sábado, 31 de agosto de 2013

REVELADO QUEM GRAVOU AS DEZENAS DE IMPUNES COMPRAS DE VOTO PARA A REELEIÇÃO DE FHC/PSDB


QUEM É O “Sr X” QUE GRAVOU A COMPRA DA REELEIÇÃO DE FHC/PSDB


Do portal “Conversa Afiada”, do jornalista Paulo Henrique Amorim (PHA) 

O Senhor X era um segredo de polichinelo. O PiG protege tudo do FHC/PSDB. Até filho que não é dele…

Chegou ontem, sexta-feira, 30 de agosto, às livrarias, o ”Príncipe da Privataria”, do jornalista Palmério Dória – autor do ‘best seller’ ”Honoráveis Bandidos”, que já vendeu 130 mil cópias.

O Príncipe da Privataria” é Fernando Henrique Cardoso, muitas vezes chamado [pelos seus bajuladores] de “Príncipe da Sociologia”.

“Privataria” está no título de outro ‘best seller’ da “editora Geração”, “Privataria Tucana”, de Amaury Ribeiro Junior.

Dos 25 mil exemplares do “Príncipe” já impressos, 17 mil chegaram ontem às livrarias de todo o país.

Para isso, foi necessária uma operação de guerra da “Geração”.

Ela teve que manter em segredo as gráficas que imprimiam, variou as rotas de distribuição e, com isso, evitar vazamentos que antecipassem o lançamento do livro – e processos judiciais de censura.

O editor da “Geração”, Luiz Fernando Emediato, conta na “Nota do Editor” que um amigo tucano lhe telefonou para pedir que não publicasse o livro e contar que já constituía advogado.

Na verdade, a editora suspeita que o vazamento da notícia do lançamento do livro tenha partido de uma rede de livrarias paulistas, notoriamente tucana, ao saber da chegada dos exemplares.

O “Privataria Tucana” foi boicotado por algumas livrarias de São Paulo, apesar de se tornar um best seller em poucos dias.

Ser um best seller é o destino que espera “O Príncipe da Privataria”.

Entre as revelações está a identidade do “Senhor X”, personagem de uma série de reportagens assinadas pelo jornalista Fernando Rodrigues, da “Folha” (*).

O ”Senhor X” gravava as conversas dos deputados comprados para aprovar a reeleição do Fernando Henrique, em 1997, e entregava a Rodrigues.

Numa série de reportagens, depois de denúncia da compra de votos feita pela CNBB, Conferência Nacional dos Bispos, Rodrigues reproduzia as gravações que recebia do “Senhor X”.

E jamais o identificou.

Nem o PiG (**) jamais se interessou em saber quem era o “Senhor X” [Nem o MP, a PGR, o STF...].

Foi o que fez Palmério.



Ainda na “Nota do Editor”, Emediato conta que, um dia, num encontro em San Francisco, nos Estados Unidos, Fernando Henrique, em conversa com o sociólogo Bolivar Lamounier e ele, Emediato, teria se referido ao escândalo de “Caixa Dois” de PC Farias: “Nenhum partido e nenhum candidato pode prescindir de recursos ilegais”.

Mas, a diferença entre ‘nós’ e ‘eles’ – disse FHC – é que ‘nós’ gastamos nas campanhas enquanto ‘eles’ enfiam boa parte em seus próprios bolsos".

O livro descreve pormenorizadamente a Privataria desenfreada – e especial atenção merece a venda da Vale do Rio Doce por um terço do que valia.

E, nela, o papel decisivo de Ricardo Sergio de Oliveira.

E a pressão “irresistível” do “Padim Pade Cerra”, como o próprio FHC reconhece neste vídeo.

Ricardo Sergio de Oliveira – um nome que não se deve, por cortesia, pronunciar na frente de um tucano – , depois, reaparece, com raro brilho, na privatização das teles: “só um bobo dá a telefonia para estrangeiros”, disse Bresser-Pereira, antes mesmo de deixar o PSDB.

Ricardo Sérgio é o “Mr Big”, o cérebro articulador das operações do clã “Cerra” na “Privataria Tucana” do Amaury.

Palmério descreve, também, a tentativa de vender a Petrobrax.

Trata da relação monetária entre Fernando Henrique e um de seus principais financiadores, José Eduardo de Andrade Vieira, então dono do "Bamerindus".

Palmério desmistifica o “Príncipe dos Sociólogos”: FHC levou bomba duas vezes na admissão ao Colégio Militar e uma, ao tentar entrar para Faculdade de Direito da USP.

Um “jenio” …

No PiG (**)

Sobre o “jenio”, leia, ali, o que Millor Fernandes e João Ubaldo Ribeiro diziam do “jenio”…

Palmério traz uma tabela com tudo o que o FHC vendeu.

E outra que compara o desempenho do Presidente FHC com o Presidente Lula: é uma surra, como demonstrou João Sicsú.

E mostra, com detalhes, a cumplicidade da “Globo”, do “Padim Cerra” – e do PiG (**) – na operação de abafa do que poderia ser um obstáculo à carreira de Fernando Henrique: o filho de uma repórter da “Globo”, em Brasília, e sua rápida remoção para Lisboa e Barcelona.

O ansioso blogueiro entrevistou na quinta-feira (29), por telefone, o autor do livro, o jornalista Palmério Dória.

Acompanhe a conversa, com modificações para facilitar a leitura.

Clique aqui para ouvir a íntegra da entrevista

PHA: Esse livro tem uma revelação – entre muitas – que é a identidade do ”Senhor X”, o homem que conta tudo sobre a reeleição de Fernando Henrique Cardoso. Palmério, quem é o “Senhor X”?

Palmério:
O “Senhor X” é uma eminência parda do Acre, isso a gente percebeu logo que o encontrou.

Uma figuraça, elétrica!

Ele é dono de uma retransmissora do SBT; dono de academias de ginástica; prédios e até de um cemitério.

Na campanha da reeleição, ele pegou pela proa a bancada acreana e tirou deles a confissão de que a reeleição estava sendo comprada pelo Serjão Motta (ex-ministro das Comunicações do Governo FHC); Orlei Cameli (então governador do Acre); e pelo Amazonino Mendes (ex-governador do Amazonas).

Isso era só a frente acreana. Na verdade, essa compra, pelas contas do Senador Pedro Simon (PMDB-RS), chega a 150 deputados, pelo menos.

PHA: Ele (o ”Senhor X”) se chama Narciso Mendes, não é isso?

Palmério:
Isso, chama-se Narciso Mendes.

É um potiguar; passou por Belém; casou com uma moça chamada Célia; foi viver no Acre e fez a vida lá.

Foi deputado na Constituinte, depois não se reelegeu, mas a mulher dele se elegeu. Daí ele tinha acesso livre ao Congresso.

Como é um cara muito simpático, despachado, desempenado, ele foi procurado pelo repórter Fernando Rodrigues, da “Folha” (*), que através de uma intermediação feita pelo Carlos Aírton – outro deputado da época (também do estado do Acre) – Narciso começou a gravar com um gravadorzinho pequenino, que o Fernando Rodrigues tinha, japonês.

Nem precisava perguntar, as pessoas já chegavam contando tudo.

Isso dessa porção acreana da compra de votos.

Agora, o Narciso é também um segredo de polichinelo, né?

PHA: Por quê?

Palmério:
Porque todo mundo sabe que esse homem existe, que é o Narciso Mendes, e ninguém se ocupou, ninguém quis ouvi-lo; chegar lá e dizer: “então, o senhor é o ”Senhor X”, vamos conversar”.

PHA: E o Fernando Rodrigues reproduziu as gravações na “Folha”…

Palmério:
O Fernando Rodrigues reproduziu; essa matéria teve grande repercussão. O Fernando Rodrigues, na época, foi capa na revista “Caros Amigos”. Aliás, a capa foi o próprio gravador que ele usou nas gravações com o ”Senhor X”.

Pena que tenha chegado dez dias depois de a CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) – que naquela época era a CNBB de guerra – denunciar que havia um esquema de compra de votos. Algum tempo depois, veio a matéria (da “Folha”).

PHA: Então, o Narciso Mendes gravou, passou a gravação ao Fernando Rodrigues, que transcrevia a gravação e sempre se referia a ele, Narciso, como ”Senhor X”?

Palmério:
Sempre se referia a ele como ”Senhor X”, e assim ele apareceu na capa de “Caros Amigos”.

PHA: Por que o ”Senhor X”, que era um segredo de polichinelo, resolveu sair da toca e se identificar agora ?

Palmério:
Ele passou por maus bocados de saúde e achou que tinha de contar essa história antes de morrer.

Mas, o fato é que ele está muito longe disso, ele tem saúde para dar e vender e, seguramente, vai viver mais do que eu.

Ele tem um cemitério lá, né? Ele me levou para conhecer o cemitério e eu me candidatei a uma vaga para quando eles implementarem a cremação.

PHA: Você diz que as gravações se referem à compra de votos para a reeleição de Fernando Henrique na bancada do Acre. Quanto se pagava por deputado na bancada do Acre?

Palmério:
Pagava 200 mil reais. Era um esquema dos tempos dos coronéis, pagava-se em cheque.

Era uma espécie de pré-pago. Depois (de votar), eles trocariam o cheque.

Mas, aí, alguém os advertiu: cheque, né? É como alguém dar um cheque para um traficante – não estou comparando os deputados com os traficantes, mas é por aí.

Aí alguém falou: “é melhor pagar em dinheiro”. Aí passaram a fazer o pagamento em dinheiro, os deputados saiam com sacolas de dinheiro.

PHA: E quem é que comprava?

Palmério:
Nessa operação, no caso do Acre, o Amazonino Mendes, então governador do Amazonas; o Orlei Cameli, do Acre, e outros que eu não sei.

Mas, o Acre é apenas uma ponta, como o Pedro Simon deixa claro.

PHA: O seu livro fala que, nas conversas (gravadas) aparecia claramente, como última instância do processo, o Sérgio Motta, ministro das Comunicações do Fernando Henrique.

Palmério:
Isso. Aparece na época claramente nos jornais. Publicaram o envolvimento dele, as acusações contra ele.

E depois, o Fernando Henrique, sem citar o nome de Narciso Mendes, fala desse episódio no livro ”Arte da Política” – um catatau de umas setecentas páginas, naquele estilo gorduroso de que você fala, né?

PHA: Isso, cheio de colesterol…

Palmério:
Cheio de colesterol!

O fato é que é segredo de polichinelo, Paulo, porque todo mundo sabia quem era a peça, quem era a figura, quem fez as gravações. A certa altura do livro, o Fernando Henrique, sem citá-lo, começa a falar dele, começa a desqualificá-lo.

Mas, o fato é que falaram em CPI nessa época, e não houve CPI. A “Comissão de Constituição e Justiça” ouviu alguns deputados – como você sabe, dois deputados acreanos renunciaram logo em seguida, sobre pressão.

Muito bem, o fato que é que, quando se falava em ”Senhor X”, ninguém quis ouvi-lo, nem CPI nem a “Comissão de Constituição e Justiça”.

PHA: Então são 200 mil em dinheiro, para a bancada do Acre. O Pedro Simon calcula que tenham sido comprados 150 deputados. Então é 200 mil, vezes, 150, não é isso? E em dinheiro vivo!

Palmério:
Em dinheiro vivo! Bufunfa; maçaranduba; e em sacolas.

E eu acredito que os comprados do “sul maravilha” não se venderam por 200 mil reais.

PHA: Então deve ter sido mais ? Mais de 30 milhões de reais ?

Palmério:
Eu acho que sim, acho que sim.

O problema do tucanato é o seguinte: eu até te perguntei de quanto deveria ter sido a roubalheira e você não consegue mensurar. Eu acho que nem um computador de última geração desses da NASA consegue mensurar a escala de roubo quando você fala de tucanato.

PHA: Agora tem esse negócio de “Trensalão”.

Palmério:
É, não dá pra você calcular…

PHA: Palmério, o Fernando Henrique já se referiu a esse episódio dizendo que ele e o PSDB não precisavam comprar ninguém, porque a maioria absoluta era a favor da reeleição. No seu livro, o Narciso Mendes contesta esse argumento. Como é que o Narciso contesta isso?

Palmério:
Ele diz que, por exemplo, o Orlei Cameli não se candidatou à reeleição.

Já começa por ai. No caso acreano, o governador não se candidatou à reeleição. Ele desmonta a tese do Fernando Henrique com esse simples fato.

PHA: Outro argumento do Fernando Henrique é que ele não precisava (buscar a reeleição), mas quem precisava eram os governadores, que estavam tão interessados na reeleição quanto ele. Porque se beneficiariam. Então, pelo mesmo raciocínio do Cameli, você desmonta esse argumento.

Palmério:
Claro, Claro, sem a menor dúvida.

Então, você vê o esforço que foi feito para ele ( Narciso) não ser ouvido. Como se passam 13 anos e esse cara nunca foi procurado para falar ? Nunca.

PHA: Você acredita que o Luís Eduardo Magalhães – você cita ele no seu livro como presidente da Câmara – interveio nesse processo bombardeando a ideia de uma CPI, é isso?

Palmério:
Sim, sim, foi criado ali um bloqueio total.

Era o bate-bola permanente entre os dois, os dois que faleceram, o Luís Eduardo e o Serjão.

O Serjão era o grande operador, ele e seu projeto de 20 anos (de tucanos no poder).

PHA: Você reproduz no livro uma frase muito interessante do Serjão: “95% das coisas que eu digo foi o Fernando Henrique quem falou; os os outros 5% é o que ele pensa e não diz”.
Palmério:
Ou seja, é impossível, que o Fernando Henrique não soubesse do que estava rolando nos bastidores.

O desconforto com o qual ele fala disso no livro é a maior bandeira.

PHA: O livro “Príncipe da Privataria” é, na verdade, um perfil muito rico, muito detalhado, uma pesquisa minuciosa feita por você e pela sua equipe, e que trata de muitos assuntos.

Trata da Privataria de uma forma geral; trata de outros tipos de financiamento da campanha do Fernando Henrique, como a ligação dele com o então presidente do Banco Bamerindus (Andrade Vieira); trata do processo vil que foi a venda da Vale do Rio Doce.

Tem um episódio muito importante, narrado pelo delegado Protógenes Queiroz, que é uma ligação muito mal explicada pelo Fernando Henrique – a relação dele com títulos da dívida externa brasileira em posse do banco francês Paribas.


Palmério:
De quando ele era ministro da Fazenda e o Armínio Fraga era o homem do Banco Central.

PHA: Tem um componente importante desse seu livro que é a cumplicidade da imprensa brasileira no episódio do filho que o Fernando Henrique Cardoso pensou por muito tempo ter tido com uma jornalista da TV Globo.

Qual é a relação desse episódio com a “TV Globo”? Como que a “Globo” participa desse processo de acobertar um fato público, que é o presidente da República ter um filho, ou supor ter um filho, com uma jornalista de vídeo, da emissora de televisão mais vista do país.

Onde se casam – sem trocadilhos – Fernando Henrique Cardoso e a “Globo” nesse caso do filho que ele reconheceu e que, na verdade, não era dele.


Palmério:
É o PROER da imprensa, eis aí uma tese de doutorado, Paulo Henrique. A figura central da “TV Globo” nesse caso é o Alberico Souza Cruz – que tomou o lugar do Armando Nogueira depois que manipulou aquele debate Lula x Collor.

Então, ele passou a circular com desenvoltura por Brasília.

Ele era amigo da Míriam Dutra (jornalista que teve o suposto filho de FHC) – ela era subordinada dele, né? – e era muito amiga da Rita Camata (ex-deputada federal), que, por coincidência, começou a aparecer em todos os espaços (da “Globo”), especialmente no “Jornal Nacional”.

Ele (Alberico) era um dos bombeiros. O outro era o José Serra, o planejador; e o Serjão, o operador.

Foram eles que operaram a transferência da Míriam para SIC, (Sociedade Independente de Comunicação), em Portugal (associada à “Globo”).

Não à toa: o Alberico é padrinho do Tomás (suposto filho de FHC).

PHA: Então, o Alberico remove a Míriam para Lisboa e apadrinha o menino?

Palmério:
Apadrinha o menino. Depois, ela é transferida para Barcelona.

Agora, como houve o PROER dos bancos, houve um PROER da imprensa.

Um dinheiro oficial, e até mesmo privado, em uma quantidade imensa, incalculável, para comprar o silêncio da mídia sobre o filho de Míriam Dultra, o “bolsa pimpolho”, como muitos denominaram.

Eu acho que todos os veículos de comunicação investigaram o caso, mas não publicaram. Alegaram que era para ter e usar apenas se o concorrente furasse; matéria de gaveta, como se diz.

Isso lembra um arsenal dissuasório, como se diz: ”olha, há bombas nucleares suficientes para destruir o planeta ‘N’ vezes, mas não é para usar, é para ter”. Então, a chantagem campeia pela imprensa, né?

PHA: Na verdade, o que eu chamo de PIG, aqui, no nosso site, não chegou a usar essa bomba.

Palmério:
Não, não usou. E depois, na matéria da “Caros Amigos”, nós ouvimos, um a um, os diretores de redação de jornais e revistas da época.

PHA: E isso está no livro também. Palmério, só para concluir: depois de muito tempo, ficou confirmado que o filho que o Fernando Henrique supunha ter não era dele, era de outra pessoa.

E tem no livro – e é evidentemente que não podemos revelar aqui – uma cena de comédia italiana, que é o diálogo de Fernando Henrique e Míriam Dutra depois que ficou comprovado que o filho não era dele.


Palmério:
É, um amigo meu disse que deu uma estrondosa gargalhada com o fim do livro.

Agora eu só queria dizer uma coisa para você, Paulo Henrique, esse é um bom livro para ler na Semana da Pátria, não é?

PHA: Aliás, o 7 de Setembro que Fernando Henrique qualificou como uma palhaçada.
Palmério:
Exatamente, Exatamente…

PHA: Parabéns, Palmério, depois de desmontar o pessoal do ”Honoráveis Bandidos”, do José Sarney – quantos livros já vendeu o José Sarney?

Palmério:
O Zé Sarney já vendeu cerca de 130 mil livros. Mas, a turma do Zé Sarney, perto dessa turma do Fernando Henrique, não passa de amadores. É outra escala.

PHA: Os ”Honoráveis Bandidos” são amadores…

Palmério:
É, é outra escala, outra escala…”

+++++++++++++++++++++++++


SERVIÇO:

“Príncipe da Privataria”, da “Geração Editorial”;
Páginas: 400;
Preço: impresso, R$ 39,90 / e-Book, R$ 24,90;


À esquerda, Palmério, que deixou para o fim uma estrondosa gargalhada. À direita, Narciso na época das gravações 

                Narciso, de frente para Palmério 

(*) “Folha” é um jornal que não se deve deixar a avó ler, porque publica palavrões. Além disso, Folha é aquele jornal que entrevista Daniel Dantas DEPOIS de condenado e pergunta o que ele achou da investigação; da “ditabranda”; da ficha falsa da Dilma; que veste FHC com o manto de “bom caráter”, porque, depois de 18 anos, reconheceu um filho; que matou o Tuma e depois o ressuscitou; e que é o que é, porque o dono é o que é; nos anos militares, a Folha emprestava carros de reportagem aos torturadores.

(**) Em nenhuma democracia séria do mundo, jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que têm no Brasil. Eles se transformaram num partido político – o PiG, Partido da Imprensa Golpista.”

FONTE: portal “Conversa Afiada”, do jornalista Paulo Henrique Amorim (PHA)  (http://www.conversaafiada.com.br/brasil/2013/08/30/quem-e-o-sr-x-que-gravou-a-compra-da-reeleicao-de-fhc/). [Trechos entre colchetes adicionados por este blog 'democracia&política'].

PIB DO BRASIL CRESCE MAIS QUE DE EUA, COREIA E OUTROS; PERDE SOMENTE PARA CHINA E INDONÉSIA

 Por Sílvio Guedes Crespo, no portal UOL

“A economia brasileira surpreendeu muitos analistas no segundo trimestre, colocando o país em posição melhor do que a verificada no início do ano, em comparação com outras nações.

O PIB (produto interno bruto) do Brasil avançou 1,5% em relação ao primeiro trimestre, superando não apenas o dos maiores países ricos, como os Estados Unidos e a Alemanha, mas também o de nações que vinham se expandindo bem, como o México e a Coreia do Sul. Por outro lado, continua atrás dos asiáticos de crescimento rápido, como a China e a Indonésia, conforme o gráfico acima.

No primeiro trimestre, o crescimento da economia do Brasil havia sido igual ao dos EUA e inferior ao da Coreia.

Para quem vem acompanhando o PIB dos países, pelo menos dois pontos no gráfico acima chamam atenção.

Primeiro, ver o Brasil com resultado muito próximo do da China. Depois, encontrar Portugal (que está mergulhado em crise) acima de países como Alemanha e México.

Os dois casos devem ser vistos com cuidado por motivos parecidos. O Brasil encostou na China após ter crescimento econômico excepcionalmente bom. Fazia 13 trimestres que o PIB brasileiro não crescia nesse ritmo. Já o da China vem se mantendo em ritmo igual ou superior ao atual há anos.

Quando comparamos períodos um pouco mais longos, vemos que a China, apesar de ter piorado, continua relativamente bem. A alta do PIB do segundo trimestre em relação a igual período do ano passado foi de 7,5%. Nesse tipo de comparação, a economia brasileira cresceu 3,3%.

A questão de Portugal é parecida com a da China, só que ao contrário. A economia portuguesa vinha encolhendo fortemente. Nesse contexto, crescer 1,1% no segundo trimestre, em comparação como primeiro, que foi muito fraco, não significa muita coisa. Tanto que, em relação ao segundo trimestre de 2012, o PIB teve queda de 2%.

VARIAÇÃO EM UM ANO

Olhando o segundo trimestre deste ano em comparação com o período equivalente de 2012, conseguimos uma noção um pouco mais ampla da situação global.

Não apenas porque assim enxergamos um período mais longo, mas também porque alguns países importante só divulgaram a variação do PIB em relação a um ano antes, como a Rússia, o Chile e o Peru.
  

Nesse tipo de comparação, o PIB do Brasil cresceu 3,3%, mantendo resultado melhor que o dos países ricos e atrás da China e da Coreia.

Mas aqui conseguimos perceber que o Chile e o Peru também registraram taxas asiáticas de crescimento, superando o Brasil.

Em relação ao grupo de emergentes chamado BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o PIB brasileiro avançou mais que o da Rússia e o da África do Sul e menos que o da China. A Índia ainda não divulgou o dado.”


A SUPERAÇÃO DO NEOLIBERALISMO NO BRASIL

Por Diogo Costa

“Os governos Lula e Dilma, do PT, destruíram o neoliberalismo galopante e triunfalista dos períodos tenebrosos do PSDB. 

Vivemos hoje em pleno emprego, com política nacional de valorização do salário mínimo (que impacta diretamente em 70% dos aposentados e pensionistas), com aumentos reais dos dissídios da classe trabalhadora (acima da inflação) desde 2005 e ressurgimento da indústria naval (que em 03 ou 05 anos gerará mais empregos que a indústria automobilística). 

Há também um amplo processo de distribuição de renda, de redução das desigualdades sociais, menor índice de GINI (que mede a desigualdade social) dos últimos 50 anos e maior poder de compra do salário mínimo dos últimos 35 anos.

Isto sem falar nas dezenas de universidades públicas construídas, centenas de campis universitários construídos, centenas de escolas técnicas, milhares de obras espalhadas nos quatro cantos do país, ampliação e fortalecimento do MERCOSUL (com a devida destruição da ALCA) etc.

Ou seja, o PT destruiu e varreu para bem longe o desgraçado neoliberalismo que havia anteriormente em Pindorama. Essa é a verdade factual dos acontecimentos do Brasil no pós 2003, com dados concretos e objetivos da realidade, não com desejos íntimos ou fantasias e achismos mil. 

Uns dirão, mas e as concessões? 

No caso das concessões, temos que ter um parâmetro básico, para manter a verdade conceitual e a objetividade do debate. Por exemplo, se fazer concessões é ser "neoliberal", então é forçoso concluir que a China é o país mais 'neoliberal' da face da Terra! 

Não há nenhum país do globo terrestre que tenha feito tantas privatizações, concessões e parcerias público-privadas nos últimos quinze anos quanto a República Popular da China. 

Se aceitarmos que a China é "neoliberal" (o que é uma rotunda bobagem), aí sim poderemos dizer que o Brasil de hoje também é "neoliberal" (outra sonora, rotunda e rematada bobagem). 

Pausa para uma pequena provocação... 

De onde é que tiraram que o parâmetro da esquerda tem que ser o grau de estatização da economia? 

Mussolini foi a figura que mais estatizou setores econômicos na Itália em todos os tempos. Ninguém criou tantas empresas estatais, tampouco estatizou tanto a economia, no Brasil, quanto os militares golpistas de 64. Os militares eram, por acaso, comunistas? 

Outros perguntarão, mas e o pré-sal?

Na faixa do Orinoco, na Venezuela, há uma miríade de petroleiras multinacionais explorando o petróleo em conjunto com o PDVSA. 

A PEMEX mexicana tem mais controle sobre a exploração, o refino e a distribuição de petróleo do que a PDVSA de Hugo Chávez e Maduro. Por acaso a Venezuela é "neoliberal" porque inúmeras multinacionais do petróleo operam em conjunto com a PDVSA? Óbvio que não!

A grande mudança, implementada corretamente por Lula na questão do pré-sal, foi a mudança no antigo “regime de concessão”, transformado em “regime de partilha”, sob os efusivos aplausos da esquerda brasileira. 

Lula enterrou o “regime de concessão” e trouxe o “regime de partilha” para o pré-sal, e o fez corretamente, em sentido contrário à tese neoliberal do governo anterior ao seu! Não foi à toa que a mudança no regime de exploração do pré-sal rendeu fartas matérias negativas por parte da mídia venal de Pindorama...

Não há nenhum direito trabalhista sendo retirado no Brasil, há distribuição de renda e diminuição das desigualdades sociais. 

Ou seja, justamente o contrário daquilo que o neoliberalismo trouxe ao mundo a partir da Inglaterra (final dos anos 70) e dos EUA (início dos anos 80), não sem antes testar as teses dos Chicago Boys no Chile de Pinochet, a partir de 1973. 

E, no caso brasileiro, tem-se que destacar que estamos atravessando a pior crise econômico-financeira desde o “Crash” de outubro de 1929, crise essa iniciada com a falência do “Banco Lehman Brothers” em 15 de setembro de 2008. 

E estamos enfrentando a crise com medidas diametralmente opostas ao ajuste fiscal pró-cíclico europeu.

Na Europa, temos desemprego em massa, arrocho salarial, cortes drásticos do orçamento público para a saúde, educação e assistência social, cortes em aposentadorias e pensões, retirada de históricos direitos trabalhistas, aumento terrível na desigualdade social, concentração de renda e prioridade absoluta ao pagamento de dívidas em detrimento dos gastos sociais e de investimento. 

O Brasil adotou o caminho inverso da Europa.

Não, definitivamente o Brasil de hoje não é neoliberal. Muito antes pelo contrário. Nos afastamos, há muito, das teses neoliberais e esse é o segredo dos índices que ostentamos hoje. 

Os números estão aí para comprovar.

E quem tiver a mínima capacidade de compreender o que está acontecendo hoje na Europa irá constatar, de forma cabal, que o Brasil caminha num rumo totalmente diferente do rumo que está a percorrer o velho continente.

Faltou falar um pouco mais sobre a ALCA, definitivamente enterrada por Chávez, Lula e Kirchnner na IV Cúpula das Américas, em Mar del Plata (Argentina), em novembro de 2005. Esse, por acaso, não foi um tiro no peito da estratégia neoliberal norte-americana para a América Latina? 

E que baita tiro, diga-se de passagem.”

FONTE: escrito por Diogo Costa e publicado no portal de Luis Nassif (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-superacao-do-neoliberalismo-no-brasil).

BARBOSA FICA NA DEFENSIVA APÓS REVELAÇÕES SOBRE SEU PATRIMÔNIO

“Pela primeira vez, o presidente do STF descartou, taxativamente, a possibilidade de ser candidato em 2014. Coincidência ou não, uma semana depois da entrevista, o TSE mandou retirar do ar uma página na internet que fazia sua propaganda eleitoral à Presidência.

 


Em entrevista ao jornal ‘The New York Times’ em 23/8/2013, Barbosa afirmou: “não sou candidato a nada”. A frase categórica contrasta com as anteriores, evasivas, de que se sentia lisonjeado em ser lembrado em pesquisas como uma opção para 2014, ou de que "não se via" como candidato a presidente, e mesmo com a afirmação de que “o Brasil não estaria preparado para eleger um presidente negro”. A entrevista trouxe, pela primeira vez, a frase "não sou candidato". 

A declaração clara e cristalina é seguida da explicação do jornal: Barbosa foi posto na defensiva por conta de algumas revelações complicadoras sobre seu patrimônio.

Acostumado a, nos últimos tempos, fazer uma cruzada moralizadora, Barbosa acabou acusado de ter recebido salários da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) mesmo sem trabalhar... 

O ‘New York Times’ também registra a denúncia da aquisição de um apartamento em Miami de forma irregular. A criação da empresa para comprar o apartamento, lembra o jornal norte-americano, foi vista como uma tentativa de pagar menos impostos na transação. Sobre esse último assunto, o ‘Times' economizou os detalhes. Segundo reportagens de jornais brasileiros, o ministro teria criado uma empresa fantasma, cuja sede tinha como endereço o do apartamento funcional de Barbosa, o que é expressamente proibido.

Barbosa estaria agora amargando uma defensiva e uma piora em seu humor na corte, que nunca foi dos melhores, apenas mudou de foco. Na entrevista, é lembrado o episódio no qual Joaquim Barbosa acusou Gilmar Mendes de ter "capangas" em Mato Grosso. A bola da vez é o ministro Ricardo Lewandowski, em embates no julgamento da Ação Penal (AP) 470. O "mensalão" é traduzido pelo jornal como "big monthly allowance" ("grande subsídio mensal"), o que mostra o quanto o apelido criado por Roberto Jefferson e que caiu no gosto da velha mídia é um eufemismo pobre para traduzir o cerne do problema, que é o financiamento empresarial às pretensões eleitorais de políticos.

Em sua defensiva, Barbosa justifica ao jornal que seu temperamento não se adapta à política. A desculpa é contraditória, pois o presidente do STF é hoje o magistrado cuja retórica é a mais parecida com a que se vê sair da boca de políticos em suas denúncias contra rivais. Nas tribunas do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores, as acusações de caráter pessoal e contra a reputação de adversários são comuns. Por esse parâmetro, Barbosa seria, na verdade, o mais afiado de todos os ministros para seguir carreira política. Não necessariamente um candidato de uma nova política.

O destempero com seus pares no STF e a ênfase no julgamento do mensalão [somente o do PT; o do PSDB continua impune, engavetado] foram fórmulas de sucesso, mas abriram flancos em relação a fatos que dizem respeito à sua própria reputação. 

De todo modo, coincidência ou não, uma semana depois da entrevista, o TSE mandou retirar do ar uma página na internet que fazia propaganda eleitoral antecipada de Joaquim Barbosa. Disponível desde outubro de 2012, trazia a biografia e fotos do ministro Joaquim Barbosa, além de charges, depoimentos favoráveis à candidatura e até link para a impressão de adesivos. A página foi criada pela “Trato Comunicação e Editora Ltda.”, cujo sócio majoritário é o vereador Átila Alexandre Nunes Pereira, do PSL-RJ, um partido que talvez seja considerado por Barbosa como um daqueles ‘de mentirinha’.”


ATÉ PARA A “FOLHA” A “HISTÓRIA DE SABOIA NÃO CONVENCE”

Colunista Janio de Freitas e o diplomata Saboia

Do jornal online “Brasil 247”

“O colunista Janio de Freitas questiona as motivações do diplomata Eduardo Saboia, que contribuiu para a fuga de Roger Molina, condenado à cadeia por corrupção na Bolívia, e critica ainda a “transgressão radical de suas responsabilidades

Em meio a tantos elogios à atuação de Eduardo Saboia, no episódio da fuga de Roger Pinto Molina da Bolívia, o colunista Janio de Freitas se coloca como uma voz dissonante.

Leia abaixo sua coluna publicada na “Folha” [jornal tucano]:

QUESTÕES NADA DIPLOMÁTICAS

Por Janio de Freitas, na “Folha de São Paulo”

“Foi dito que a inspiração de Saboia veio de Deus, mas aí já é um nível diplomático que não dá para considerar

A história, como está servida, não é convincente. Apesar de muito conveniente à exploração política, que não requer nem escrúpulos, quanto mais coerência dos fatos narrados, para não falar em veracidade.

O desarranjo da história torna ainda mais problemática a demissão sumária do (ex) ministro Antonio Patriota, em decisão de Dilma Rousseff, na melhor hipótese, meramente emocional. O que é incabível em presidente da República. Mas, não é possível deixar sem este registro, decisão descabida também por seu componente de injustiça.

Na explicação de sua atitude, o diplomata Eduardo Saboia associou as condições precárias da saúde de Roger Pinto Molina, que incluiriam alto risco de morte, e as de sua instalação na embaixada brasileira, que comparou ao DOI-Codi.

A referência à saúde fez com que o ministro José Eduardo Cardozo, da Justiça, cuidasse de imediato exame médico do senador boliviano em sua chegada ao Brasil. O senador está bem. Já suas primeiras fotos brasileiras mostraram o roliço próprio dos bem nutridos, corado, cabelo bem aparado, sem sugestão alguma, por mínima que fosse, de trato e condições aquém do devido pela embaixada.

Assim sendo, a respeito da saúde e da comparação com o DOI-Codi, o que passa a interessar são as condições do próprio diplomata Eduardo Saboia, que o fizeram capaz de alegações tão incomprováveis em tão pouco tempo depois de emitidas.

Também resta um interesse secundário. Eduardo Saboia estava como encarregado de negócios brasileiro em La Paz, principal responsável na e pela embaixada, temporariamente desprovida de embaixador. As condições de internação do asilado comparáveis às do DOI-Codi eram, portanto, de sua responsabilidade. Tal como a autoridade e o dever de torná-las dignas. Não foram esclarecidos os motivos da omissão, complementada pela viagem (fuga, dizem) temerária, [Cordilheira dos] Andes abaixo.

É mais do que duvidoso, ainda, que um diplomata já experimentado e com relações influentes no Itamaraty e no governo (Celso Amorim, ministro da Defesa, por exemplo) não recorresse a providências mais simples e fáceis. E preferisse logo a transgressão radical de suas responsabilidades funcionais, o risco de consequências pessoais e, tão claro no seu caso, o problema diplomático para o Brasil.

Foi dito que tudo veio de inspiração obtida de Deus, na leitura dos Salmos, mas aí já é um nível de relações diplomáticas que não dá para considerar. Podem ser úteis no Juízo Final. Para o raciocínio chão a chão, a história contada não tem o mínimo de coerência para ser admitida. E nem é preciso introduzir, na sua apreciação, elementos objetivos como os interesses à volta do senador Roger Pinto Molina, a área fronteiriça em que tem influências, sua condenação à cadeia, os 13 processos que lhe restam, com uma acusação de homicídio, e sua riqueza.

Nada disso precisa interessar aqui, porque não interessou a Aécio Neves, Eduardo Campos, José Agripino e tantas outras figuras expresssivas que logo associaram o nome e a honra política ao senador boliviano, agradecidos a Eduardo Saboia, seu novo herói, por trazê-lo para a sua proximidade.

A sensibilidade brasileira também está agradecida. A quantidade de comentaristas a revelarem agora sua preocupação com o problema do asilo é característica das grandes questões e dos grandes acontecimentos. Mais tarde, por certo, será explicado por que nenhum emitiu uma só palavra, jamais, de crítica à recusa inglesa de salvo-conduto para Julian Assange deixar seu longo asilo na embaixada do Equador, em Londres. Uma história sem mistérios e coerente.”


FONTE: texto de Janio de Freitas na “Folha de São Paulo” transcrita e comentada no jornal online “Brasil 247” (http://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/113209/Janio-hist%C3%B3ria-de-Saboia-n%C3%A3o-convence.htm) [Título e trecho entre colchetes adicionados por este blog ‘democracia&política’].

OS MOTIVOS PARA A INTERVENÇÃO NA SÍRIA

Por Rogério Maestri

QUAL O VERDADEIRO MOTIVO PARA INTERVENÇÃO NA SÍRIA? O IRÃ, A ARÁBIA SAUDITA OU A EUROPA?

“Quanto mais velha fica uma superpotência, maior é o número de jogadas de xadrez que são antecipadas no jogo internacional, e quanto maior o número manobras diversionistas que forem feitas, melhor será o jogo.

A possível intervenção na Síria é tida pela maior parte dos “analistas internacionais de geopolítica” como uma estratégia de cercar o Irã, porém, se for olhado com cuidado, essa hipótese mais parece uma manobra diversionista do que o verdadeiro jogo.

Nos últimos cinco anos, os Estados Unidos estão num novo surto de produção de hidrocarbonetos, o gás do xisto e as areias betuminosas do Canadá. Ambas as fontes de combustível têm duas características em comum, são abundantes e caras.

Para a extração do gás através do fraturamento hidráulico ou o refinamento do betume das areias do Canadá, é necessário um preço do petróleo próximo aos US$ 100,00 o barril. Isto é facilmente verificável pela produção do gás por fraturamento, pois todas as vezes que esse preço atingiu valores da ordem de US$ 60,00 o barril, a produção dessas fontes despencam. Um poço que produz gás por fraturamento hidráulico tem, nos dois primeiros anos, perda de produtividade em torno de 60%. Logo, para manter a produção, é necessária a abertura de novos poços, encarecendo em muito o produto final.

Devido a isso, os Estados Unidos precisam de preço alto no petróleo, não para a segurança de abastecimento, pois tanto uma como outra fonte está no seu território ou está no seu quintal, mas sim para manter a competitividade internacional e, de preferência, acabar com a concorrência.

Quem compete com os Estados Unidos no mercado internacional? Europa, China e Índia. Logo, é necessário inviabilizar, ou pelo menos tornar cara, a produção industrial dos países que dependem de energia importada. Para isso, o melhor que eles podem fazer é manter caro o preço do petróleo no mercado internacional e ter fontes de energia de menor custo no seu mercado, mesmo que essa seja cara. O importante é ser mais barata do que nos outros mercados.

Pode-se pensar que um dos objetivos dos Estados Unidos seja de dominar o mercado internacional de petróleo. Conquistando Iraque e a Líbia, e se for conquistado o Irã, eles poderiam manter o preço alto artificialmente. Porém, como seus aliados europeus participam do saque do Iraque e da Líbia, não têm como garantir esse truste.

Agora, vamos aos fatos para tentar compreender a estratégia norte-americana. Tanto o Iraque como a Líbia não conseguem, e provavelmente não vão conseguir tão cedo, retomar a produção de petróleo que tinham antes das intervenções militares, pois zelosamente os verdadeiros amigos, os “radicais islâmicos”, não deixarão que isso ocorra.

Por outro lado, a produção de petróleo do Irã e de outros países detentores de grandes reservas (como Nigéria e Venezuela) não deslancha e nunca deslancharão. Ações de boicote às tecnologias mais sofisticadas de pesquisa e exploração de novos campos, que podem ser levadas por poucas empresas detentoras dessas tecnologias, inviabilizam o aumento da produção.

Resta somente um perigo, a Arábia Saudita. O reino, com suas dezenas de príncipes e com uma voracidade de dólares para sustentar toda a família real, pode simplesmente pensar em aumentar a sua produção para gerar receitas. A produção de petróleo da Arábia Saudita está estagnada a anos. De forma confortável, ela gera riquezas e satisfaz o “status quo” local. Porém, isso é garantido pelo atual Rei, ninguém sabe qual e como será o próximo! 

Há pouco, se começa a, de um lado para outro, ouvir-se vozes de príncipes contra a brutal e medieval dinastia saudita, algo muito conveniente. Prepara-se com tempo o próximo Rei; um Rei talvez mais permeável aos ditames norte-americanos e que terá uma primeira e grande missão. Desorganizar e diminuir a produção de petróleo da Arábia Saudita através de mais uma longa guerra.

Uma conclusão simples de tudo isso, é que o cerco é contra o Reino Saudita e o objetivo não é conquistar o domínio da produção do petróleo. É simplesmente inviabilizar o seu crescimento.”


FONTE: escrito por Rogério Maestri e publicado no portal de Luis Nassif (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/os-motivos-para-a-intervencao-na-siria).

CHAUÍ FALA SOBRE MANIFESTAÇÕES

Em entrevista à revista “Cult”, a filósofa Marilena Chauí dá sua opinião sobre as “jornadas de junho”, as grandes manifestações que tomaram conta do Brasil no período.

Da Revista CULT n˚ 182

A LUCIDEZ DE MARILENA CHAUI

Por Juvenal Savian Filho

"Não seria possível não ouvir Marilena Chauí a respeito das manifestações de 2013. Pensadora de importância inestimável na história da cultura brasileira, Marilena chamou a atenção nos últimos anos por ter rompido com a mídia. Depois do tratamento imprudente que a maior parte do jornalismo brasileiro deu a questões políticas graves, Marilena decidiu “não falar mais”. Seu silêncio tornou-se insuportável para os grandes veículos de comunicação.


Frequentemente, cronistas dizem: “o que Marilena Chaui pensaria sobre isso?”. É óbvia a ironia da pergunta, usada para dar a entender que o silêncio de Marilena se deve ao fato de ela não ter o que dizer diante dos erros do PT e do governo federal, tão defendidos por ela nos últimos 10 anos.

À CULT, porém, Marilena nunca fechou as portas. Muito pelo contrário. E no último domingo de junho, em plena fase das manifestações por todo o Brasil, ela nos acolheu em sua casa, no fim da tarde, para uma conversa franca na qual ela, não apenas comenta o sentido das manifestações, com também fala com sinceridade de suas críticas ao PT e ao governo do PT. Não o faz, todavia, com amargura ou ressentimento, mas com a força e a coragem de uma mulher lúcida e clara, engajada numa luta que não se perde nem em posições ligeiras nem em novidades fáceis. Com a generosidade que a caracteriza, ela sabe triar o que é bom e o que deve ser questionado, mas sendo sempre movida pelo bem, pela responsabilidade intelectual e pela lucidez de quem tem experiência. Como dizia Maurice Merleau-Ponty, o intelectual é aquele que “levanta e fala”. Mas, muitas vezes, o levantar e o falar têm sido acompanhados de inconsequências que vão desde a incapacidade de análise até ao autoritarismo da arrogância em nome da racionalidade (ou em nome de nada…). Definitivamente, esse não é o caso de Marilena Chauí.

CULT: Qual foi sua primeira reação ao ver tanta gente nas ruas durante as manifestações de 2013?

Marilena Chauí: Um susto! Acompanhei as tentativas de manifestação do “Passe Livre” na USP e vi que o movimento não conseguia mais do que três gatos pingados para escutar. Nem digo participar da manifestação, mas escutar. Imaginei que iriam para a rua com cinquenta, cem pessoas. Então, levei um susto, pois não tinha entendido a relação entre o que eles estavam fazendo, ou seja, a fórmula clássica da mobilização, e o uso das redes sociais. Se eu soubesse que eles iriam usar as redes sociais, não teria me assustado, pois associaria com outros eventos que já vi no mundo.

CULT: E como se deu sua compreensão das manifestações?

MC:
No primeiro dia, pelo menos em São Paulo, as palavras de ordem eram referentes ao transporte. Depois da primeira manifestação, participei do “Conselho da Cidade” convocado pelo prefeito Fernando Haddad. Os representantes do “Passe Livre” foram e falaram. Eles eram cinco e cada um falou 15 minutos. Depois, os conselheiros falaram. Todos os conselheiros pediram a revogação do aumento das tarifas. O secretário municipal de Transportes, Jilmar Tatto, mostrou as planilhas e depois falou o prefeito. Eu imediatamente pensei: se o prefeito revogar, os meninos vão à rua comemorar. Se ele não revogar, vai haver uma passeata não só como a primeira, mas sobretudo com incorporação das palavras de ordem das outras cidades. E não deu outra. Algumas pessoas ficaram perplexas; eu não. Diziam: “Como pode haver manifestação? A inflação está sob controle; o desemprego diminuiu; os programas sociais funcionam; há estabilidade econômica e política!” Ou seja, os temas que sempre caracterizaram as manifestações no Brasil estavam ausentes. Eu não fiquei perplexa no que se refere a São Paulo, porque tenho dito há um bom tempo que a cidade está se tornando um inferno urbano. Está impossível viver nela, seja pelo trânsito, pela indecência do transporte coletivo, seja pela explosão demográfica com os condomínios e shopping centers. Achei compreensível, e, num primeiro momento, pensei que as manifestações iriam girar em torno dos temas urbanos. Mas quando se viraram contra a política, contra a mediação institucional, aí, sim, fiquei com medo, porque já vi esse filme em 1964 e 1969. A gente sabe o que aconteceu nos anos 1920, na Itália, e nos anos 1930, na Alemanha, sobre a recusa da política.

C: Mas se falou muito que Haddad foi ambíguo. Ele disse que não revogava o aumento das tarifas, mas depois revogou…

MC:
Não, ele não foi ambíguo. Ele disse o seguinte: “Se eu revogar, significa que tenho de aumentar o subsídio. Para aumentar o subsídio, vou ter de cortar recursos dos programas sociais. Então, tenho de ver isso com meu secretariado; tenho de analisar onde eu vou mexer para subsidiar e para fazer o corte”. Na verdade, ele pediu um tempo para as pessoas. Não disse que não iria revogar. E foi nessa hora que alguns conselheiros (como os do movimento “Afroeducação”) e os membros do “Passe Livre” disseram que não queriam saber de planilha, que queriam a revogação imediata. Então, não houve ambiguidade. Faltou intuição política, pois Haddad poderia ter dito: “Vou revogar, mas convido imediatamente o ‘Movimento Passe Livre’ para uma reunião comigo e com o secretariado para fazermos um estudo de onde eu vou tirar o subsídio”. Com isso, ele incorporaria o movimento à discussão de outros problemas da cidade e teria sido mais politizador. Haddad deu uma resposta técnica em um momento que pedia uma resposta política.

C: Algumas pessoas dizem que as manifestações tiveram uma deriva à direita. Um dado curioso é que há políticos da oposição, seja de “esquerda”, como os do PSTU e do PSOL, seja de “centro-direita”, como os do PSDB, que se têm servido das manifestações para alimentar um discurso anti-PT e anti-Dilma…Você vê uma deriva à direita ou uma deriva antigoverno?

MC:
Não vejo nem uma coisa nem outra neste momento. Não posso dizer que amanhã não vá ser isso. O que vejo neste momento é que, como o PSOL e o PSTU não têm representatividade social, pois são minúsculos, o crescimento da manifestação de rua fez com que eles julgassem que poderiam se apropriar dela. Não houve liderança de esquerda, mas uma tentativa, desses partidos, de se apropriar de um movimento de massa que seriam incapazes de realizar. A mesma coisa ocorre com a direita, que não tem força de mobilização, operando sempre por lobby e por meio da repressão (basta ver como opera o lobby dos ruralistas contra o MST e os índios). A chamada oposição de centro-direita está caindo pelas tabelas (basta lembrar o que aconteceu com o movimento do PSDB, o “Cansei”), e por isso, depois de investir contra os movimentos de rua por meio da repressão policial, tenta se apropriar deles porque julga que podem desestabilizar o governo Dilma. Afinal, a primeira atitude do Geraldo Alckmin foi chamar a polícia. Na USP, quando há manifestações, a primeira atitude do reitor é chamar a polícia. Não há nenhum vínculo real entre os partidos chamados de oposição, particularmente o PSDB, e os movimentos de massa. Então, o que temos é: o movimento correndo pelo meio e duas tentativas extremas de apropriação.

C: Isso favorece a apropriação pela direita?

MC:
Essa é a minha preocupação. Há elementos que favorecem a apropriação e a manipulação pela direita.

O primeiro é o fato de os manifestantes confundirem o que significa ter uma direção e o que significa ter uma liderança. Como eles se organizam em termos de autogestão e horizontalidade, sem dirigentes e dirigidos, eles identificam ter um rumo com ter um líder. Não percebem que não é a mesma coisa. As manifestações, por enquanto, estão sem rumo; têm palavras de ordem as mais variadas, mas não um rumo, o que as torna fragéis e apropriáveis pela mídia e pela direita.

O segundo elemento é o que eu chamo de “pensamento mágico”: os manifestantes usaram as redes sociais, ou seja, um instrumento do qual são apenas usuários e de que não têm conhecimento técnico aprofundado, nem qualquer controle econômico. As redes estão inseridas numa gigantesca estrutura técnico-científica, econômica e com vigilância e controle geopolíticos [pelos EUA] (o caso que acaba de ser revelado da espionagem norte-americana sobre todo o planeta não pode ser minimizado), de maneira que, sob a aparência de ser uma alternativa libertária, ela também insere os usuários no mundo do controle e da vigilância. Penso que o caso do Egito é um alerta, embora, evidentemente, é um caso que não se compara ao nosso, pois lá a luta está mergulhada nos problemas postos pelas ditaduras e pelo fundamentalismo religioso, e, aqui, se dão numa democracia como luta por direitos. Mas o estopim lá (como em Nova York, na Wall Street) foi o uso das redes sociais. Há ainda outro aspecto das redes que me pareceu muito claro nas manifestações brasileiras, ou seja, como o usuário não conhece bem o modo de funcionamento das redes, e como para ele basta apertar um botão para que coisas aconteçam, passa-se a ter com a realidade uma relação do mesmo tipo: eu quero, então acontece. Como num ato mágico.

C: Sem nenhuma mediação…

MC:
Sem mediação. Essa relação mágica com a realidade está diretamente relacionada com um elemento poderosíssimo da sociedade de consumo e muito usado pelos meios de comunicação: a satisfação imediata do desejo. É uma das raízes da violência, porque anula a mediação, quando, na verdade, o desejo precisa de mediação. No âmbito das manifestações, isso se expressa pela recusa da mediação política. Por que falo em “pensamento mágico”? Porque o fato de que houve longa e difícil negociação em torno da tarifa passa despercebido; é como se o resultado tivesse sido imediato, um passe de mágica. Ora, quando se tira a mediação institucional, o que se pede é a ditadura. Por exemplo, quando vi um rapaz enrolado na bandeira brasileira dizer “meu partido é meu país”, falei comigo mesma: “É algum neonazista que comanda esse menino, pois esse foi o discurso nazista para a supressão dos partidos políticos!”, o que é muito assustador, e ainda mais assustador quando uma parte dos manifestantes espancou e ensanguentou manifestantes de esquerda. Eu sempre digo: a crítica aos partidos brasileiros é justificada, a crítica aos governos é justificada, o que não é justificado é não perceber qual a origem desse sistema partidário, qual é a origem desse sistema eleitoral e como é que se luta contra ele. Não se luta suprimindo os partidos, mas produzindo nova institucionalidade. E não há essa percepção por grande parte dos manifestantes.

Finalmente, outro elemento a ser pensado é o fato de que – ao menos em São Paulo e no Rio – as manifestações de periferia são qualitativamente diferentes das manifestações do centro das cidades. Na periferia, não são manifestações de juventude; ao contrário, há adultos, idosos, crianças e jovens, e as demandas são muito claras. As manifestações do centro das cidades, pelo menos em São Paulo e no Rio de Janeiro, são predominantemente de classe média, e é essa presença que é preocupante, porque sabemos que, depois do “Comício dos Cem Mil”, em 1964, no Rio de Janeiro, a resposta foi a “Marcha da Família com Deus Pela Liberdade”, apoiada por Ademar de Barros (governador de São Paulo) e pelos governadores do RJ, MG e BA. Depois, houve em outros estados. Foi uma grande marcha de classe média para derrubar o governo Goulart, o que aconteceu no dia 1˚ de abril daquele ano. E depois foi a classe média que deu o sustentáculo ideológico e apoio social à ditadura civil-militar. Quando vi, nessas duas cidades, as esquerdas tendo de disputar a rua com a direita, não pude deixar de ter essas lembranças. Isso é muito preocupante.

C: Do que falamos quando falamos de classe média?

MC:
Há um ano, participei de duas reuniões do “Conselho de Desenvolvimento Social”, criado pela presidenta Dilma para pensar o que eles chamam de “nova classe média”. Nas duas ocasiões, minhas intervenções foram no sentido de dizer: não há uma nova classe média, e sim a velha classe média, que cresceu, prosperou, e está aí. O que surgiu no Brasil com os programas sociais que tiraram 40 milhões de pessoas da linha da miséria (garantido-lhes três refeições diárias, moradia e ensino fundamental) é uma nova classe trabalhadora. Não faz sentido usar os instrumentos dos institutos de pesquisa e da sociologia, falando de classe A, B, C, D, E, definidas por renda e escolaridade. É preciso pensar as classes sociais conforme sua relação com a forma da propriedade e do sistema de produção, isto é, os proprietários privados dos meios sociais de produção e os não-proprietários, isto é, a força produtiva, os trabalhadores. Situada fora do poder econômico (do capital) e da organização social (dos trabalhadores) está a classe média, que sonha com aquele poder e tem como pesadelo “cair” na classe trabalhadora. Esse critério nos permite compreender que o que surgiu no Brasil com os programas sociais foi uma nova classe trabalhadora, mas que surge no momento em que vigora o capitalismo neoliberal. Então, ela é precarizada, fragmentada, não possui formas de organização e de referência que lhe permitam ter clara identidade, nem formas de expressão no espaço público. Por isso, é atraída pelas ideologias de classe média, como a “teologia da prosperidade” (do pentecostalismo) e a do “empreendedorismo” (dos chamados microempresários). Mas eu não fui ouvida em Brasília. Depois houve uma reunião final de apresentação de resultados e a equipe técnica continuou com as classes A, B, C, D, E. Disse pra mim mesma: “Sou voto vencido. Vou para casa”. Mas pensei: “Preciso deixar isso registrado”. Então, quando a FLACSO (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais) e o Emir Sader organizaram o livro sobre os dez anos Lula/Dilma, decidi que meu artigo seria sobre a nova classe trabalhadora e a necessidade de uma reforma tributária, de uma reforma política e de uma reorganização dos movimentos sociais. Eu sei que o meu artigo destoa dos outros, que se referem às conquistas reais e importantes desses dez anos, mas eu achei que tinha um dever político. Voltando precisamente às manifestações: se se opera com a noção de uma nova classe média, quais serão os programas que deverão ser implantados para atender a essa classe? Serão programas de estímulo às montadoras, às empreiteiras imobiliárias, às importadoras, aprofundando ao mesmo tempo o consumo, a competição e o isolamento. E faz-se explodir o inferno urbano. Quando falo no inferno urbano, viso essa concepção de que os programas governamentais devem estar a serviço dessa classe média.

C: Isso explica a sua afirmação de que odeia a classe média?

MC:
É.

C: De fato, ter uma casa confortável, andar de avião, comer bem e poder ir ao cinema não são sinais de classe média… É outra coisa querer absolutamente comprar um carro 4×4… É essa classe média que você odeia? Quer dizer, um ideal de consumo que se está construindo?

MC:
Quem ia à Europa nos anos 1950-1960 via trabalhadores dirigindo pequenos carros (na França, o famoso “dois cavalos” da Renault; na Inglaterra, o pequeno “biriba” da Morris; na Itália, o pequeno “cinquecento” da Fiat), saindo de férias com a família (em geral para alguma praia), fazendo compras em lojas de departamento populares, enviando os filhos a creches públicas e, quando maiores, à escola pública de primeiro e segundo graus, às escolas técnicas e mesmo às universidades; também via os trabalhadores tendo direito, juntamente com suas famílias, a hospitais públicos e medicamentos gratuitos, e, evidentemente, possuíam casa própria. Era a Europa da social-democracia e da economia keynesiana, quando as lutas anteriores dos trabalhadores organizados haviam levado à eleição de governantes de centro ou de esquerda e ao surgimento do Estado do Bem-Estar Social, no qual uma parte considerável do fundo público era destinada, sob a forma de salário indireto, aos direitos sociais, reivindicados e, então, conquistados pelas lutas dos trabalhadores. E não viria à cabeça de ninguém dizer que os trabalhadores europeus haviam passado à classe média, como se diz hoje dos trabalhadores brasileiros, após 10 anos de políticas de transferência de renda. Mais do que isso, a classe média conservadora (não falo da parte da classe média que se alinha à esquerda) não tolera isso, grita e espuma contra esses direitos dos trabalhadores. É por isso que eu falo nas “três abominações” que definem essa classe média: trata-se de uma abominação política, porque é fascista; uma abominação ética, porque é violenta; e de uma abominação cognitiva, pois ela é ignorante. Eu acho que muito do que as ruas mostraram no Brasil inteiro foram essas três abominações. Não estou celebrando, diferentemente de vários dos meus colegas, que estão dizendo que “um novo Brasil começa”, que nada será como antes, que “o gigante acordou”… Pelo contrário, para quem viu a disputa desigual pelo direito à rua entre os manifestantes de esquerda e de direita, talvez valha a pena lembrar o que escreveu Espinosa: não rir, não lamentar, não detestar nem compactuar, mas compreender.

C: Criticando esse ideal de classe média, você critica o governo federal. O que você diria, então, sobre os comentários que a tomam por alguém de postura fisiológica, cega para os problemas do PT e fascinada pelo fetiche do PT?

MC:
Vou contar dois episódios. Quando eu estava ainda no governo da Erundina (1989-1993), já no final da administração, houve um congresso do PT. Eu fui no último dia, quando havia deliberações e moções para apresentar na assembleia geral. Entrei na primeira sala, sentei. Disseram algumas coisas. Não concordei e levantei a mão. A pessoa que estava dirigindo os trabalhos disse: “A companheira é delegada”? Eu disse: “Não”. “Então a companheira não pode falar”. Pensei com meus botões: “Entrei na sala errada. Esta não é uma sala petista. Deixe-me sair”. Saí. Entrei numa outra sala, discutia-se outra coisa. Também tive uma discordância e levantei a mão. A pessoa que dirigia me perguntou: “A companheira é delegada?” Eu disse: “Não, mas já participei de tanto Congresso do PT em que a gente fala… Eu não vou votar, porque eu não sou delegada, mas eu vou falar”. “Não, a companheira não pode falar”. Esse congresso era num lugar que tinha um pátio imenso interno grande. Fui, então, para o meio do pátio e comecei a gritar: “Destruíram o PT! O PT acabou! É preciso refazer o PT!”. Fui levada para fora do recinto, porque “a companheira não estava entendendo o congresso”. Bom, eu venho do período em que o PT era a reunião de movimentos sociais e populares, “Comunidades Eclesiais de Base”, movimentos sindicais, exilados políticos, ex-guerrilheiros, estudantes, professores, escritores, artistas… Nós formávamos o partido e discutíamos tudo; decidíamos tudo. Quando vi o formato que tinha tomado, falei: “virou uma máquina burocrática”. Tanto que, embora filiada e defensora do “participo”, não participo de mais nada no interior dele, desde 1993, porque não concordo com essa estrutura. Segundo episódio: quando ocorreu o “Mensalão” e houve toda a crise, surgiu um grupo que propôs a refundação do PT sob a liderança de Tarso Genro; é um grupo que se chama “Mensagem ao PT”. Eu participo desse grupo, que é completamente autônomo. De vez em quando, temos uma ideia e comunicamos uns aos outros. O Juarez Guimarães fez um livro chamado “Leituras da Crise”. Lá se encontra minha análise crítica do que aconteceu com o PT: máquina burocrática, máquina eleitoral, sem participação das bases, afastado dos movimentos que deram origem a ele e que o fizeram crescer; portanto, um partido que precisa ser refundado. Dizer que eu estou cegada pelo PT, dizer que eu não faço críticas ao PT é coisa de gente que não lê a literatura política. Basta ler a revista “Teoria&Debate”, o livro do Juarez Guimarães e os artigos que eu publiquei mundo afora para ver que sou extremamente crítica. Mas o fato de eu ser crítica não significa que invalido o partido que vi nascer e que foi a condição do estabelecimento da democracia no Brasil, porque foi o único que introduziu a ideia de direitos sociais, políticos e culturais, pois a democracia se define pela criação e garantia de direitos novos. Eu não abro mão disso. O partido não me traiu (como dizem os que o abandonaram). Ele me encoleriza, me enraivece. Eu quero fazer outro com ele, mudá-lo de cima abaixo. Mas sou petista. Isso faz parte da minha história política, da minha luta e do enorme respeito que tenho pelos grandes militantes ao longo de sua história.

C: O que você diz sobre as críticas ao governo do PT?

MC:
Vamos começar pela questão da moralidade. Quando houve a crise do “Mensalão”, escrevi um artigo para a página 3 da “Folha de São Paulo” (foi meu último artigo para a “Folha”), em que eu dizia o seguinte: uma visão moralista fala de ética na política. Uma visão efetivamente ética tem que falar em ética da política. A ética na política é a transposição de valores privados para o espaço público; a ética da política é a criação de instituições que tenham valores democráticos e republicanos. Faz mais sentido defender a ética da política, porque se há boa qualidade das instituições, não vai poder haver corrupção, pois a corrupção decorre das péssimas qualidades das nossas instituições, que não são verdadeiramente republicanas nem verdadeiramente democráticas. Eu dizia, naquele artigo, algo que tenho dito desde 1994: que era necessário fazer uma reforma política. Nós herdamos da ditadura o pacote de abril de 1975 do general Golbery (do Couto e Silva). Esse pacote, que transformou os Territórios em Estados, dividiu o Mato Grosso, dividiu o Piauí, o Pará, enfim, rearrumou o país, tinha como finalidade garantir a maioria para a ARENA e impedir a ação política do MDB. Dessa decisão, vieram os casuísmos, o sistema eleitoral e a forma completamente absurda da representação dos estados que não leva em conta a densidade demográfica de cada estado da federação. Um dos articulistas da “Folha” respondeu, dizendo que eu era fisiológica com relação ao PT e que eu era uma comadre do governo. Nunca mais escrevi na “Folha”. Então, desde 1994 e 2004, eu bato na tecla da reforma política. Por outro lado, me chamar de fisiológica é muito engraçado, porque nunca tive cargo no partido. Ocupei a Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo no governo da Erundina (aliás, eu havia recusado, explicando a ela que não podia, não devia nem queria o cargo; mas ela foi mais persuasiva…). Quando me perguntam: “Você tem uma ideia do que poderia ser o inferno?”, digo: “Sim. A Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo”. Essa experiência foi, para mim, uma violência metafísica. Não tenho cargo em governos. Não tenho cargos no PT. Não represento nenhum político de coisa nenhuma. Eu sou fisiológica no quê? Isso é o que eu chamo de “abominação cognitiva”, que significa ausência de análise e uso de uma expressão qualquer que não designa realidade nenhuma. Quer dizer, “fisiológica” no quê? Nas surras políticas que eu levo? Porque o que eu apanho por ser petista e defender o PT e o governo não está no gibi! Já me chamaram de tudo. Só não fui chamada de santa, querubim e duende. Então, é fisiologismo que eu tenha princípios políticos e que os defenda como tais? A minha questão com relação à moralidade é: o sistema gerado pelo general Golbery, que organiza os sistemas partidário e eleitoral, impede que qualquer governante eleito para o poder executivo possa governar só com o seu partido e o obriga a fazer coalizões que destroem a estrutura partidária, os programas e metas, levando a uma perda de identidade. O exemplo que eu costumo dar é o caso da Luiza Erundina. Era um governo do PT e do PCdoB. Só. Não tinha coalizões nem “base aliada”. Mas, quando ela deixou a Prefeitura, haviam ficado parados na Câmara Municipal 325 projetos de lei, a “tarifa zero” não passou, e uma série de propostas que foram votadas não foram aprovadas. Alguns políticos influentes pagavam os vereadores. Eu não vou dizer o nome deles, mas vou contar um episódio: quando Erundina apresentou seu primeiro projeto, o José Eduardo Martins Cardoso (atual ministro da Justiça), que era o chefe de gabinete, foi negociar com os vereadores. Havia um vereador, tradicional na casa, que falava pelos outros… Ele fez a seguinte pergunta: “Mas, secretário, o senhor não trouxe a maleta?”. O secretário disse: “Que maleta?”. Ele falou: “A maleta para a gente negociar. Tem um cara aí que já ofereceu para cada um de nós 10 mil dólares. A prefeita cobre?”. Evidentemente, como a prefeita não “cobria”, tivemos 325 projetos de lei que não foram discutidos nem votados. Nós governamos com a cara e a coragem. Ela não conseguiu nenhum empréstimo federal, nenhum empréstimo estadual e bloquearam os pedidos de empréstimos internacionais. Ela governou com os impostos de uma prefeitura que tinha sido quebrada pelo Jânio Quadros. O atual sistema partidário e eleitoral faz com que nenhum eleito para o executivo disponha de maioria no legislativo. Ora, a maioria dos projetos e programas precisa de um legislativo que os aprove. Com o sistema atual, você é forçado às coalizões. Então, precisamos fazer a reforma política. Mas quando alguém propõe uma Constituinte Específica para isso, o que o PSDB diz? Que é golpe! Ele não quer que mude o sistema político! Vem dizer que a corrupção está do nosso lado quando eles não querem a mudança no sistema político? Além do que, com esses legislativos que estão aí, quem vai fazer a reforma política? Tem de haver uma Constituinte Específica. A arrogância moralista não faz uma análise de por que o sistema partidário e o sistema eleitoral são como são. Por que a classe média não saiu às ruas numa manifestação nacional para derrubar o general Golbery e o Pacote de Abril, já que ela quer a ética na política? Não vi nenhum deles na rua. Não ouvi um só grito da parte deles. E, agora, eles gritam contra o efeito daquilo que o Golbery fez como se fosse obra do PT. E não querem que eu fale em abominação política e cognitiva?

C: outro aspecto é a crítica que a esquerda também faz ao governo e ao PT. Por que há, por exemplo, tanta crítica do PSTU, do PSOL e de outros partidos de esquerda?

MC:
Vou fazer uma distinção entre “pensamento mágico” e situação efetiva de vários partidos de esquerda. Começo pelo pensamento mágico. Estive em um debate em que uma participante propôs o “programa mínimo” para os próximos dias: tirar todos os evangélicos dos legislativos, tirar a Dilma, estatizar os bancos, estatizar as empresas multinacionais e aproveitar a crise mundial do capitalismo, que possivelmente é a última. No caso dos mais velhos, porém, o “pensamento mágico” é irresponsabilidade política. É importantíssimo que a sociedade faça críticas e leve o governo em direção à esquerda. O Lula e a Erundina diziam isso: “Para poder governar eu preciso dos grandes movimentos sociais puxando para a esquerda”. Ora, com uma ação e um pensamento mágico, em vez de você puxar para a esquerda e forçar os governos a ir nessa direção, você levanta uma barreira que faz com que ninguém queira ir na sua direção porque ela é tão absurda, irresponsável e ingênua, que ninguém leva a sério. Passo à questão dos vários partidos de esquerda menores (em termos de filiados e de representantes eleitos). Esses partidos não possuem uma base social sólida que lhes dê clara representação nacional. Por isso, existem principalmente sob a forma do discurso intempestivo. Se você perguntar qual é a ação política efetiva que eles realizaram ou que estão realizando, e de alcance nacional, não há nenhuma. Se estivéssemos numa ditadura e eles não pudessem agir, eu calaria minha boca imediatamente. Mas nós estamos numa democracia; portanto, eles podem agir. Mas sua ação é pontual, fragmentada e tem a finalidade (justa e necessária) de marcar presença. Por que isso? Porque é a única forma de aparecer no cenário nacional. Se você tomar os meios de comunicação, vai ver uma coisa interessantíssima. Quando, em termos eleitorais, se achou que Heloísa Helena tinha alguma possibilidade de impedir a eleição da Dilma, os meios de comunicação a promoveram de todas as maneiras, até o instante em que ela fez bobagem, porque ela é despolitizada. Passaram então para Marina. Tentaram usá-la. E quando perceberam que a Marina não iria dar conta, a abandonaram também. Então, há uma espécie de exército político de esquerda que funciona como um exército de reserva que as oposições e a mídia instrumentalizam e, depois de usar, esvaziam.

C: Como você vê o elogio dos movimentos sociais e das lideranças individuais, feito por alguns intelectuais que defendem a superação do modelo partidário?

MC:
Eu acho que falta uma verdadeira análise econômica, uma verdadeira análise de classe e uma verdadeira análise do que seja a democracia. Se você não faz uma análise da forma da propriedade, com base na qual você pode pensar a divisão social; se não pensa a sociedade como contraditória e conflituosa; e, sobretudo, se não pensa como exercício de poderes tácitos e implícitos, nunca vai poder operar no campo político. Porque vai operar no campo político sob a forma de explosão espontânea disto ou daquilo. Como é que se garante a vida de coletividades inteiras, a vida de um país inteiro, à espera de que aqui e ali, como cogumelo, brote um líder que fale isso, outro que fale aquilo? Mas não é só isso! Quem vai realizar o que deve ser realizado? Eu posso sair pela rua e dizer: “É o seguinte: amanhã não quero latifúndio no Brasil, não quero agronegócio e quero o fechamento dos bancos. Ponto”. Aí, eu vou nas redes sociais e conclamo o país para ouvir a minha voz nessa direção. OK. Todo mundo aprova. Mas quem executa? Esses elogios são de uma cegueira muito grave, porque há um universo que é composto pela propriedade, pelas classes sociais e pelas institucionalidades. Como é que se vai operar sem isso? Você pode transformar tudo isso numa outra direção, mas não pode dizer que você vai operar sem isso. Você não está em Atenas! Você não está em Roma! Até Roma virou Império e Atenas teve os 30 tiranos! Eu insisto que precisamos compreender o sistema planetário de controle e vigilância postos pela web e pela internet, no qual o centro está em toda parte e a circunferência em nenhuma, disseminado numa infinidade de máquinas pelo mundo, formando, como explica Paul Mathias, numa nebulosa informacional amplamente insondável, diversamente organizada, às vezes aberta e disponível, mas frequentemente fechada e secreta. A internet nasce numa infraestrutura econômica que ela mantém invisível, aparecendo como um ambiente universal de informação e comunicação globalmente uniforme. Ora, nossa experiência reticular está circunscrita a um número restrito de programas aplicativos que permitem as múltiplas operações desejadas em um número limitado de gestos previstos e uniformes em todo o planeta, sem que tenhamos a menor ideia do que são e significam os protocolos informáticos que empregamos. Ignoramos os procedimentos operacionais que a criaram e a conservam, as leis de sua formação e configuração, sua arquitetura funcional. Por isso, não é possível celebrar as redes sociais como libertárias em si e por si mesmas, dispensando as mediações políticas.

C: Você não teria muita ilusão com o sistema de consulta direta…

MC:
Sou totalmente favorável. Pode-se e deve-se fazer isso. Uma das coisas mais impressionantes dos movimentos sociais e populares dos anos 1970-1980 foi que eles introduziram a noção de democracia participativa e que, portanto, era com base no que havia sido decidido por aqueles movimentos que os representantes agiam. Estabelece-se um tipo de instituição – o movimento social e o movimento popular -, que opera horizontalmente e com autonomia e que garante por meio da democracia participativa a verdade da democracia representativa. O representante é efetivamente o seu representante. Há mil e uma maneiras de assegurar a consulta direta. Mas não arrebentando a institucionalidade. É uma coisa pueril.

C: E há uma espécie de incitação à violência por parte de alguns líderes de movimentos sociais e intelectuais de “esquerda”.

MC:
Olha, existe a violência revolucionária. Ela se dá no instante em que, pelo conjunto de condições objetivas e subjetivas que se realizam pela própria ação revolucionária, se entra num processo revolucionário. E, durante um processo revolucionário, a forma mesma da realização é a violência. O baixo da sociedade diz “não” para o alto e não reconhece a legitimidade do alto da sociedade. Esse é o movimento revolucionário, com a operação da violência no interior dele, porque é um movimento pelo qual se destroem as instituições vigentes, a forma vigente da propriedade, do poder etc., para criar outra sociedade. E isso se faz com violência; não é por meio da violência e do diálogo. Mas tem de haver organização. Primeiro, a classe revolucionária tem de estar organizada e saber quais são as metas e quais são os alvos físicos. Você não quebra qualquer coisa. Eu me lembro de uma frase lindíssima do Lênin em que ele dizia assim: “Há uma coisa que a burguesia deixou e que nós não vamos destruir: o bom gosto e as boas maneiras”. Ora, não estamos num processo revolucionário, para dizer o mínimo! Se não se está em um processo revolucionário, se não há uma organização da classe revolucionária, se não há a definição de lideranças, metas e alvos, você tem a violência fascista! Porque a forma fascista é a da eliminação do outro. A violência revolucionária não é isso. Ela leva à guerra civil, à destruição física do outro, mas ela não está lá para fazer isso. Ela está lá para produzir a destruição das formas existentes da propriedade e do poder e criar uma sociedade nova. É isso que ela vai fazer. A violência fascista não é isso. Ela é aquela que propõe a exterminação do outro porque ele é outro. Não estamos num processo revolucionário e por isso corremos o risco da violência fascista contra a esquerda (mesmo quando vinda de grupos que se consideram “de esquerda”!).

C: De onde vêm as referências filosóficas desses intelectuais?

MC:
Alguns citam Giorgio Agamben; outros, Antonio Negri; outros, ainda, Foucault. Não está claro para mim, porque tenho me ocupado com uma problemática mais ligada aos historiadores ingleses, que procuram saber como se dá o processo de denegação da realidade. Mas tenho um pouco de preocupação com a noção de multitudo de Antonio Negri. Ele parte de Espinosa, afirmando que a multitudo é o sujeito político. O que Espinosa afirma, ao propor a multitudo como sujeito político, é o princípio republicano clássico de que todo poder vem do povo e não pode ser exercido sem ele. Mas, como os humanos são naturalmente seres passionais, eles precisam criar instituições que permitam a convivência sem destruição recíproca, pois, se todo mundo pode tudo (é o que Espinosa chama de direito natural de cada um e da multitudo), ninguém pode nada; a forma da relação será aniquilar o outro, porque o outro é uma barreira ao meu direito e é o meu inimigo. A multitudo é travejada por paixões (medo, esperança, amor, ódio, ambição, inveja, cólera, generosidade, compaixão), ou seja, a multitudo não é a presença da razão no espaço público e é exatamente por isso que a política é instituída como introdução de uma racionalidade prudencial capaz de assegurar que o conflito das paixões não seja eliminado (pois ele define a condição natural dos seres humanos), mas mediado pelo direito coletivo, garantindo um poder que sustente uma sociabilidade segura, pacífica e livre, ou seja, o que Espinosa chama de democracia ou poder popular absoluto. A multitudo espinosana é, ao mesmo tempo, a guardiã da democracia e o maior perigo contra a democracia. Essa contradição é o coração da política. Já a multitudo de Negri não tem conflitos, não é travejada por paixões, não é contraditória, mas é inteiramente positiva. Tudo o que vier dela é bom. Eu digo que as paixões não têm freios, e quando elas estão ligadas à forma da propriedade e ao exercício do governo, você tem de realmente segurar a explosão passional ilimitada. A ideia de uma multitudo essencialmente libertária não foi pensada nem pelos anarquistas. E olha que anarquista adorava o exercício da violência como ação direta!

C: O plebiscito em vista da reforma política pareceria uma forma de fazer falar a multitudo… Mas há intelectuais e políticos de esquerda e de centro-direita que chamam de autoritária a proposta de plebiscito feita pela presidenta Dilma. FHC disse isso. O PSDB está propondo um referendo…

MC:
Claro! Não é uma gracinha? O plebiscito é o uso perfeito da ideia de multitudo, e por isso os críticos querem impedir que as contradições se manifestem e que ela realize o trabalho político dos conflitos. Os críticos tomam a multitudo no sentido de turba enfurecida e manipulável. Politicamente incompetente. É inacreditável. É claro que querem, no máximo, um referendo… Como se nossos legislativos fossem subitamente tomados de consciência republicana e democrática e, por si mesmos, fizessem a reforma política. Estão querendo brincar com a gente? E mais, o plebiscito está previsto na Constituição brasileira. De onde vem que é autoritário? Pelo contrário. É efetivamente uma consulta, uma expressão da democracia participativa e da soberania da multitudo, que para isso precisa ser amplamente informada a fim de poder deliberar.

C: A “Veja” comparou a presidente Dilma com Hugo Chávez…

MC:
Estou esperando a hora em que tivermos manifestações de direita iguais às da Venezuela, Bolívia, Chile, Argentina e Uruguai. O plebiscito pressupõe o direito à informação. Se a sociedade não estiver informada, será manipulada. E sabemos do papel da mídia para produzir a desinformação…Vai ser a próxima batalha.”


FONTE: reportagem de Juvenal Savian Filho publicada na Revista CULT n˚ 182. Transcrita no blog “O Cafezinho” (http://www.ocafezinho.com/2013/08/28/chaui-fala-sobre-manifestacoes/).