sábado, 8 de agosto de 2009

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.: O CÂMBIO VOLTA A PREOCUPAR

UMA APRECIAÇÃO CAMBIAL PERSISTENTE PODE DESTRUIR A COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL DA ECONOMIA BRASILEIRA

“O câmbio tem sido um personagem recorrente nesta coluna. Houve épocas em foi quase uma obsessão. Tudo bem.

Qualquer coluna precisa de todo um elenco variado de personagens pitorescos e fascinantes. O leitor dirá que o câmbio nada tem de pitoresco e fascinante.

Pode ser. E, no entanto, o câmbio tem lá os seus mistérios e enigmas.

Machado de Assis escreveu: "De todas as coisas deste mundo e do outro a que menos entendo é o câmbio". A verdade, leitor, é que erros de política cambial têm causado reviravoltas dramáticas e mirabolantes na situação econômica de muitos países, o nosso inclusive.

A preocupação nesta coluna é quase sempre a mesma: a exagerada valorização do câmbio. É o que parece estar acontecendo de novo. À medida que o Brasil vai saindo da crise, o real está subindo com força -e tudo indica que tenderá a subir mais.

A valorização tem os seus efeitos positivos, claro. Por exemplo, ela reduz a inflação e aumenta o salário real. Mas, como o coeficiente de repasse de câmbio para preços é pequeno, esses efeitos são modestos. Os efeitos negativos tendem a prevalecer. Uma apreciação cambial persistente pode destruir a competitividade internacional da economia. As exportações de bens e serviços tendem a ficar mais caras e acabam perdendo participação no mercado internacional. Nas circunstâncias atuais, em que se verifica grande contração do comércio mundial, essa perda de competitividade é especialmente danosa.

Além disso, a produção nacional perde espaço no mercado interno.

As importações de bens e serviços ficam mais baratas em moeda nacional, o que estimula compras e turismo no exterior.

Tanto pelo lado das exportações como pelo das importações, o que o câmbio valorizado produz é um desestímulo à produção e à geração de empregos no país. Para uma economia que apenas começa a se recuperar de uma recessão, a valorização cambial excessiva é uma grande dor de cabeça. Ela pode não impedir a recuperação da economia, mas certamente reduz a sua velocidade.

Outro efeito negativo é sobre as contas externas. Na década de 1990, a valorização do real contribuiu para déficits externos imensos e deixou a economia do país muito vulnerável.

Estamos muito longe de repetir essa experiência, mas não convém permitir que os problemas voltem a se acumular. O que fazer? Há quem diga que não há o que fazer quando o câmbio é flutuante e o banco central segue um regime de metas para inflação. Mas, na prática, ninguém segue essa resposta de livro-texto.

Um aspecto fundamental é a taxa de juro. Esse é outro personagem recorrente na coluna -o que é natural, uma vez que juro e câmbio estão umbilicalmente ligados. Houve diminuição considerável dos juros -já não somos mais os campeões mundiais da usura. Não obstante, a taxa de juro ainda é alta em comparação com a que vigora no exterior. Uma taxa básica de 8,75%, combinada com a percepção de que o câmbio continuará a se valorizar, constitui um ímã para capitais externos.

É o tipo da profecia que se autorrealiza. A entrada de capitais decorrente dos juros altos e da expectativa de apreciação cambial produz a apreciação esperada. A confirmação das expectativas de alta rentabilidade reforça o movimento de entrada de recursos, levando ao fortalecimento adicional da moeda nacional, e assim por diante. Ao final de certo tempo, o país fica com um câmbio incompatível com a preservação da competitividade, o crescimento da economia e o seu equilíbrio externo.

FONTE: artigo de Paulo Nogueira Batista Jr, diretor-executivo no FMI, onde representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).Publicado na Folha de São Paulo de 06/08/2009.

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