segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A NOVA FARSA DO SERRA E A LÍBIA

Serra (esq.) presenteou o vice-primeiro-ministro líbio (dir.) do governo de Khadaffi, Imbarek Ashamikh (Divulgação/Governo de SP)

“José Serra pegou carona na situação da Líbia para espalhar, no Twitter, o terror político contra os adversários. Lula é o alvo. Foi transformado em amigo de Kaddafi, um ditador chamado outrora de “O louco de Trípoli”.

O reingresso de Serra no cenário, após a derrota eleitoral de 2010, tem sido um desastre. Teve um artigo e uma entrevista criticados, surpreendentemente, pelos seus próprios aliados. O ex-candidato tucano parece ter olvidado sua cálida recepção ao vice de Kaddafi, Ashamikh, quando governador de São Paulo.

Em 2009, entretanto, no governo de São Paulo, Serra recebeu amistosamente, como era devido, o vice-primeiro-ministro da Líbia. Imbarek Ashamikh anunciou a disposição do governo Kaddafi de investir no Brasil muitos milhões de dólares.

Esta é apenas mais uma prova de que Serra se desnorteou desde que, em campanha eleitoral no Rio, recebeu uma pancada na cabeça proveniente do impacto de uma bolinha de papel. A consequência percebe-se agora: a vítima sofreu traumatismo moral.”

FONTE: escrito por Maurício Dias e publicado na revista “Carta Capital”. Transcrito no blog do Noblat (http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2011/02/27/farsa-364461.asp) [imagem do google adicionada por este blog].

ÍNTEGRA DA ENTREVISTA DE GUIDO MANTEGA PARA A “FOLHA”

Em seu gabinete em Brasília, Guido Mantega diz que movimentos do novo governo não significam virada na economia

“PRIMEIRAS AÇÕES DE DILMA PARECEM GOVERNO 'LULA 3', DIZ MANTEGA

Cortes, aumento de juros, reajuste contido do salário mínimo. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, diz que esses primeiros movimentos do novo governo não significam virada na economia, nem choque ortodoxo.

Para ele, há apenas continuidade: "o governo Dilma não é nem parecido nem com Lula 1 nem com Lula 2. É parecido com Lula 3".

Mantega diz, porém, que é hora de um recuo do Estado. As taxas de juros do BNDES vão subir e o ministro espera que as empresas busquem financiamento privado.

O titular da Fazenda afirma que não está puxando o freio de mão da economia, mas acrescenta que o Brasil ainda não tem condições de crescer 7,5% por conta dos gargalos estruturais.

--Folha - Quais as diferenças entre os governos Dilma e Lula?

Guido Mantega -- Tem muito mais semelhanças do que diferenças, por que é um governo de continuidade. Embora os personagens sejam diferentes, cada um tenha as suas peculiaridades, vamos dar continuidade à política de desenvolvimento iniciada no governo Lula. Nossa missão é consolidar o desenvolvimento que foi iniciado no governo Lula. Significa que a estratégia econômica bem-sucedida que foi praticada nesse período continua. Então este governo possui a mesma estratégia econômica. É bom deixar claro, porque tem gente aí fazendo confusão. É a mesma estratégia, porém aplicada a um momento diferente.

--E o que está diferente? Muitos relacionam o salário mínimo, o aumento de juros e o corte no Orçamento a uma virada para um aperto na economia, contrária à toada que vinha até então.

Não tem virada nenhuma, é um equívoco achar que existe mudança na estratégia econômica. O que acontece é que, num período anterior, nós passamos por fases diferentes. Num período de crise, nós combatemos a crise. Então é a mesma estratégia de desenvolvimento. Isso tem que ficar claro. A prioridade máxima era implantar o desenvolvimento, e ele foi implantado. O Brasil já tem crescimento diferente do que tinha no passado.

--Mas por que precisa frear agora?

Acontece que nós passamos por dois anos de recuperação da crise, tivemos um ano com PIB quase negativo, em 2009, e em 2010, um ano de recuperação, que nós tivemos que usar todas as armas que tinha o Estado para consolidar essa recuperação. O que não é uma questão trivial, porque a maior parte dos países do mundo falhou nessa recuperação, até agora não se recuperou.

Aqui no Brasil, a gente acaba simplificando, minimizando que houve uma crise. Muitos colegas seus até esquecem que houve uma crise e dizem: ah, o governo ficou gastando durante dois anos. Mas que história é essa? Nós tivemos a maior crise da história do capitalismo atual e nós tivemos que enfrentá-la e, para isso, usamos todas as armas que tínhamos. Felizmente tínhamos muitas armas. O Estado brasileiro tinha muitas armas. Talvez até mais que o Estado americano. E nós as usamos nesse período.

Então nós implantamos vários estímulos à economia que implicaram gastos maiores do governo. Implicaram subsídios, desonerações, tudo aquilo que nós fizemos. Quando a economia começou a dar sinais de recuperação, nós já começamos a eliminar os estímulos. Se você olhar o primeiro trimestre de 2010, eu já estava tirando a desoneração do IPI, já estava caindo. Quando a economia deu sinais de solidez, de que ela estava recuperada, nós tínhamos voltado àquele patamar de 2007/2008. Quando o Brasil já estava numa trajetória de desenvolvimento sustentado, nós passamos a retirar os estímulos. Isso se chama política anticíclica. Eu repito isso à exaustão, mas parece que alguns não entendem.

--Mas agora a questão é frear a economia. Por quê?

Justamente. Porque como a economia já adquiriu o seu dinamismo próprio, então o Estado pode recuar. Isso é clássico, está em livro-texto, não estamos inventando nada.

-- Mas não é só um recuo. O salário mínimo, por exemplo...

Este ano nós estamos acabando de eliminar todos os estímulos que foram introduzidos ao longo desse tempo, o que significa diminuir o gasto público, que tinha aumentado mais do que o normal, e reduzir despesas de um modo geral, reduzir subsídios, o BNDES vai subir as taxas de juros, que elas tinham baixado para estimular a economia, com subsídio do governo federal. Porque nós equalizamos, significa que pagamos a diferença entre o custo deles e as taxas de mercado. Agora nós estamos recuando nisso. É absolutamente normal, porque a economia já está sólida. Como nós temos segurança de ela vai seguir, então nós estamos reduzindo as despesas. O salário mínimo não é uma redução de despesa, é o cumprimento de um acordo que foi firmado no passado e que nós queremos cumprir. E que tem que valer para os dias bons e para os dias ruins também.

--Sobre o salário mínimo, a presidente durante a campanha e no seu discurso de posse enfatizou muito a questão do combate à miséria como a prioridade zero desse governo. Essa decisão de arrochar o salário mínimo, pois ele não teve praticamente nenhum ganho real, não vai de encontro a esse objetivo maior de combater a miséria?

Não sei em que país estão arrochando o salário mínimo, mas certamente não é no Brasil. Porque nós estamos praticando uma política de valorização do salário mínimo, que teve sua maior elevação no período do governo Lula, nos dois mandatos, e o que nós estamos é afirmando a política de valorização do salário mínimo. Não tem arrocho nenhum. O que tem é uma regra que foi estabelecida e que nós queremos cumprir. Os R$ 545,00 são resultado dessa regra. Não tem arrocho nenhum. Nós estamos corrigindo a inflação, aliás até um pouco acima da inflação média, que é 6,3%. Significa que ele mantém o poder aquisitivo.

Agora, essa política de salário mínimo tem que ser vista no bojo das políticas de desenvolvimento do governo. Ela não é única política. Ela faz parte de várias políticas que aumentaram o emprego no país e o salário médio de toda a população. Porque o que o governo queria não era só aumentar o salário mínimo, mas criar condições para que os salários subissem no país, como de fato subiram. Agora é muito importante que a gente estabeleça regras e acordos e cumpra esses acordos. Uma das características do governo Lula e que certamente será mantida no governo Dilma é o cumprimento de acordos, é o cumprimento de contratos. Nunca rompemos contratos, acordos, seja lá com quem for, seja com os empresários, seja com os trabalhadores. Aqui nós estamos cumprindo um acordo com os trabalhadores.

--Mas os trabalhadores reivindicavam um reajuste maior. O salário mínimo hoje é a metade do que era em 1940.

Acho que é função dos trabalhadores reivindicar cada vez mais. Até a oposição começou a reivindicar algo que nunca deu quando teve a oportunidade de dar. Acho curioso essas manifestações de dar R$ 600. Então por que não deram quando estavam no governo? E não deram. Aí de repente tem espaço fiscal. Então nós somos muito coerentes. Nós mantemos a nossa linha de coerência. Foi feito um acordo, uma modalidade que beneficia os trabalhadores, mas também dá um horizonte de despesa, porque nós não podemos trabalhar com a despesa ao sabor de pressões. Isso é muito importante. Nós somos um governo que é responsável. Assim como nós queremos o crescimento, nós temos que olhar também para a solidez fiscal.

Aliás, nós zelamos pela solidez fiscal ao longo de todo esse período, desde 2003 até 2010 zelamos. E o sinal que nós estamos dando é de que nós continuaremos a zelar pela solidez fiscal. É claro que quando teve a crise, nós tivemos que diminuir o [superávit] primário, como o mundo inteiro fez. E agora nós vamos voltar ao que era antes e para isso nós temos que controlar certas despesas. O salário mínimo impacta a Previdência. Então, se você exagerar na dose...

Se nós fizéssemos o que a oposição queria, aumentar para R$ 600, nós teríamos um gasto adicional de R$ 19 bilhões este ano. Eu acho que aí seria uma irresponsabilidade fiscal. Não dá para acrescentar uma despesa de R$ 19 bilhões no momento em que nós estamos reduzindo despesas.

--E sobre os cortes? Há quem diga que os cortes também vão de encontro a essa política de desenvolvimento. Os cortes no orçamento vão atingir os investimentos? Os cortes no custeio geralmente afetam os mais pobres.

Essa redução dos gastos no setor público é porque nós achamos que os gastos do setor privado, a demanda do setor privado é suficiente para manter a economia num ritmo de crescimento satisfatório em torno de 5%. Essa é meta, a previsão do governo, manter 5%. Então isso não tem nenhuma semelhança com políticas feitas no passado, de ajuste fiscal, daqueles ajustes que derrubam a economia.

--Qual a diferença?

A diferença é que nós agora estamos tirando o impulso adicional que foi dado. Mas nós estamos mantendo os investimentos. Nós estamos mantendo o estímulo a investimento privado, o que é muito importante.

--Mas o Sr. não disse que vai aumentar a taxa de juros no BNDES? Isso não vai ter impacto no investimento?

Mas nós acabamos de fazer medidas desonerando debêntures do setor privado no final do ano passado. Fizemos várias medidas.

--Mas a economia vai encolher e isso não é um estímulo a investimento.

A economia não vai encolher. Quem fala isso não entendeu.

--A economia vai reduzir o ritmo de crescimento.

A economia está crescendo desde 2004, o que é algo inédito. Ela teve um decréscimo na crise, um ano apenas. Ela decresceu 0,6%. Futuramente isso vai ser revisado, acredito até que tenha não sido tudo isso. E ela voltou a crescer em 2010. E ela continuará. Alcançamos um outro patamar de crescimento. O Brasil é hoje um país de 4,5%, 5% de crescimento.

--O Brasil nunca poderá ser como a China e crescer 10%, 12%?

Não, porque..

--Por que não?

Não. Não sei se nós vamos poder ser como a China. É que a China é um país completamente diferente, num outro nível de desenvolvimento. Metade da China é agrária, o Brasil já não é.

--Mas para atacar a pobreza não deveria haver mais investimento?

O Brasil em 2002 estava entre os países de crescimento moderado, Estados Unidos e Europa crescendo pouco. A Ásia já despontava como uma potência emergente. Nós colocamos o Brasil na liderança do crescimento.

--Depois da China e da Índia.

Hoje o Brasil é um dos países que tem liderança. O crescimento de 5% este ano será o terceiro ou quarto entre os países emergentes.

--Por que o Sr. acha que não dá para continuar no ritmo de 7,5% e tem que reduzir?

7,5% foi um crescimento excepcional que se sucedeu a um ano com zero de crescimento. Você tem que olhar a média. O Brasil ainda não tem condições de crescer a 7,5%, ele terá. Porque você pode ter pontos de estrangulamento. Se você continuar crescendo a 7,5%, sem ter passado por uma crise. Ou seja, quando deu a crise você teve capacidade ociosa etc e tal. Mas, se você continuar crescendo exageradamente, você tem falta de mão de obra, falta de infraestrutura. Tudo isso nós não temos no Brasil, é bom deixar claro.

Agora, se a gente insistir, se a gente deixasse nessa toada aí, nós poderíamos nos defrontar com pontos de estrangulamento. Então, como nós trabalhamos para um crescimento sustentado equilibrado, nós moderamos o crescimento, não derrubamos o crescimento. Essa é a diferença. Então não é um ajuste fiscal clássico, conservador, igual àquele que você já viu no Brasil várias vezes. É um ajuste que mantém os investimentos, que mantém a economia crescendo, mantém o estímulo ao setor privado. Para nós, o mais importante é o investimento total do país. É bom deixar claro. O Estado só investe onde o setor privado não tem condições. Então, nós tivemos que aumentar investimento, principalmente em infraestrutura para não deixar criar gargalo. Energia elétrica, meios de transporte etc. Nós tivemos que aumentar porque era muito baixo no Brasil.

Agora, se o setor privado puder cumprir essa função, nós ficamos agradecidos. E o Estado vai cuidar de outras questões. O importante é ter a garantia de que vai haver o investimento. No ano passado o crescimento do investimento no Brasil cresceu mais do que na China. O crescimento do investimento sobre o ano anterior foi mais de 20% cresceu mais do que na China, que cresceu uns 13%. É claro que o investimento na China como proporção do PIB é maior do que o do Brasil. Investimento total, público e privado. Para mim não interessa se é público ou privado. Não interessa a cor do gato, interessa é que ele consiga comer o rato. Nós queremos comer todos os ratos. O investimento vai continuar crescendo no Brasil. O governo continuará criando as condições para o investimento e vai manter o investimento público. Só que ele não vai crescer tanto quanto cresceu em 2010 em relação a 2009.

Essa é uma diferença. Ele não vai crescer tanto porque não precisa crescer tanto. E porque poderia comprometer as contas públicas se crescesse mais. Essa é a arte da política econômica: crescer com equilíbrio. Se você exagera no investimento, mesmo que seja público, pode criar um problema fiscal e nós não queremos. Então nós vamos até onde não se cria um problema fiscal. E seguindo a trajetória de contas sólidas. O Brasil é um dos países que tem as contas mais sólidas do mundo. O nosso déficit nominal é um dos menores do G20. É o segundo ou o terceiro menor do G20. Melhor que o nosso, só o da Arábia Saudita, mas...

--Mas a inflação também um temor nesse quadro? Quanto o Sr. está preocupado com a inflação?

A política antiinflacionária deste governo é exatamente igual à do governo anterior, que era nosso mesmo. Ou seja: não vamos descurar da inflação em nenhum momento. A inflação é ruim porque prejudica principalmente os trabalhadores e o nosso governo procurou beneficiar fundamentalmente os trabalhadores brasileiros.

--Embora outros setores tenham se beneficiado. Acabaram de sair os dados sobre os lucros dos bancos...

Esse é o sucesso do nosso governo. Nós conseguimos beneficiar a população como um todo. Mais os pobres e menos os banqueiros. Mas nós beneficiamos pobres e banqueiros. Não é uma beleza? Outro dia eu vi um desses analistas aí, que cobra uma fortuna para fazer aquelas análises bastante discutíveis, que dizia: olha, o governo está errado, porque ele estimulou o mercado interno, deu crédito e deu crédito para os banqueiros, deu mais crédito para a indústria. Então ele achava aquilo incompatível. Não, é uma inovação. Nós conseguimos beneficiar toda a sociedade, porque quando o país cresce bastante em geral todo mundo se beneficia. Só que se você olhar as análises do Marcelo Neri, o setor cuja renda mais subiu foi o setor de baixa renda.

--Mas aí o Sr. está falando só da renda do salário, o que é uma coisa limitada.

É, mas é alguma coisa. Antigamente era assim: concentrava a renda do trabalho e ainda tinha renda do capital.

--Mas a percentagem da renda do trabalho na massa total diminuiu.

Mas quem cria emprego no sistema capitalista são as empresas, são investimentos. Então não dá para fazer esse milagre de gerar emprego e ao mesmo tempo expropriar os empresários. Eu nunca vi, não conheço.

--Mas o papel do governo é justamente trabalhar nessa composição.

E nós não fomos bem-sucedidos?

--Eu faço perguntas. Esse início do governo Dilma está mais parecido com o Lula 1, que foi de aperto? O governo começou aumentando juro, não aumentando tanto o salário mínimo, fazendo cortes. Isso tudo não é, de alguma forma, uma transferência dos mais pobres para os mais ricos, já que o superávit que se busca é para pagar os juros?

O governo Dilma não é nem parecido nem com Lula 1 nem com Lula 2. É parecido com Lula 3. É um governo que tem condições totalmente diferentes do Lula 1 porque naquele momento nós encontramos um país em condições econômicas muito complicadas. Não tinha reserva, 17 bilhões de dólares de reserva própria, não tinha dinamismo, o crescimento era pífio, o país era dependente, dependia dos favores do fundo monetário. A economia estava bastante desarticulada naquele período, estava em crise. Então, a resposta econômica que nós demos foi para enfrentar aquela situação. A situação hoje é completamente diferente. Então não tem paralelo. Se você quiser um paralelo, é mais parecido com Lula 2, porque já tínhamos resolvido esses problemas que nós encontramos, saneado a economia, controlado a inflação e aí passou a apostar mais no desenvolvimento.

--Mas esse freio de mão que está sendo puxado...

Então Dilma 1 é parecido com Lula 2 porque não está sendo puxado o freio de mão, isso é um engano. É um engano. Não está sendo puxado. Nós estamos trabalhando para um crescimento de 4,5%, 5% este ano. O Brasil, se crescer 4,5%, 5% ele terá tido um crescimento historicamente ímpar, porque se você pegar o período anterior ao nosso era 2,7% de média. Então 5% está ótimo. Se você olhar as projeções do PAC nós nunca colocamos mais do que 5,5%. Porque a gente acha melhor ir crescendo de forma sustentável. As pessoas resistem a essa ideia do anticíclico, que nós implantamos no Brasil, que é uma modalidade de gestão fiscal e econômica que eu já tinha implantado em 2007 e 2008. Vocês não perceberam.

Mas em 2008, por exemplo, a economia já estava aquecendo. E a economia é assim. A economia não é ser inerte, que se move de acordo com os desejos do governo. É um ser vivo, dinâmico, que não responde exatamente 100%. Então, em 2007 nós demos vários estímulos para a economia. Estimulamos o investimento, aumentamos o crédito, a economia reagiu bem. Em 2007 nós crescemos 6,1%. Em 2008 estávamos crescendo uns 6,5%. Aí veio a crise e crescemos menos. Mas quando começou 2008 nós achamos a economia estava tendendo a aquecer bastante. Porque, diga-se de passagem, a economia brasileira é muito dinâmica, ao contrário de outros países, europeus etc., reage bem a estímulos. Então nós começamos a segurar um pouco os estímulos.

Eu aumentei o IOF para encarecer um pouco o crédito, o BC subiu taxas de juros etc., para dar uma moderada na economia. Essa é a função do governo, fazer ajustes na economia. A economia não é uma máquina, não é um carro que você vira a direção e você vai. É uma máquina complexa que tem que ser monitorada e tem que passar por ajuste o tempo todo. Assim, se ameaça subir a inflação, se sobe o juro... Nós fazemos essa operação. O ano em que a economia acelera um pouco mais, depois a gente desacelera, se ela desacelerar a gente acelera, esse é o papel do governo, de modo a termos uma estabilidade de crescimento razoável.

Nós temos apresentado as projeções: 5% em 2011, 5,5% em 2012, 6,5% em 2013 e 6,5% em 2014. Então a gente vai ganhando capacidade de crescimento. Com mais investimento, a capacidade da oferta aumenta, a produtividade aumenta, nesse meio-tempo você vai aumentando a oferta de energia elétrica, os portos, a infraestrutura etc., não cria gargalos. O segredo é não deixar criar gargalos na economia, para que ela possa crescer de forma harmoniosa e sustentável. E é isso que nós estamos fazendo agora. Então nós vamos continuar o crescimento. O emprego vai continuar crescendo no país, talvez não àquela taxa do ano passado, porque ela foi muito forte.

--A inflação está preocupando?

A inflação é uma preocupação permanente aqui no Brasil. Desde que o Maílson da Nóbrega deixou a inflação em 89%, a gente se preocupa. Mas ela está sob controle.

--Qual a origem da inflação neste momento? É essa especulação com as commodities?

Com certeza. Alimentação e bebidas foi o que mais subiu. Há uma combinação de fatores. Você teve também um aumento da demanda mundial por alimentos. A China, a Índia, o próprio Brasil estão comendo mais. O Brasil não tem falta de nenhum desses produtos, por isso não é uma questão de oferta. O Brasil hoje é o país agrícola mais produtivo do mundo. A gente aumenta a oferta aqui com tranquilidade. Só que o preço não é fixado aqui, O preço do trigo é fixado em Nova York, Chicago, Hong Kong, no mercado de derivativos, no mercado futuro.

Nós não estamos reclamando porque nós estamos faturando também com isso. As commodities agrícolas subiram 40% em 2010. Isso vai para preço de todo mundo. Os metais também subiram, até um pouco mais, acho que 46%. O petróleo também acompanhou um pouco isso. Agora é um momento especial, que pode não se prolongar. Mas não há falta de petróleo. Em 2008 havia um crescimento da economia global e a questão era de demanda. Agora não é questão de demanda aquecida. Aqui tem oferta. O problema é de abastecimento, conseguir o abastecimento. O principal fator de elevação da inflação mundial são as várias commodities, principalmente alimentos.

Mas não é só isso. Todo o mês de janeiro nós temos dois preços que se elevam: escola e transporte. A boa notícia é que já está caindo. O que puxou para baixo? Alimentos. O que puxou para cima? Transporte e educação. Tem um quarto fator que é o sistema terciário, o comércio, que está aquecido, é verdade. A economia com 7,5% dá uma aquecida. O cuidado que nós temos que ter é não deixar que haja uma difusão da inflação, que vai reverter.

--Se a inflação está sob controle por que é preciso cortar?

Eu falei que tem que cortar por causa da inflação?

--Não, não falou. Mas existe a visão de que como a inflação estava preocupando, então tem que cortar.

A inflação no Brasil está mais controlada do que na maioria dos outros países. A inflação brasileira é menos volátil do que a média dos países. Isso é uma coisa nova que você podia publicar, porque coisas boas ninguém publica. Índia está com inflação mais alta que o Brasil e mais volátil. A volatividade é ruim para a economia. A inflação é mais controlada no Brasil do que nos outros países. O Brasil está abaixo da média variação inflacionária do mundo. Há um problema mundial. Como a economia brasileira começou o ano passado bastante entusiasmada, procuramos acalmar e tomamos várias medidas. Ao longo de 2010, eu vim eliminando quase todos os estímulos. No final do ano, o BC pôs em prática o que a gente chama de medidas prudenciais, que subiram as taxas de juros. Isso nós combinamos. Essas medidas já diminuíram o crédito para automóveis. O juro desse crédito passou de 19% para 23%. O crédito ao consumidor de 41% para 49%. A economia já está se ajustando para um ritmo menor, que é o que nós queríamos. A economia já está menos aquecida. Além disso, o BC subiu os juros também.

--O Sr. está defendendo a alta dos juros agora, ministro?

Quando é necessário, você tem que elevar os juros. Eu sou contra você manter juros artificialmente altos desnecessariamente.

--Mas o Brasil não tem juros absurdamente altos?

E sou favorável que suba os juros quando há problema de inflação. Não que esses juros aí tenham ajudado a diminuir. Eu acho que as medidas prudenciais e o aumento do compulsório, que são na veia e que foram tomados também pelo BC, são mais efetivas. E subiram os juros. O juro subiu 8 pontos percentuais para o consumidor graças às medidas prudenciais. A elevação dos juros também serve para as expectativas. Os juros são muito altos no Brasil? É verdade. Só que já foram muito mais altos. Estamos numa trajetória de redução de juros há pelo menos 8 anos.

--Mas agora inverteu.

Não inverteu. É que você tem que olhar a tendência. Juro não pode ficar amarrado. Não é dizer, olha, ele vai descer sempre. Juro é um instrumento de combate conjuntural. Então você tem que ter a liberdade de num determinando momento, um determinado mês, dois meses, três meses, o juro sobe e depois ele desce. O que eu quero dizer: sim, o Brasil ainda tem uma taxa de juro elevada, porém ela vem diminuindo ao longo do tempo e ela continuará diminuindo. Porque nós estamos aperfeiçoando a relação entre política fiscal e política monetária. Nós estamos dando um "upgrade" nessa política. Nós já demos no governo anterior, ela já melhorou muito, tanto que os juros já caíram. O juro real no segundo governo Lula: chegamos a 4%, 5%. No passado, era no mínimo 10%, 11%. Então já avançou muito. Vamos avançar mais porque nós estamos amadurecendo a política fiscal e monetária, caminhando para um patamar ainda melhor do que já foi. E com essas medidas que nós estamos fazendo, nós estamos abrindo espaço para que, depois de passado esse surto inflacionário momentâneo agora, para o BC tenha as condições de baixar os juros.

--E isso o Sr. espera que aconteça neste ano?

Eu prefiro não dizer. Quando for possível, quando o BC achar que houver condições, ele o fará e nós estamos criando essas condições com essa redução da demanda do Estado e dos gastos públicos, nós estamos abrindo espaço para que os juros possam cair no momento em que for considerado adequado. Não agora, evidentemente. Porque agora nós ainda temos uma pressão inflacionária, que vai se dissipar. Quando ela se dissipar, quando a inflação estiver indo mais próximo do centro [da meta], o BC deverá reduzir o juro.

--Sobre expectativas. Aumento de juros, cortes para pagamento de juros...

Como os cortes vão para o pagamento de juros? Os cortes vão para fazer o [superávit] primário.

--Então. Mas o primário não é para pagamento de juros?

O primário é pagamento da dívida.

--O corte é para garantir o pagamento de juros.

Mas você queria que o Brasil fosse caloteiro, não pagasse juros, está sugerindo isso?

--Não, Eu não quero nada, não estou sugerindo nada. Só estou descrevendo a situação.

Não, é também para reduzir a dívida, como a relação dívida X PIB.

--O objetivo dessas medidas (salário mínimo, juros, cortes) é sinalizar que o governo da presidente Dilma é simpático aos mercados? Tudo isso é um receituário mais ortodoxo. A presidente está preocupada em ganhar a simpatia desses setores da elite?

Isso eu queria deixar muito claro: não é um receituário ortodoxo. Eu como ministro da Fazenda jamais praticarei um receituário ortodoxo. Escreve. A minha biografia não muda, eu nunca mudei. Continuo exatamente um desenvolvimentista. Agora isso não significa que eu não seja responsável do ponto de vista fiscal. Eu como ministro da Fazenda fiz o maior superávit fiscal dos dois governos Lula, que foi em 2008. E que eu fiz um fundo com a poupança fiscal. Isso não é da ortodoxia. Todos os governos do mundo, com exceção talvez dos Estados Unidos, países que não praticaram esse equilíbrio fiscal, de esquerda e de direita, adotaram a responsabilidade fiscal. Todos os países emergentes, desde a China. Você não vai dizer que a China é ortodoxa, né? A China tem responsabilidade fiscal. A Índia tem um equilíbrio fiscal menor, mas tem uma poupança elevada.

Governos de esquerda e de direita adotaram há algum tempo o princípio da solidez fiscal. Isso aqui não tem nada a ver com ideologia. É bom que fique claro. Eu costumo entregar o primário com o qual me comprometo. Isso não tem nada de ortodoxo, tem de sustentável. Porque se você não cumprir, você será penalizado. Se você disser: agora eu vou torrar o dinheiro, vou aumentar o investimento, vou gastar tudo, não vou me preocupar. Você vai ter logo adiante um desequilíbrio, o risco país sobe, as taxas internacionais em relação ao Brasil sobem, a desconfiança aumenta.

--Mas o modelo continua transferindo renda para os mais ricos.

O modelo continua transferindo renda para os mais pobres. O nosso modelo continua igualzinho. A prioridade da presidenta Dilma é a pobreza, é o emprego. O Brasil hoje é um dos países que mais gera emprego no mundo e esse era o objetivo. Ela não está querendo agradar nem A nem B nem C. Ela assumiu compromissos que são os mesmos do governo Lula. O compromisso de fazer do Brasil um país cada vez mais desenvolvido e diminuir a miséria e a desigualdade social.

--Por isso que eu não entendi as primeiras medidas. Com todos esses objetivos.

Essas primeiras medidas do governo são para garantir que o crescimento vai continuar. Porque se você desequilibrar a economia, e dissesse: passou a crise, mas eu vou continuar investindo...

--Passou a crise, o Sr. acha?

Para o Brasil a crise passou. Para o mundo não passou.

--Estou entendendo que a inflação, apesar de ser uma preocupação permanente, ela não é a preocupação maior.

É a preocupação maior do Banco Central. Toda a vez que a inflação sobe, acendem as luzinhas. Eu olho inflação todo o dia, item por item todo o dia. Você acha que não há preocupação? Eu olho para dizer que nós estamos seguros que a inflação está sob controle no Brasil. E continuaremos tomando medidas para que ela continue sob controle.

--Contas externas. É um problema de fundo na economia brasileira?

As contas externas têm que ser também uma preocupação permanente. O crescimento sustentável é um crescimento que se dá com inflação sob controle, com as contas públicas sob controle e com as contas externas também sob controle. Então são três eixos importantes. Nós estamos de olho nas contas externas, no déficit de transações correntes, nós não vamos permitir uma deterioração do déficit das transações correntes. Então, um dos desafios que nós temos é melhorar as contas externas.

--E o que será feito? Com o juro subindo, essa invasão de dólares...

O juro subindo, mas o câmbio está estável. A gente tem feito permanentemente estímulos à exportação, embora com a crise o mercado internacional encolheu. Então é impossível em certas circunstâncias você aumentar a exportação de manufaturados, porque está sobrando manufaturado no mundo. Todo mundo quer exportar manufaturados e tem países que fazem manipulação cambial para conseguir ter preços mais baixos para os seus manufaturados. A gente tem enfrentado tudo isso, nos fóruns internacionais. A gente tem colocado taxas no excesso de capitais no Brasil, não há bolhas no Brasil, nós conseguimos controlar, não há bolha na bolsa brasileira, a gente modera o excesso de entrada de capital. A gente colocou IOF na aplicação financeira, na bolsa, no mercado de derivativos. A gente modera os exageros. Mas é inevitável que entre investimento porque o Brasil hoje é um país sólido e muito atraente.

--Claro, com essa taxa de juros...

Não é por causa da taxa de juros, é porque o país é rentável. O Brasil é um país onde as empresas têm lucro. Não são somente os bancos. Espera para ver o balanço das empresas. Você vai ver que a rentabilidade das empresas brasileiras é alta, porque é um país dinâmico, eficiente, sólido. Então as empresas vêm investir aqui no Brasil. Elas querem se associar às empresas brasileiras. É claro que sempre tem os capitais especulativos que querem ganhar. Esses é que nós combatemos.

--Controle na entrada de capitais é palavrão? E as remessas de lucros? As montadoras, por exemplo, remeteram dez vezes mais do que investiram. As montadoras pegaram o dinheiro subsidiado do BNDES, trouxeram importados pelas matrizes.

Você tocou num setor extremamente bem-sucedido na economia brasileira, o automobilístico. O Brasil passou pela crise, enquanto os outros mercado encolheram, a produção caiu, alguns quebraram, o Brasil, pela sua estratégia, conseguiu manter uma indústria automobilística sólida. O que é bom, porque ela é responsável por mais de 20% do PIB no seu efeito encadeado. Eles fizeram investimentos.

--Mas remeteram muito mais.

Todo mundo remeteu. Por quê? Porque as empresas aqui dentro foram lucrativas. Lá fora deram prejuízos e as matrizes pediram para remeter para preencher os buracos que elas tinham lá. Esse é o preço do sucesso que nós pagamos neste ano. A economia brasileira tinha um mercado interno, nós crescemos mais e até aumentamos as importações. Os outros lá fora não recuperaram os seus mercados e então ficou um desequilíbrio que se refletiu no balanço de transações correntes. Nós aumentamos as exportações também, quase 30%. Mas as importações cresceram mais de 40%.

--Mas as exportações foram mais de matéria-prima.

Não importa. É aquilo que no momento deu lucro. No momento, exportar matéria-prima dá um valor agregado maior do que os manufaturados. Então o que você vai fazer? Você tem que aproveitar a oportunidade. Apostamos na recuperação do mercado de manufaturados. E um outro desafio que nós temos aqui é não deixar a indústria manufatureira ter uma deterioração no Brasil. É estimular as exportações, devolver créditos, combater a concorrência desleal de países, atuar na área cambial. E nós cada vez faremos mais medidas. Neste governo a defesa comercial vai ter uma atenção especial e estímulo à exportação. Nós vamos em breve apresentar.

--Que medidas?

Não vou te dizer porque nós estamos amadurecendo. Isso é uma coisa do novo governo.

--E o controle na entrada de capitais?

O que nós fazemos é uma moderação dos lucros justamente para compensar essa taxa de juros alta que nós temos. A gente meteu 6% de IOF. Nós tiramos metade da rentabilidade. Se o sujeito vem fazer uma aplicação de um, dois, três meses ele perde dinheiro. Se ele vem aplicar na renda fixa ele está perdendo dinheiro com os 6%. Nós tomamos medidas que foram reconhecidas pelo mundo como acertadas para influir no câmbio num momento em que várias economias estão manipulando o câmbio. Nós nos defendemos. Se nós não tivéssemos tomado essas medidas, o câmbio já estaria a R$ 1,45, R$ 1,50.

--Mas essas medidas são suficientes?

Se elas não forem suficientes, outras medidas serão tomadas. Isso inclusive já é um consenso até no G20. No penúltimo relatório está lá: que os países que sofrem esse tipo de problema podem tomar medidas macroprudenciais. Isso nós é que escrevemos lá.

--E o Sr. acha que isso vai ser necessário?

Se for necessário, tomarei. Mas eu não posso antecipar. Outra questão que você tinha levantado. Outro eixo importante é fortalecer o setor de manufaturados, principalmente bens de capital. O Brasil tem que ter uma indústria de bens de capital forte, porque é ela que gera tecnologias, ela que absorve e difunde novas tecnologias. Nós continuaremos tomando medidas para que aconteça o que aconteceu no passado. Setor de bens de capital cresceu 20% no ano passado. Com toda essa concorrência. A indústria cresceu 10,4% no ano passado. Não é pouca coisa num ano de crise.

--Mas a cadeia produtiva não está começando a ficar toda esburacada pela importação de componentes, de materiais. Empresas de tecidos que fecham e importam tecido pronto só para botar a marca. O Sr. acha que há risco de desindustrialização? Apesar do resultado ser positivo, no meio da cadeia os subsetores não estão sendo destruídos?

Algumas importações de fato causam algum estrago. Agora não podemos ignorar o fato de que nós vivemos numa economia de concorrência. Nós aceitamos as regras da OMC, alguns setores sofrem concorrência. A que nós combatemos é a desleal, aquela concorrência que vem com subfaturamento, que vem com subsídio disfarçado, que vem com manipulação cambial. Essa nós queremos combater e vamos tomar medidas para combater. Agora existe uma concorrência que é leal, que é normal e que essa você não pode impedir. Isso inclusive é um estímulo para que empresário brasileiro seja mais competitivo. O que o governo tem que fazer é dar condições para que o empresário brasileiro seja competitivo. Um setor que ainda nós temos uma espécie de carência aqui no Brasil é de inovações. Mas o empresariado resiste, também. O governo tem aumentado muito o recurso para inovação. Então tem que haver uma parceria maior entre o governo e o setor privado para que ele invista mais em inovação. Linhas de crédito estão aí, várias linhas de crédito a juros subsidiados para inovação.

--Com esse juro, o empresário prefere aplicar o dinheiro a investir.

Não sei. Eu acho que o empresário brasileiro está entrando nessa filosofia. Ele percebe que o mundo é cada vez mais competitivo e nós temos que ter produtividade, eficiência, e o brasileiro é muito criativo. Nós estamos apoiando e vamos continuar apoiando a indústria para que não haja --eu acredito que não haja-- desindustrialização. Perigo sempre existe, mas existe no mundo todo. Na Alemanha, até na China existe. Não é porque o país está vencendo hoje que ele vai vencer amanhã. Os Estados Unidos há 50, 60 anos eram imbatíveis. Então todo mundo tem que ficar alerta o tempo todo. Nós temos um diálogo com a indústria, nós temos aqui um fórum que se reúne uma vez por mês, que discute os problemas do setor produtivo, da indústria, do setor de bens de capital e nós temos tomado soluções que são muitas vezes demandadas por eles para poder cada vez mais melhorar a sua competitividade. Nós não deixaremos acontecer a desindustrialização no Brasil. Agora não podemos esquecer que o mundo ainda está em crise. E isso afeta as exportações de manufaturados. E afeta as importações porque tá todo mundo vendendo barato. Tá todo mundo liquidando por aí e isso nos afeta. Mas nos próximos dois ou três anos esse cenário vai se modificar e nós voltaremos a exportar mais. O Brasil ganhou mercado. Nessa crise toda, a participação do Brasil nas exportações mundiais cresceu.

--Mas são commodities, Vale...

Seja o que for...

--Não sei se 'seja o que for'. Se o Brasil vai depender de commodities...

O Brasil tem a virtude de possuir ambas as coisas. É um país que não é nem um exportador de commodities, não é só um país só industrializado, com carência de insumos. Não é nem o Japão. O Brasil tem uma estrutura diversificada de produção, que é uma grande vantagem. No momento que o setor manufatureiro está mal no mundo, mas está bem no de commodities. Nós estamos indo bem porque o mundo está bem (na demanda de commodities). O setor de commodities pode ir mal, como já esteve no passado, aí nós vamos ter o setor manufatureiro que vai cumprir essa função.

O importante é que nós somos diversificados, isso é uma vantagem. Nós somos diversificados, nós temos petróleo, nós temos combustível alternativo, nós temos terra, nós temos sol, nós temos produtividade agrícola. O Brasil hoje conseguiu potencializar todas essas virtudes que ele tinha. O Brasil era um país virtuoso, mas a virtude estava encapsulada, era potencial. Hoje as virtudes estão realizadas, estão se realizando. Isso é uma vantagem. Isso que você está reclamando é uma vantagem. Já pensou se o Brasil não tivesse o setor de commodities competitivo? Se dependesse só da manufatura nós não estaríamos...

--Mas o que agrega mais emprego, dinamiza a economia é o setor industrial.

Não, o setor agrícola agrega muito emprego: 25% da mão de obra é agricultura. E a agricultura brasileira é um setor que se tornou muito dinâmico. Outro setor muito dinâmico que agrega emprego é a construção e nós dinamizamos esse setor, nós tiramos esse setor do limbo. E ele vai continuar, com PAC, Minha Casa, Minha Vida.... Hoje o setor está bombando.

--Qual o papel do BNDES?

O BNDES foi fundamental na crise. Vários países desejariam ter tido um BNDES para enfrentar a crise. Ele continuará financiando infraestrutura, esses setores de capital intensivo, que demoram mais para amadurecer. Continuará tendo um papel fundamental na economia brasileira. Principalmente porque nós continuamos estimulando o investimento no país. Ele financia a venda de máquinas, máquinas agrícolas, equipamentos. Agora ele não terá o mesmo papel que teve durante a crise, porque na crise foi uma situação de emergência. Então, o Tesouro não continuará colocando o mesmo aporte que fez durante a crise.

--Quem pegou, pegou; quem não pegou, não pegou...

Não, nós criamos outros mecanismos para que o empresariado possa captar recurso mais barato, que é mais diretamente do setor privado. Nós fizemos um programa, reduzimos impostos, criamos outros instrumentos, mecanismos, estimulamos debêntures. Então o Brasil tem um mercado de capitais que pode florescer e que dá financiamento barato e então não precisa do BNDES. Então esse é o amadurecimento e o setor privado acha isso correto. Acho que os bancos privados têm que entrar no financiamento longo. Nós demos condições para que eles tenham "funding". As taxas serão cadentes. E tem muitos empresários captando no exterior a taxas que são ridículas.

--Mas nem todo mundo consegue.

As grandes todas conseguem. Quando não, abrir o capital e ter uma participação de "equity" que é a melhor coisa, porque não é endividamento. O Brasil hoje tem todas as virtudes. Hoje o Brasil, pelas suas condições, atrai capital, não é o especulativo, porque a gente espanta. O especulativo percebe que o governo está atento. Vêm os grupos que querem de fato investir, que querem participar das empresas brasileiras, que dão "funding" para as empresas brasileiras.

--Essa desnacionalização que ocorre em vários setores preocupa? Na cana, por exemplo?

Não vejo desnacionalização, pelo contrário. O Brasil sempre foi um país aberto ao capital externo. O que aconteceu foi o contrário. Foi que o Brasil está investindo muito no exterior. As empresas brasileiras estão crescendo, estão se multiinternacionalizando. Estão se internacionalizando, que é uma condição necessária para você ser forte. Você tem a Vale, a Petrobras, a Gerdau. Em todos os campos você tem várias empresas brasileiras comprando ativos no exterior. E dando sinergia com sua produção local. Indo disputar mercados lá fora. Hoje o Brasil tem investimento na Argentina, no Uruguai, toda a América Latina. Temos nos EUA, na Europa. O que houve foi o fortalecimento da empresa brasileira.

--Isso muito com a ajuda do BNDES, não?

Com a ajuda do BNDES também, ou com recursos próprios. É fundamental dizer também que o empresário brasileiro é um dos mais bem-sucedidos, competentes. Tem empresário brasileiro dirigindo multinacionais por aí...

--Executivos, não?

Executivos, é. Porque parece que o Brasil tem uma escola boa. Passou pelo Brasil, enfrentou problemas no passado. Nós enfrentamos as dificuldades da crise muito melhor do que outros países. O Brasil cresceu na crise. O Brasil foi reconhecido na crise pela habilidade em enfrentá-la, pela solidez que demonstrou. Porque é na hora do aperto que você mostra as suas condições. Porque quando está tudo bem, tem crédito abundante no mercado internacional, qualquer um pega. Mas quando falta crédito, os países que não estão fortes eles afundam e os que estão fortes continuam. O Brasil, digamos, foi beneficiado por essa crise. Claro, tivemos problemas. Mas o Brasil mostrou na crise que era mais sólido do que outros países, tinha condições melhores. E também pela reação que o governo teve, junto com o empresariado. Porque várias medidas foram tomadas discutindo e tudo mais. Hoje nós somos um país bem-sucedido. Não faltam capitais para o Brasil.

Temos outros dilemas, porque também excesso de capital não é bom. Mas eu prefiro ter excesso de capital do que falta como era no passado. Ter excesso de empregos é melhor do que ter falta de emprego. Sempre tem problema para resolver. E um último problema importante que é o desafio da mão de obra. Como cresceu muito a oferta de trabalho, por causa de todos esses investimentos, esse crescimento, nós precisamos aumentar a oferta de mão de obra qualificada. O governo está preparando um grande programa de qualificação. Já vinha trabalhando nisso. Uma parte disso é educação, é formação de engenheiros, de doutores, de biólogos e nós vamos fazer um esforço adicional porque estamos sendo colocados na frente de um desafio de aumentar mais a mão de obra qualificada.

--O pré-sal, por exemplo.

A quantidade de navios que foi encomendada pela Petrobras vai exigir pessoal especializado, oficiais, pilotos. Porque a indústria naval tinha morrido no Brasil e ninguém mais se formava prático, piloto, comandante. Nós estamos criando mais vagas para formação. Porque daqui a dois, três anos nós vamos estar importando piloto do Japão, para poder dirigir todos os barcos que vamos ter aqui no Brasil. Mas esse é um bom desafio. Eu falei quatro desafios para você: a questão das contas externas, a questão da industrialização, a questão de fortalecer a manufatura e da qualificação da mão de obra. São os quatro eixos da área econômica do governo que nós temos que enfrentar para dar continuidade a esse crescimento sustentado.

--Como o Sr. vê a perspectiva da economia mundial e as turbulências no mundo árabe?

A economia mundial vai se resolvendo. Nós temos hoje um descompasso na economia mundial que não é de agora, mas foi apenas acentuado pela crise. Nós temos regiões que têm dificuldade de crescer e regiões mais dinâmicas que vão puxar a economia mundial. Não vamos ter a repetição da crise, não vamos ter o movimento em W. Porém nós vamos precisar ainda de dois a três anos para que a União Europeia saia da crise. A Alemanha já saiu.

--Vai mudar alguma coisa no sistema financeiro?

O sistema financeiro está sendo submetido a uma regulamentação. O G20 está trabalhando numa regulamentação mundial que está quase pronta. Regras prudenciais, exigências de capital, limites de exposição. Os bancos grandes estarão submetidos a uma regulamentação mais forte. Os bancos que podem quebrar o mundo.

--Eles não quebram porque os governos salvam. E depois os governos têm que fazer ajuste fiscal para pagar o dinheiro que eles deram para os bancos. Não é assim que funciona?

É, infelizmente houve erros no passado de desregulamentação financeira. O que nós ainda não conseguimos, mas estamos trabalhando é para uma regulamentação no mundo, não no Brasil, do mercado de derivativos. Aí os americanos resistem a isso. Não há mais aquilo. Reduziu muito a alavancagem. A subprime está paralisada. Essa fonte secou.

--O Sr. viu "Trabalho Interno" (documentário de Charles Ferguson)?

Vi. Sensacional. É uma aula perfeita de economia. Voltando à economia mundial. Ela está em recuperação, porém ela é lenta, é mais lenta na União Europeia, um pouquinho mais acelerada nos Estados Unidos. Eles vão crescer este ano 3%, 3,5%. É pouco. Não resolveram ainda os problemas de subprime, do desemprego. O crescimento da economia mundial depende dos países emergentes. Vai depender muito mais de nós do que deles.

--O que vai mudar nos impostos nesse governo?

A filosofia deste governo é diminuir impostos. Aliás, nós já diminuímos no governo anterior vários impostos, principalmente para investimentos. E nós continuaremos diminuindo impostos. Isso não se percebe porque há uma formalização muito grande da economia brasileira e então quando você olha a arrecadação ela cresce, mas ela cresce porque teve crescimento e formalização.

O Sistema Simples reduziu impostos para pequena e média empresa, que gera emprego. Já reduziu e nós queremos continuar reduzindo impostos. Agora dentro do equilíbrio fiscal. Então eu não vou comprometer o equilíbrio fiscal reduzindo precipitadamente impostos. Mas a trajetória deste governo é reduzir impostos. E não há intenção de criar nenhum imposto novo. Quando houver a condição, nós deveremos reduzir o custo da folha de salários, do lado da contribuição patronal. Porém é preciso haver condições sólidas para que a gente faça isso. Neste momento, não há espaço.”

FONTE: reportagem de Eleonora De Lucena publicada na Folha de São Paulo (http://www1.folha.uol.com.br/poder/881514-primeiras-acoes-de-dilma-parecem-governo-lula-3-diz-mantega.shtml).

A “FOLHA” E O NEOCOLONIALISMO PETROLEIRO


O artigo é de Beto Almeida.

“Com o título de “TV Companheira”, o jornal Folha de São Paulo –que tem o nome marcado por ter defendido e colaborado com operações da ditadura em torturas e mortes de prisioneiros políticos- publicou artigo de Eliane Cantanhêde tentando atingir, sem o lograr, a credibilidade jornalística da Telesur, "La nueva televisión del sur", em seu esforço de cobrir a crise na Líbia.

Há muitas lições a partir da precária nota da jornalista. Primeiramente, está escancarado que a grande mídia comercial brasileira, seguindo orientações dos conglomerados internacionais midiáticos, editorialmente controlados pelas indústrias bélicas, petroleiras e a ditadura financeira, sempre protegeram os ditadores do Oriente Médio que serviram e ainda servem a esses interesses. A Folha de São Paulo está dentro desse leque de proteção aos “ditadores amigos”. Assim é que durante mais de 30 anos protegeu Mubarak, tratando-o como o árabe moderado, porque transformou o Egito em cúmplice do massacre do povo palestino por Israel, com o apoio de Washington.

Durante 30 anos a Folha de São Paulo jamais cobrou eleições diretas ou democracia no Egito, mas, revelando a imensa hipocrisia da sua linha editorial de dois pesos, duas medidas, engajou-se na campanha dos oligopólios midiáticos mundiais contra o governo da Venezuela que, em 12 anos, eleito pelo voto, realizou mais de 15 eleições, plebiscitos e referendos livres, vencendo 14 deles e respeitando democraticamente o único resultado eleitoral adverso registrado.

“DITADURAS AMIGAS” FORAM PROTEGIDAS

A reportagem de Telesur está sim na Líbia, como esteve no Egito e na Tunísia, para oferecer cobertura com linha editorial diferenciada, sem qualquer influência do poder petroleiro comandado pelos países imperialistas. Telesur não descobriu somente agora que Mubarak era um ditador e que saqueou recursos do povo egípcio, bem como seu comparsa Ben Ali, tunisino, sempre protegidos pelos grandes países imperiais como EUA, França, Inglaterra etc, por se transformarem em peões da política que facilita a intervenção militar imperialista no mundo árabe, com o óbvio objetivo de rapina sobre suas imensas riquezas energéticas, da qual são tão dependentes.

A linha editorial que protegia Mubarak era a mesma que sempre condenou Kadafi. Não supreende. Kadafi nacionalizou a riqueza petroleira da Líbia e usou essa extraordinária receita para transformar o país, hoje possuidor do mais elevado IDH da África e dos mais elevados no mundo árabe. Esse exemplo se chocava com os interesses imperialistas. Preferiam que Kadafi fosse como a oligarquia que reina sobre a Arábia Saudita, a mais maquiavélica das ditaduras da região, sob a proteção da mídia comercial internacional, inclusive a Folha de São Paulo. E sem uma linha sequer da articulista que esboce qualquer reivindicação democrática para esse país, cujo petróleo é rigorosamente controlado por empresas dos EUA. Portanto, rigorosamente diferente da Líbia, onde o petróleo foi estatizado permitindo uma elevação do padrão de vida do povo, com progressos reconhecidos internacionalmente nos serviços públicos e gratuitos de educação e saúde, com renda per capita e salário mínimo que superam em muito os registrados no Brasil e na Argentina. Essas informações nunca circularam nem no fluxo internacional da mídia comandada pelos poderes do petróleo, das armas ou do dinheiro, muito menos aqui na submissa Folha de São Paulo.

Ao contrário dessa linha editorial complacente com os crimes que se comentem contra os povos árabes, em particular contra o povo palestino, Telesur, em sua curta existência, pouco mais de 5 anos de vida, procura revelar, com critérios jornalísticos, a falsidade e hipocrisia dos discursos “democráticos” que servem sempre de parâmetros para as coberturas que tentam esconder, sob o palavreado democrático, o objetivo fundamental que essa mídia cumpre: dar suporte e favorecer o controle total das riquezas energéticas do Oriente Médio pelos trustes imperialistas.

É por esta razão que a Folha de São Paulo tenta, inutilmente, atacar a Telesur, porque questiona e se diferencia do jornalismo obediente ao poder bélico-petroleiro que tantas vidas ceifa na região, inclusive na própria Líbia, tantas vezes bombardeada, agredida e boicotada pelos países membros da OTAN. É a subserviência a essa política imperial que leva a Folha e sua articulista a afrontarem as políticas externas soberanas que os países do eixo sul-sul estão desenhando, com o objetivo de libertarem-se das algemas da OTAN, inclusive postulando a criação de uma Organização do Tratado do Atlântico Sul, proposta defendida por vários países sistematicamente enfrentados pela linha editorial da Folha, inclusive por Kadafi, certamente, uma das tantas razões que o leva a ter sido sempre condenado pelos imperialistas, pela ONU, pela OTAN. Vale lembrar que Kadafi teve sua residência destruída por um bombardeio ordenado por Bill Clinton, no qual morreu sua filha recém-nascida. A articulista escreveu algum protesto na época? Ou lamentou que a pontaria poderia ter sido mais certeira?

HIPOCRISIA EDITORIAL

Mubarak foi protegido e elogiado por esse jornalismo tipo Folha de São Paulo -que, aliás, não chamava Pinochet de ditador, mas de presidente- porque comandou o retrocesso das conquistas socioeconômicas que o Egito havia alcançado durante a Era Nasser. Tal como aqui a Folha serve aos interesses estrangeiros e de seus prepostos internos que operaram para demolir as conquistas da Era Vargas; o elogio e a tolerância para com a ditadura de Mubarak deve-se ao fato dele desconstruir o nacionalismo revolucionário de Nasser, aliado da Líbia e da Síria, colocando o Egito na posição de ser vergonhoso coadjuvante da macabra política israelense na região, a serviço da indústria petroleira imperial. Mas, os milhões de egípcios nas praças estão escrevendo outra história para aquele país!

Telesur conta essa história. Faz jornalismo para revelar o direito histórico da luta dos povos árabes por sua independência, por sua soberania. É por isso que incomoda tanto. É por isso que agressão da Folha não surpreende, faz parte da blitz midiática internacional que sustenta o intervencionismo militar dos grandes países imperialistas. Essa mídia atua como os clarins que anunciam e clamam pela guerra!

Independentemente do desfecho que esta crise na Líbia produzirá, a esta altura imprevisível, não há como não perceber a imensa hipocrisia jornalística dos que se calam diante dos sanguinários bombardeios que estão caindo agora mesmo sobre a população civil no Afeganistão, ilegalmente ocupado pelos EUA, ou no Iraque, onde mais de um milhão de vidas foram dizimadas a partir de uma guerra iniciada por meio de grosseiras falsificações de notícias sobre a existência de armas químicas naquele país, fraude jornalística que a Folha de São Paulo endossou, o que lhe retira qualquer moral, juntamente à assessoria que prestou à ditadura militar no Brasil, para reivindicar democracia ou clamar por direitos humanos.

COLÔNIA PETROLEIRA

Provavelmente, a crise atual na Líbia tenha também explicação pelos erros cometidos pelo seu governo, entre eles, provavelmente o mais grave, o de ter realizado inesperados e improdutivos acordos com os EUA, com a Inglaterra, com o FMI, inclusive dando início a medidas de privatização injustificáveis e abrindo mão, unilateralmente, do programa de energia nuclear, bobagem que o Irã e o Brasil, mesmo sob pressão, indicam não estarem dispostos a cometer. As concessões de Kadafi aos patrocinadores da morte e de opressão contra os povos iraquiano, afegão, palestino, entre eles Bush e Blair, aprofundou, certamente, os conflitos internos, agravando as disputas tribais, facilitando a infiltração dos que nunca aceitaram a nacionalização do petróleo líbio. Agora, a Folha de São Paulo, que se crê tão moderna, apresenta-se aliada aos que levantam novamente a bandeira da Líbia do Rei Idris, demonstrando preferir operar para o retrocesso histórico da república à monarquia, o que faria da Líbia uma colônia petroleira controlada pelos conglomerados anglo-saxões.

Enquanto as grandes redes oligopólicas de TVs comerciais operam para justificar, auxiliar e assessorar a pilhagem dos recursos energéticos dos povos, -por isso assumiram editorialmente as mentiras que justificaram a guerra de rapina contra o Iraque- Telesur coloca seu jornalismo a serviço do direito dos povos de conhecerem na íntegra a versão objetiva dos fatos, inclusive dando voz aos povos que lutam, que buscam construir modelos de sociedade em que a soberania sobre seus recursos e o seu uso em benefício da população sejam sagrados. Telesur tem consciência de quão árdua é a meta de fazer jornalismo não controlado pelos oligopólios da guerra, do dinheiro e do petróleo. Mas, dessa meta não se afastará, pois foi como expressão dos povos que se rebelam na América Latina contra a dominação imperial que nasceu e que assumiu como bandeira o princípio “ O nosso Norte é o Sul”.

FONTE: escrito por Beto Almeida, membro da Junta Diretiva da Telesur. Publicado no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17488).

Marcelo Gleiser: INFINITO, ELÉTRON E OUTRAS INVENÇÕES


“Baseamos os nossos argumentos no que podemos medir. E o que vem a ser a coisa real? Talvez nunca saibamos“

"Outro dia, meu filho de quatro anos perguntou: "Pai, você pode contar até infinito?" "Não posso, filho, não iria acabar nunca". "Mas quanto é infinito menos três?" "É infinito também". "Mas como se escreve o número infinito?" "É um oito deitado." "Mas isso é um número, feito um ou dois?"

O infinito é mais uma ideia do que um número. É um conceito que criamos para representar sequências infindáveis de números, ou um ponto no espaço ou no tempo infinitamente distante da nossa posição ou do nosso momento presente.

O infinito não é algo a que chegamos; é algo sobre o qual pensamos.

Uma representação de nossas limitações, já que somos finitos no espaço e no tempo. Por outro lado, é também exemplo da nossa criatividade.

Mesmo que arredio, o infinito está por toda parte. Em cosmologia, dados atuais indicam que o Universo é infinito. Se andarmos numa direção e mantivermos a rota, jamais retornaremos ao ponto de partida. Se o universo fosse finito, feito a superfície de uma bola (em 3D), poderíamos circunavegá-lo, como o fez Fernão de Magalhães com a Terra (ou os que restaram de sua tripulação.)

Podemos ter certeza de que o universo é infinito? Não. Sabemos apenas que a porção do espaço que podemos medir, o que chamamos de horizonte -a distância percorrida pela luz em 13,7 bilhões de anos- é plana (ou quase). E uma geometria plana, como a superfície de uma mesa, estende-se ao infinito. Mas nossa certeza termina aí.

É possível que nossa porção plana do espaço faça parte de um universo curvo gigantesco. Se não temos acesso ao que há fora do horizonte, não temos certeza do que existe lá. Podemos apenas inferir.

E os pontos e linhas da geometria? Conceitos estranhos, também.

Um ponto marca uma posição no espaço, mas não ocupa espaço: seu volume é nulo. Uma linha, ligando dois pontos no espaço, não tem espessura. E é feita de pontos adjacentes. Coisas sem volume, lado a lado, fazem uma linha sem espessura!

Portanto, representamos coisas no espaço usando coisas que não existem no espaço, mais ideias do que coisas. Representações matemáticas, como quando desenhamos pontos num papel e os conectamos com linhas, mesmo que ilusórias, funcionam extraordinariamente bem. O real baseia-se no intangível.

Quando procuramos pelos menores pedaços de matéria, encontramos ideias semelhantes. Átomos são formados de elétrons, prótons e nêutrons. Prótons e nêutrons são formados de quarks. Portanto, dizemos assim que a matéria é feita de quarks e elétrons.

Será que quarks e elétrons são feitos de coisas ainda menores? Um elétron não é simplesmente uma bola de energia com carga negativa.

Um físico de partículas diria que um elétron não tem estrutura interna, que não há nada "lá dentro". Mas não podemos ter certeza.

Baseamos nossos argumentos no que podemos medir. Podemos tratar o elétron como uma partícula "pontual", com carga elétrica negativa, mas devemos lembrar que esta representação é uma aproximação da coisa real. E o que é essa coisa real? Talvez nunca saibamos. Como pontos e linhas, os elétrons e quarks são construções que usamos para representar como vemos o mundo.

Eles são como os vemos.”

FONTE: escrito por Marcelo Gleiser, professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita". Publicado na Folha de São Paulo (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2702201103.htm)

OS SEIS PRINCIPAIS CASOS AINDA NÃO RESOLVIDOS NO ORIENTE MÉDIO


Por Juan Cole, no “Informed Comment” (transcrito no blog “Grupo Beatrice”)

1. JORDÂNIA. Cerca de 6.000 manifestantes marcharam na 6ª-feira na Jordânia. Querem transformar a monarquia jordaniana em monarquia constitucional ao estilo europeu e a volta, sem as emendas posteriores, da Constituição de 1952 (http://www.bbc.co.uk/news/world-middle-east-12582869).

2. TUNÍSIA. Cerca de 100 mil tunisianos saíram às ruas em Túnis, na 6ª-feira. Querem a renúncia do primeiro-ministro interino Mohamed Ghannouchi. O governo interino marcou eleições para meados de julho, principal demanda dos manifestantes. Também dissolveu o partido “Rally for Constitutional Democracy”, que estava no poder antes da queda do ditador. Mas os manifestantes não confiam que Ghannouchi –importante quadro do governo deposto de Zine El Abdidin Ben Ali– seja capaz de garantir a lisura das eleições.

Ghannouchi está tentando ganhar popularidade, confiscando os bens de personagens do círculo íntimo e corrupto de Ben Ali, mas, até agora, ainda não conseguiu separar-se da reputação de ser, ele também, do mesmo círculo (http://www.google.com/hostednews/afp/article/ALeqM5jnGIbnFv67ASGqJFxlSXEIFW9tAg?docId=CNG.99868b1ecc4e65dad00cb9c958f4949c.9f1 e mapa em http://maps.google.com/maps?z=5&q=TUNIS&hl=en).

ATUALIZAÇÃO: O ministro interino da Tunísia renunciou ontem, domingo, 27/2/2001, conforme notícia da BBC, às 13h28, ao vivo.

3. EGITO. Dezenas de milhares de manifestantes voltaram à praça Tahrir no centro do Cairo, na 6ª-feira, exigindo o fim das leis de emergência que suspenderam todas as liberdades civis no Egito há 30 anos. Querem também que o primeiro-ministro Ahmad Shafiq, nomeado pelo presidente deposto Hosni Mubarak, deixe o cargo, sem o que não haverá real ruptura com o velho regime. O exército egípcio impediu que a multidão cercasse a residência do primeiro-ministro para protestar e houve feridos entre os manifestantes (http://www.theglobeandmail.com/news/world/africa-mideast/egyptian-police-military-break-up-tahrir-square-demonstrations/article1922072/)

ATUALIZAÇÃO: O ministro interino da Tunísia renunciou ontem, domingo, 27/2/2001, conforme notícia da BBC, às 13h28, ao vivo.

4. BAHRAIN. Cerca de 200 mil manifestantes marcharam pelo centro de Manama, capital do Bahrain, na 6ª-feira. Querem que a monarquia seja convertida em monarquia constitucional, com liberdades civis plenamente garantidas. Querem também que o primeiro-ministro deixe o cargo. O rei já demitiu três outros ministros do mesmo Gabinete (http://www.nytimes.com/2011/02/26/world/middleeast/26bahrain.html?_r=1&partner=rss&emc=rss).

5. IÊMEN. Em Aden, os manifestantes exigem a expulsão do ditador Ali Abdullah Saleh. Houve quatro mortos e duas dúzias de feridos, quando as forças de segurança atacaram os manifestantes (em
http://edition.cnn.com/2011/WORLD/meast/02/26/yemen.protests/).

6. LÍBIA. As forças de segurança do ditador retiraram-se do bairro operário de Tajoura no sábado, depois de vários dias de ataques aos manifestantes, tentando dispersar as multidões. Falharam. Se Gaddafi já está perdendo áreas importantes da capital, aquela ditadura pode estar com os dias contados (http://www.thenational.ae/news/worldwide/tripoli-braces-for-bloody-battle).

OBSERVAÇÃO:

Os manifestantes no Egito e na Tunísia, até agora, só alcançaram sucesso parcial: afastaram um ditador, mas ainda sem saber como se farão reformas genuínas. Os líbios ainda sequer afastaram o ditador Gaddafi. E no Bahrain, Iêmen e Jordânia, todos os clamores populares por reformas econômicas e políticas genuínas continuam a cair em ouvidos surdos.”

FONTE: escrito por Juan Cole, no “Informed Comment” (transcrito no blog “Grupo Beatrice”) (http://www.juancole.com/2011/02/top-5-pieces-of-unfinished-business-in-the-mideast.htmlhttp://grupobeatrice.blogspot.com/2011/02/os-seis-principais-casos-ainda-nao.html) [mapas do Google adicionados por este blog].

MEXIDA NO TABULEIRO INTERNACIONAL


Por Mário Augusto Jakobskind

“O foco agora é a Líbia, governada por quase 42 anos por Muammar Khadafi, o dirigente árabe que passou a ser aceito pelo Ocidente a partir de 2003, quando decidiu fazer uma série de concessões, inclusive deixando de lado o programa nuclear. O ditador, homem forte, ou seja lá que denominação tenha, caiu nas graças dos Estados Unidos e da Europa. Afinal, o general petróleo pesa muito na balança.

De concessão em concessão, Kadhafi em 2006 abriu as portas da Líbia ao Fundo Monetário Internacional e ao Banco Mundial, adotando programas econômicos de austeridade em que o povo é sempre a principal vítima. As vozes roucas das ruas já se faziam sentir, mas o homem forte líbio/ditador se lixava.

Khadafi, hoje amigão do italiano Silvio Berlusconi, com quem firmou acordos petrolíferos de milhões de euros em 2008, chegou até a receber a visita da então Secretária de Estado norte-americana Condoleezza Rice. O dirigente líbio abriu o tapete vermelho para saudá-la. Esta, lépida e faceira, disse sorrindo que as relações estadunidenses-líbias entravam em uma nova etapa.

A questão dos direitos humanos então não passava de um mero detalhe. O cachorrinho de George W. Bush e o agora membro da Casa dos Lordes, Tony Blair, também começaram a relacionar-se com Khadafi as mil maravilhas. Cessaram as acusações raivosas segundo as quais o Coronel líbio ordenara o atentado nos céus da Escócia que derrubou um avião provocando várias mortes. Khadafi mandou até pagar indenizações aos familiares das vítimas. Agora, o tema voltou à tona.

Vão longe os tempos em que, quando tomou o poder derrubando um rei subserviente aos europeus e estadunidenses, um tal de Idris, Kadhafi parecia seguir os passos de Gamal Abdel Nasser, o líder egípcio que nacionalizou o canal de Suez e trouxe grandes benefícios ao seu povo, que conheceu um tempo de estabilidade e melhoria de qualidade de vida.

Nos anos 70, Khadafi era uma espécie do que viria a ser no Terceiro Milênio o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad para os Estados Unidos e Israel. Eram sanções atrás de sanções contra o então integrante do “eixo do mal”.

Para ser ter uma ideia do tom de Khadafi, em uma entrevista para Marília Gabriela, claro, antes de 2003, ao ser perguntado o que faria se encontrasse Bush (pai), respondeu, deixando a entrevistadora desconcertada: “cuspiria na cara dele”.

Khadafi nos últimos tempos andava meio no ostracismo. Especulava-se que estaria muito doente e preparava o filho para sucedê-lo na missão de manter unidas as tribos que formam a Líbia. De fato, um dos filhos apareceu muito nos últimos dias com discursos inflamados de ameaça aos rebelados.

Uma parte da Líbia, segundo o noticiário das agências, já estaria sob controle dos rebelados e Khadafi só tinha consigo uma área da capital, Trípoli, podendo perdê-la a qualquer momento. Mas na verdade, todo esse noticiário é passível de dúvidas, porque em outros episódios históricos as agências internacionais, no frigir dos ovos, acabaram errando e na prática desinformando.

Os mortos pela repressão já chegariam a mil, mas não dá para confirmar o número exato de vítimas. Há informações segundo as quais a Força Aérea bombardeou a população civil, o que é desmentido pelos khadafistas. O embaixador brasileiro em Tripoli não confirmou bombardeios, mas a notícia se espalhou pelo mundo.

O líder líbio, que segundo a maioria dos analistas estaria em seus estertores, sendo abandonado por colaboradores próximos e ministros, voltou à retórica de antes de 2003. Culpa drogados, adeptos de Bin Laden, que desmentiram em um site, o imperialismo e grupos religiosos de serem os responsáveis pela rebelião.

Como não poderia de ser, numa linguagem como sempre hipócrita, o Departamento de Estado, na palavra de Hillary Clinton, condenou a violência contra o povo cometida pelo Exército líbio obediente a Khadafi. Quando o Presidente iraniano Ahmadinejad condenou a repressão ao povo, Clinton esbravejou dizendo que ele não tinha moral para falar o que falou. Como se o governo estadunidense, que sempre apoiou ditaduras sangrentas na região, tivesse. Até porque, quem apoia sem restrições a monarquia na Arábia Saudita não tem moral para coisa alguma, ainda mais falar em democracia na região ou em qualquer parte do mundo.

O que está acontecendo nos países árabes é, sem dúvida, uma grande mexida no tabuleiro internacional. Mubarak já ocupa seu lugar no lixo da história depois de 30 anos com o apoio incondicional dos governos estadunidenses. Agora, como o vento mudou, a dupla Obama & Clinton se manifesta efusivamente em favor da democracia no Egito. Brincadeira. Ninguém perguntou aos manifestantes, que nestes anos todos foram reprimidos por armas da indústria da morte estadunidense, se aceitavam de bom grado a democracia propugnada pela potência que não quer perder o controle da região.

É complicado saber com precisão quem são os rebeldes que não querem mais Khadafi. Foi só o povo? Há notícias que em Benghazi, a segunda cidade líbia, os manifestantes que agora controlam a área teriam hasteado a bandeira da monarquia derrubada por Khadafi e o povo, em 1969.

A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) lançou um comunicado dizendo que não pretende intervir na Líbia. Aí que mora o perigo. Basta consultar os jornais para ver que sempre em graves crises, como a de agora, inicialmente os dirigentes da OTAN dizem que não pretendem intervir. Horas ou dias depois surgem os contingentes bombardeando ou ocupando cidades.

Como a Líbia, ou melhor, o petróleo líbio é estratégico e mesmo nos EUA o ouro negro é cada vez mais escasso, não será surpresa alguma se no país conflagrado desembarcarem tropas da OTAN com parceria estadunidense sob o pretexto de estabelecer a paz.”

FONTE: escrito por Mário Augusto Jakobskind, correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato. É autor, entre outros livros, de América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE. Publicado no site “Direto da Redação” (http://www.diretodaredacao.com/noticia/mexida-no-tabuleiro-internacional)

Emir Sader: “O TRABALHO INTELECTUAL NO BRASIL DE HOJE”

                    Fundação da Casa de Rui Barbosa, no RJ

“Nomeado, mas ainda não empossado para dirigir a Fundação da Casa de Rui Barbosa [FCRB], eu não queria seguir alimentando mais entrevistas, declarações, palavras, enfim, depois de ter sugerido as ideias iniciais com que pretendemos nortear o trabalho na direção da Casa.

No entanto, uma vez instaurado um debate saudável –um primeiro objetivo, o de suscitar o debate sobre a função de um espaço cultural público no momento que vive o país-, com as inevitáveis e bem vindas reações e as negativas manipulações ou edições unilaterais de matérias, vale a pena voltar ao assunto, com breve texto de responsabilidade totalmente minha.

Antes de tudo, para reafirmar o respeito por todo o extraordinário trabalho que a FCRB vem desenvolvendo, seja na conservação do acervo, na pesquisa, na promoção de eventos e em tantas outras atividades, que o consagrou como um espaço de referência nessas atividades, em que abriga alguns dos melhores pesquisadores das distintas especialidades a que a Casa se dedica. Isto nunca esteve em questão. Trabalharemos, em estreita colaboração com o MINC e a Ministra Ana de Hollanda, assim como com outras instâncias do governo que já manifestaram interesse concreto em articular suas atividades considerando a Casa como um espaço de reflexão de todas as Secretarias do MINC, assim de outros Ministérios do governo –como o MCT, o Ministério da Saúde, de Comunicação, da Educação, do Meio Ambiente, dos Esportes, as Secretarias de Políticas para as Mulheres, dos Direitos Humanos, de Igualdade Racial, dos Esportes. A Casa buscará ser, além de todas as tarefas que já cumprem de forma efetiva, um espaço mais integrado ao MINC e ao governo federal, instâncias às quais pertence institucionalmente.

Essas demandas, junto à necessidade de incentivar debates que ajudem a compreensão do Brasil contemporâneo –além daqueles que a Casa já desenvolve– nos levam a programar atividades específicas, dirigidas a decifrar as imensas transformações que o Brasil sofreu nas duas últimas décadas. É uma lacuna que já apontava a conversa que tivemos com a atual Presidenta Dilma, quando Marco Aurélio Garcia e eu fazíamos uma entrevista para o livro "O Brasil, entre o passado e o futuro" (Editoras Perseu Abramo, organizado por Marco e eu), quando constatávamos como faz falta hoje ao Brasil um novo impulso teórico e cultural, que sempre acompanhou os momentos de grandes transformações políticas do país.

Recordávamos como isso ocorreu nos anos 30, concomitantemente ao primeiro governo do Getúlio, que dava origem ao Estado nacional contemporâneo, com obras como as de Caio Prado Jr., Sergio Buarque de Holanda, Gilberto Freire, Anísio Teixeira, entre tantos outros. Realizada um pouco antes, mas estendendo sua influência por todas as décadas posteriores, a Semana de Arte Moderna condensou todas as grandes correntes artísticas renovadoras que povoam até hoje a arte brasileira.

Na virada dos anos 50 para os 60 do século XX, juntos aos acelerados processos de urbanização e de industrialização, com o fortalecimento de classes e forças sociais fundamentais no processo de profunda democratização por que passava o país, o desenvolvimento de obras como de Darcy Ribeiro, Celso Furtado, Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Werneck Sodré, todo o grupo do ISEB –sem querer mencionar a todos-, enquanto a bossa nova, o cinema novo, o boom e a renovação criativa no teatro brasileiro, assim como nas artes plásticas, agora a presença exponencial de Oscar Niemeyer, Burle Marx, para referir-nos apenas a alguns dos arquitetos e paisagistas. A lista e as atividades são extensas, na maior concentração de arte criativa e original que o Brasil conseguiu produzir em um espaço relativamente curto de tempo. (Certamente se podem acrescentar muito mais nomes e atividades, estas aparecem aqui apenas a título de exemplos)

Não há dúvidas hoje de que o Brasil vive, ao longo da primeira década deste século, que tudo indica que se projetará pelo menos por esta década, um outro período de grandes transformações, que pode ser comparado com os mencionados anteriores, com suas particularidades, tanto na forma dessas transformações, como nos processos políticos que as levam adiante. A consolidação de um modelo econômico intrinsecamente associado à distribuição de renda faz com que o Brasil tenha começado a atacar o principal problema que o país arrasta ao longo dos seus séculos de história: a desigualdade social, que fez com que fôssemos o país mais desigual da América Latina, que por sua vez é o continente mais desigual do mundo.

Pela primeira vez na nossa história estamos conseguindo diminuir de forma significativa a desigualdade no Brasil, e em proporções que nos permitem dizer que a própria estrutura social a que estávamos acostumados –uma pirâmide bem larga na base, que ia se afinando conforme se subia na estrutura social, como um filtro que permitia que poucos pudessem estar no meio e muito menos ainda no topo da pirâmide– mudou radicalmente de figura.

Além de múltiplos outros fenômenos, que projetaram muito mais e de forma distinta o Brasil no mundo, aliado preferencialmente aos países vizinhos da América Latina e aos do Sul do Mundo, que representamos mais de 85% da população do mundo, mas contamos com percentual brutalmente inferior da riqueza mundial. Por isso o lugar do Brasil como potência emergente, que representa uma nova forma de encarar os problemas econômicos, sociais, políticos, energéticos, ambientais, educacionais, culturais, dos direitos das minorias políticas, entre outros, mudou, tendo sido dirigido na primeira fase desse processo por um líder político de origem no movimento sindical de luta contra a ditadura, seguido pela primeira mulher Presidenta do Brasil, que esteve diretamente vinculada à resistência àquela mesma ditadura – passou a viver o período de sua maior projeção regional e mundial.

Muitos outros aspectos dessas profundas e extensas transformações –a principal das quais, ao diminuir substancialmente as desigualdades, passou a governar para todos no maior mecanismo de inclusão social que havíamos conhecido– podem ser mencionados, para ressaltar a transcendência do momento histórico que passamos a viver na entrada do novo século.

No entanto, sem subestimar a vigorosa e extensa produção intelectual que a vida acadêmica brasileira e outras instâncias inovadoras passaram a produzir nas últimas décadas, é necessário constatar que as transformações que o país vem vivendo, tem se dado em ritmo mais avançado do que o ritmo do avanço da capacidade de produção teórica de dar conta das profundas, diversificadas e novas transformações que o Brasil passou a viver, especialmente nas duas últimas décadas.

O próprio debate eleitoral refletiu isso. Por um lado, a grande maioria dos meios de comunicação, com uma visão sistematicamente crítica do desempenho do governo Lula –que acreditava que já em 2005 o governo estava morto ou ferido de morte, para dar apenas um exemplo da incapacidade de se situar diante das transformações já em curso naquele momento– e que, ao final desse governo, teve que conviver com um Presidente com 87% de apoio e apenas 4% de rejeição. O que dava conta, sinteticamente, como o ponto de vista amplamente majoritário na mídia –em uma mídia que havia reduzido seu pluralismo a espaços residuais– se chocava com o Brasil realmente existente, que havia entrado em um período da maior unificação nacional, de forma consensual, em torno de um projeto protagonizado por esse governo atacado por escrito, nas rádios e nas TVs, sistematicamente.

Por outro lado, é preciso dizer também –como referido em "O Brasil entre passado e o futuro"– que os grandes avanços do governo Lula foram feitos muito mais de forma empírica, pragmática, baseados na extraordinária intuição política do Lula, com ensaios e erros, com exploração de espaços novos e mais fáceis de avançar –como a prioridade das políticas sociais ao invés do ajuste fiscal, da integração regional, ao invés dos Tratados de Livre Comércio com os EUA-, mas sem uma teorização dos passos que se estavam dando, de reflexões estratégicas sobre as direções em que se caminhava, com seu potencial, seus limites, suas contradições.

O certo é que temos que nos orgulhar de todas essas transformações, que estão fazendo do Brasil um país menos injusto, mas como intelectuais, como artistas, temos que constatar que não estamos até aqui correspondendo, com a formulação de grandes debates sobre os caminhos que o Brasil está cruzando, seus potenciais, suas contradições, seus limites, suas novas necessidades. Um debate obrigatoriamente crítico, contraditório, que tem que dar lugar para todas as vozes, uma discussão pluralista, necessariamente multidisciplinar, para abordar todas as esferas e dimensões afetadas pelas transformações em um país tão amplo e contraditório como o nosso.

O mandato que pretendemos levar a cabo na Casa de Rui Barbosa não se choca em nada nem com as atividades que vêm sendo desenvolvidas com grande empenho e rigor na Casa, assim como com os objetivos tradicionais que a trajetória de um personagem ímpar na nossa história, como estadista, homem de visão ampla, de ideológica pluralista, como Rui Barbosa, projetou sobre a nossa história e nos deixou exemplos de formas de abordagens, para sua época de temas contemporâneos candentes, tanto de política interna, como de defesa dos interesses do Brasil no mundo.

Buscaremos fomentar grandes conferências –mensais ou mesmo quinzenais– com participação dos grandes pensadores contemporâneos que têm, de uma ou de outra forma, buscado decifrar os enigmas representados pelas novas circunstâncias históricas que vivemos ou pelas tradicionais, revestidas de novas roupagens. Não há limite, nem no número, nem nas correntes dos que serão convidados pela Casa –indo de Marilena Chauí a José Murilo de Carvalho, de José Miguel Wisnik a Caetano Veloso, de Tania Bacelar a Bresser Pereira, de Carlos Nelson Coutinho a Maria Rita Kehl, de José Luis Fiori a Chico de Oliveira (e a lista é necessariamente grande e, ainda assim redutiva). Chamaremos para reuniões periódicas todos os intelectuais e artistas que se disponham a participar, para ouvi-los, escutar suas propostas, promover intercâmbios de ideias sobre os rumos das atividades da Casa. Ao mesmo tempo abriremos um espaço de consulta na página da Casa, para que sugestões de nomes, temas e modalidades de atividade, sejam encaminhados.

Essas conferências, assim como todas as outras que viermos a realizar –seminários sobre Cultura e Políticas Culturais, sobre Propriedade Intelectual, entre outros– serão transmitidas ao vivo pela internet, com possibilidade de participação e formulação de perguntas à distância, com os vídeos sendo arquivados na página da FCRB para serem vistos posteriormente e gravados, se assim se desejar.

Está claro que pretendemos seguir cumprindo todas as atividades atuais da Casa, reforçando-as. Ao buscar dispor de melhores condições de trabalho e de espaço para os acervos, necessariamente temos que ter, como um esforço conjunto da FCRB, junto com o MINC e outras instâncias do Governo Federal que já têm se mostrado sensíveis, o aumento de pessoal, seja mediante novos concursos, seja mais bolsas e outras modalidades de expandir nossa capacidade de trabalho.

Vários outros projetos já foram propostos à Casa –como, em coordenação com a Biblioteca Nacional, desenvolver um amplo trabalho coordenado para a participação do Brasil como país convidado da Feria de Frankfurt de 2013, e realizar um seminário no curto prazo, junto com a Secretaria dos Direitos Humanos, sobre experiências similares à Comissão da Verdade, em países vizinhos, entre outros. Buscaremos as formas e meios para executar esses projetos, o que impossível sem o aumento e a melhoria da capacidade de ação da Casa.

A FCRB e nenhum órgão publico produzem cultura. Eles devem fomentá-la, incentivá-la, gerar as melhores condições de sua produção e difusão. Como disse a Presidenta Dilma na referida entrevista, nós não acendemos foguinhos, mas vamos assoprar a favor todos os que existam ou apareçam. Modestamente a Casa pretende se inserir nessa dinâmica, plural e criativa, de apoiar o surgimento e o fortalecimento das distintas formas de expressão intelectual e artística que nos tornem mais contemporâneos deste momento extraordinário que o Brasil vive.

Em momentos anteriores, o pensamento crítico e os movimentos artísticos de vanguarda apontavam os caminhos de futuro para o Brasil. Hoje devemos dizer que a História avança mais rápido que nossa capacidade de compreensão e de criação culturais correlatas a seu ritmo e a seus novos itinerários. O Brasil tem como um dos seus melhores patrimônios seus artistas e seus intelectuais. Trabalhemos para que a compreensão teórica do Brasil e a criação artística do século XXI, se fortaleçam ainda mais. Nós sopraremos, com todas as forças, todas as milhares de brasinhas que existam e apareçam.”

FONTE: escrito pelo cientista político Emir Sader e publicado no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=669) [imagem do Google adicionada por este blog].

domingo, 27 de fevereiro de 2011

PERIGO! “CIVILIZADAMENTE”, SURGE O INTERESSE DOS EUA NO PETRÓLEO BRASILEIRO

Durante visita aos EUA, Patriota se reuniu com autoridades como o secretário do Tesouro, Timothy Geithner (esq.)

Da agência britânica BBC

EUA TÊM INTERESSE EM IMPORTAR PETRÓLEO DO BRASIL, DIZ MINISTRO

“O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, disse quinta-feira, em Washington, que os Estados Unidos têm interesse em importar petróleo do Brasil no futuro.

Foi mencionado, a título especulativo, que o Brasil pode se converter em importante exportador de petróleo para os Estados Unidos no futuro, a partir de suas reservas do pré-sal”, disse Patriota, ao relatar reuniões que manteve com autoridades americanas durante sua visita de dois dias ao país.

                           Petrobras no Pré-sal

O interesse americano no "potencial energético brasileiro" deverá ser um dos temas da visita do presidente Barack Obama ao Brasil, nos dias 19 e 20 de março.

Segundo fontes do Itamaraty, os americanos estão interessados em examinar oportunidades de investimento no setor de petróleo no Brasil, para garantir no futuro suprimento adequado [aos EUA] de combustíveis fósseis e reduzir sua dependência de fornecedores em regiões às vezes “instáveis”, como o Oriente Médio

[Alerta deste blog: Assim, a história se repete. Certamente, como aconteceu, ocorre ou está na iminência de suceder em outros países grandes supridores de petróleo para os EUA e Europa, como o Iraque, Irã, Venezuela, Líbia, depois desses elogiados e até por nós santamente incentivados “investimentos norte-americanos no nosso setor de petróleo”, o Brasil, caso não seja totalmente entreguista e submisso, também entrará na classe dos “instáveis”, sujeito a estímulos externos para convulsões internas, revoluções, golpes, acusações de pretensões armamentistas e, por fim, virá a destruidora e sangrenta invasão pacificadora das tropas dos EUA e seus aliados].

[Prossegue a BBC:]

Em meio à atual crise política em diversos países árabes e muçulmanos produtores de petróleo, como a Líbia, os preços do barril atingiram quinta-feira seu nível mais alto dos últimos dois anos.

Nos Estados Unidos, o barril do tipo leve chegou a ser negociado a US$ 103,41. Em Londres, o barril do tipo Brent alcançou US$ 119,79.

VISITA

As oportunidades de investimento no setor de energia serão discutidas especialmente na passagem do presidente americano pelo Rio, sede da Petrobras, e também durante um fórum de presidentes de grandes empresas a ser realizado em Brasília durante a visita de Obama.

Esse fórum vai reunir 10 presidentes de grandes empresas brasileiras e 10 de empresas americanas. Além disso, diversos empresários viajarão na comitiva de Obama, e está prevista a realização de outro ciclo de reuniões empresariais, mais amplo, durante a visita do presidente.

Segundo Patriota –que chegou a Washington na quarta-feira para dois dias de reuniões com autoridades em preparação à viagem de Obama– o presidente americano deverá fazer dois discursos, um no Rio e outro em Brasília.

“Haverá um discurso em Brasília para um público mais do setor privado, empresarial”, disse Patriota.

O teor do discurso em Brasília deverá mais voltado para o setor comercial e econômico. Sobre o pronunciamento no Rio ainda não há definição de detalhes.

Durante sua passagem por Washington, Patriota se reuniu com a secretária de Estado, Hillary Clinton, com o secretário do Tesouro, Timothy Geithner, com o conselheiro de segurança nacional, Thomas Donilon, o assessor econômico do governo americano Michael Froman e o presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick.

Segundo o ministro, além da cooperação econômica e comercial, durante a visita de Obama também serão discutidas outras áreas de colaboração, como ciência e tecnologia, educação e energia limpa.

O ministro disse que os Estados Unidos têm interesse também em áreas de biocombustível, inclusive para aviação, além do intercâmbio de cientistas nesse setor.

INTERESSE RENOVADO

Segundo Patriota, a visita de Obama –que também inclui Chile e El Salvador e é a primeira do presidente à América do Sul– representa “a sinalização de um interesse renovado pela região”.

O ministro afirmou que em 2010 o interesse americano pela região parece ter “caído um pouco”, devido inclusive a questões internas, como as eleições legislativas.

“De modo que nós recebemos como muito positiva a notícia da visita, que inclui não apenas o Brasil, mas Chile e El Salvador”, disse. “Em El Salvador talvez se reúna com outros líderes centro-americanos.”

De acordo com o ministro, a América do Sul pode se tornar parceira “muito interessante” para os Estados Unidos.

Eu identifiquei um desejo efetivo de retomar o diálogo, de retomar a cooperação, de olhar para o futuro com renovado impulso”, disse Patriota.

Em seus encontros com autoridades americanas, Patriota abordou também o interesse brasileiro em vender aeronaves Super Tucano à Força Aérea norte-americana.

O ministro disse acreditar que há possibilidade de fechar a venda, principalmente depois de dois acordos na área de Defesa firmados no ano passado entre Brasil e Estados Unidos.”

FONTE: reportagem de Alessandra Corrêa, publicada pela agência britânica de notícias BBC, em Washington-EUA. Transcrita no blog do jornalista Luis Nassif (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-interesse-dos-eua-no-petroleo-brasileiro#more) [título e trecho entre colchetes adicionados por este blog].