desenlace, precisamente, pode ser o objetivo geopolítico dos EUA. Em recente entrevista ao "New York Times", o próprio Obama lembra que o fim do acordo Sykes-Picot de 1916 é a questão chave da política do Oriente Médio.
Assim também, a intenção de Obama de recrutar como aliados “nações árabes que podem mobilizar comunidades sunitas” é como o reconhecimento virtual indireto da dimensão sectária dos conflitos no Iraque e na Síria. Mas... Ora! Há um quadro muito complicado, de fundo, da política regional, que envolve exatamente essas mesmas nações árabes sunitas que Obama está “convocando” à guerra [com coturnos sunitas no solo?! (NTs)]. Será que Obama conhece também alguma receita secreta para curar todas as tensões regionais? Se conhece, não falou dela. Muito interessante, também: Obama não disse uma palavra, sequer, em momento algum, sobre o Irã.
A “estratégia” de Obama atropela completamente a ONU e, de fato, viola e enfraquece a Carta da ONU. Obama fracassou na tentativa para explicar alguma “especificidade” nessa sua específica variante de intervenção militar no mundo muçulmano – unilateralista, “sem riscos” e de baixo custo – porque de fato e pelo menos até agora, a segurança interna dos EUA absolutamente não corre nenhum perigo iminente concebível.
Ao final do dia, a impressão já está implantada e é inegável: os EUA continuam a se autoatribuir o direito de violar a soberania e a integridade territorial de nações-estados, movidos por autointeresses exclusivamente norte-americanos. Verdade é que essa guerra com cabeça de medusa assumirá as mais diferentes modalidades com a passagem do tempo, e aí estará, muito tempo depois de a garantida rápida passagem de Obama por algum livro de história já estar esquecida.
A presidência de Obama completou seu ciclo, ao reinventar os dogmas neoconservadores que ele rejeitava ou fingia rejeitar, rejeição que o tornou elegível. Com o pretexto de estar combatendo algum Estado Islâmico – o qual, para começo de conversa, é criação dos EUA e de seus aliados – o que temos ante os olhos é massivo projeto neoconservador para remodelar o Oriente Médio Muçulmano para que se “adapte” aos objetivos geopolíticos dos EUA. Deem o nome que quiserem, é guerra imperial – por mais que seja guerreada por 'Prêmio Nobel da Paz', no trono do golpista-em-chefe."
FONTE: escrito por MK Bhadrakumar, no "Strategic Culture". O autor foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Oriente Médio, Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de geopolítica, de energia e de segurança para várias publicações, dentre as quais "The Hindu" e "Ásia Times Online", "Al Jazeera", "Counterpunch", "Information Clearing House", e muita outras. Anima o blog "Indian Punchline" no sítio "Rediff BLOGS". É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala, Índia. Artigo postado no blog "Redecastorphoto", com tradução do "coletivo Vila Vudu". Transcrito no portal "Vermelho" (http://www.vermelho.org.br/noticia/249481-9).
Nenhum comentário:
Postar um comentário