segunda-feira, 7 de novembro de 2011

A DERROTA NORTE-AMERICANA NO IRAQUE


IRAQUE: AMARGO REGRESSO DOS EUA

“Wallerstein analisa nova derrota internacional de Washington. E antevê avanço dos xiitas que, paradoxalmente, pode não interessar ao Irã.

Por Immanuel Wallerstein, sociólogo estadunidense

Agora é oficial. Todas as tropas norte-americanas — com uniforme dos Estados Unidos — serão retiradas do Iraque em 31 de dezembro de 2011. Podemos interpretar essa decisão de duas maneiras. Uma delas segue a visão do presidente Barack Obama: é o cumprimento de uma promessa eleitoral feita em 2008. A segunda é a interpretação dos candidatos republicanos à Presidência. Eles condenaram Obama por não ter feito o que dizem que o Exército dos Estados Unidos queria, que é manter alguns soldados depois de 31 de dezembro para treinar o exército iraquiano. De acordo com Mitt Romney, a decisão de Obama é “o resultado de cálculo político ou simplesmente inaptidão nas negociações com o governo iraquiano”.

As duas explicações não têm sentido, e são meras justificativas para os eleitores. Obama tentou ao máximo — e em total conjunção com os comandantes do exército e com o Pentágono — manter as tropas norte-americanas depois de 31 de dezembro. Mas falhou, não pela inaptidão, mas porque os líderes políticos do Iraque forçaram os Estados Unidos a sair. A retirada marca o final da derrota americana, que pode ser comparada à derrota dos Estados Unidos no Vietnã.

O que realmente aconteceu? Nos últimos dezoito meses, as autoridades de Washington realmente tentaram negociar acordo com os iraquianos. Esse acordo iria se sobrepor ao termo assinado pelo presidente George W. Bush, que se comprometia com a retirada total das tropas em 31 de dezembro de 2011. Eles falharam — e não é que não tenham se esforçado.

No Iraque, os grupos mais favoráveis aos Estados Unidos são os grupos sunitas liderados por Ayad Allawi, um homem com relações notoriamente próximas à CIA, e o partido de Jalal Talebani, o presidente curdo do Iraque. Os dois homens disseram — relutantes, sem dúvida — que seria melhor as tropas americanas deixarem o país.

O líder iraquiano, que trabalhou duro para chegar a acordo que mantivesse as tropas norte-americanas, foi o primeiro-ministro Nouri al-Malaki. Obviamente, ele acreditava que a pouca habilidade do exército iraquiano em manter a ordem levaria o país a novas eleições, nas quais sua posição política estaria muito enfraquecida e ele, provavelmente, colheria maus resultados nas urnas. Enfim, deixaria de ser primeiro-ministro.

Os Estados Unidos fizeram concessão atrás de concessão, reduzindo constantemente o número de soldados que manteriam no Iraque. No fim das contas, o ponto de atrito foi a insistência do Pentágono em garantir a imunidade jurídica dos soldados americanos (e dos mercenários), liberando-os da acusação de qualquer crime que cometessem no país. Maliki estava pronto para concordar com isso, mas ninguém mais estava. Os sadristas chegaram a dizer que iriam retirar seu apoio ao governo, se Maliki aceitasse as condições de Washington. Sem os votos dos sadristas, Maliki não obteve a maioria necessária no parlamento.

Então, quem ganhou? A retirada foi a vitória do nacionalismo iraquiano. E a pessoa que veio para encarnar o nacionalismo iraquiano é Muqtada al-Sadr. É verdade que al-Sadr lidera movimento xiita que sempre foi violentamente contrário ao partido de Saddam Hussein, o Baath — o que, para seus seguidores, costuma significar ser contra muçulmanos sunitas. Mas al-Sadr afastou-se de sua posição inicial, para converter a si próprio e a seu movimento nos grandes defensores da retirada dos Estados Unidos. Ele estendeu uma mão para líderes sunitas e líderes curdos na esperança de criar uma frente nacionalista pan-iraquiana, centrada na restauração total da autonomia do Iraque. Foi ele quem ganhou.

É certo que al-Sadr — assim como Maliki e outros políticos xiitas — passou uma grande parte de sua vida exilado no Irã. Sua vitória seria o triunfo do Irã? Sem dúvida, Teerã ampliou sua credibilidade no Iraque. Mas seria um erro analítico enorme acreditar que o Irã substituiu o domínio dos Estados Unidos sobre o cenário político iraquiano.

Existem tensões fundamentais entre os xiitas iranianos e os xiitas iraquianos. Por um lado, os iraquianos sempre consideraram o Iraque — e não o Irã — como centro espiritual do mundo xiita. É verdade que, nos últimos 50 anos, as transformações no cenário geopolítico permitiram que os aiatolás do Irã parecessem dominar o universo do xiísmo. Mas isso é parecido com o que aconteceu na relação entre os Estados Unidos e a Europa Ocidental depois de 1945. A força geopolítica dos Estados Unidos provocou deslocamento na relação cultural entre dois lados do Atlântico. A Europa Ocidental teve que aceitar o novo domínio dos Estados Unidos — mas nunca gostou disso. E agora tenta retomar a hegemonia cultural. O mesmo acontece com o Irã e o Iraque. Nos últimos 50 anos, os xiitas iraquianos tiveram que aceitar o domínio cultural do vizinho, mas nunca gostaram disso. E agora irão trabalhar para retomar o predomínio cultural.

Apesar das declarações públicas, tanto Barack Obama quanto os republicanos sabem que os Estados Unidos foram derrotados. Os únicos norte-americanos que não acreditam nisso encontram-se entre o pequeno grupo marginal de esquerda que, de algum modo, não pode aceitar que os Estados Unidos não são capazes de ganhar sempre, em todos os lugares. Esse pequeno grupo, atualmente em declínio, está tão obcecado em denunciar os Estados Unidos que não tolera o fato de que o país está em sério declínio.

Para esse grupo marginal, nada mudou. Agora, o representante dos interesses dos Estados Unidos no Iraque não é mais o Pentágono, e sim o Departamento de Estado, que está fazendo duas coisas: deslocando mais fuzileiros para providenciar segurança à Embaixada dos Estados Unidos e contratando especialistas para treinar as forças policiais iraquianas. Mas levar mais soldados é sinal de fraqueza, não de força. Significa que, até mesmo a bem guardada embaixada norte-americana, não está suficientemente segura dos ataques. Pela mesmíssima razão, os Estados Unidos cancelaram os planos de abrir mais consulados no país.

Quanto aos especialistas, estamos falando em, aproximadamente, 115 conselheiros policiais que precisam ser “protegidos” por milhares de seguranças privados. Eu garantiria que os conselheiros policiais serão muito cautelosos ao sair do território da embaixada — e que isso irá dificultar a contratação de seguranças privados em número suficiente, dado que não terão mais imunidade jurídica.

Ninguém deve se surpreender se, depois das próximas eleições no Iraque, o primeiro ministro for Muqtada al-Sadr. Nem os Estados Unidos nem o Irã vão gostar.

"Para ser tolerante, é preciso fixar os limites do intolerável." (Umberto Eco)"

FONTE: escrito por Immanuel Wallerstein, sociólogo estadunidense. Postado nos blogs "Outras Palavras" e "portal do Luis Nassif" com tradução de Daniela Frabasile  (http://www.outraspalavras.net/2011/11/04/iraque-amargo-regresso-dos-eua/) e  ((http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-derrota-norte-americana-no-iraque#more) [imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].

3 comentários:

Probus disse...

06/11/2011: Os russos avançam no Oriente Médio

03/11/2011, *MK Bhadrakumar, Indian Punchline

Rússia surges in the Middle East

Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu

Ainda não se conhece, longe disso, a última palavra sobre a desastrada intervenção ocidental na Líbia. Quem suporia que um dos primeiros altos dignitários do planeta a viajar até Trípoli para saudar o novo governo lá instalado à força pela OTAN, e a oferecer sua amizade eterna, seria o ministro de Relações Exteriores do Irã Ali Akbar Salehi? Que magnífica ironia! Barack Obama sai de cena pela porta dos fundos, e Salehi entra pelo tapete vermelho.

Por outro lado, o principal partido de oposição na Turquia, CHP (fundado por Kemal Ataturk) alerta para o risco de a Primavera Árabe “dar frutos islamistas”.

Mas as lições aprendidas do atentado ocidental contra a Líbia já são bem visíveis no ‘endurecimento’ da política regional russa para o Oriente Médio. Dito bem claramente, a Rússia ‘dormiu no ponto’ na questão líbia (o que soa incompreensível, se se conhecem os fantásticos ‘orientalistas’ russos e seus ricos recursos intelectuais no campo da história e da política daquela região).

Fato é que o ministro das Relações Exteriores da Rússia está outra vez ao volante e se vê hoje bem claramente em Moscou uma firme decisão de impedir que ‘a Líbia’ repita-se em outros pontos do Oriente Médio. O modo como o ministro russo das Relações Exteriores Sergey Lavrov falou sobre a Síria – “a Rússia não permitirá que coisa semelhante volte algum dia a acontecer” [1]– e o local de onde falou – em Abu Dhabi – exigem atenção.

A Rússia preocupa-se com o risco de a intervenção da OTAN na Líbia ter impacto sobre todo o sistema internacional. Por isso, a Rússia trabalha para bloquear todos os movimentos dos EUA que visem a criar pretextos novos para agir novamente, dessa vez contra o Irã. A Rússia também agiu firmemente para fazer gorar o movimento, dos EUA e aliados, que tentavam criar uma arquitetura de segurança regional nas regiões da Ásia Central e Sul da Ásia, que pudesse ser usada como instrumento para interferir nas questões regionais. [2] Os russos também veem com suspeitas todo o projeto “Grande Oriente Médio” de EUA-OTAN.

Significa alguma confrontação ao estilo de guerra fria, com os EUA? Não. Longe disso. As políticas russas no Oriente Médio visam a ampliar sua rede e a expandir sua influência, criando empatia e desenvolvendo o entendimento mútuo, identificando e insistindo nos pontos de convergência, com vistas a construir novos e duradouros princípios de cooperação – em vez de os contatos definirem-se por ‘blocos’.

Por isso, o primeiro “Diálogo Estratégico” em nível ministerial com os países do Conselho de Cooperação do Golfo é mais uma iniciativa brilhante. Lavrov está chamando a atenção, com sucesso, para o fato de que os estados do Conselho de Cooperação do Golfo têm afinidades provavelmente muito maiores com a Rússia, em várias questões candentes – a Primavera Árabe, o mundo multipolar, a questão palestina, dentre outras –, do que com seus tradicionais grandes aliados, os EUA.

Probus disse...

O que levou a Rússia a procurar o Conselho de Cooperação do Golfo? O comércio e os investimentos, sem dúvida, são o motivo principal. A Rússia quer beneficiar-se do movimento dos estados reunidos no Conselho de Cooperação do Golfo, que buscam novos parceiros na vazante da crise financeira global. Lavrov salientou várias vezes que os laços com o mundo islâmico são prioridade na política exterior russa. Já deixou alinhavada uma abordagem comum, na questão da Primavera Árabe:

“Por mais agudos que sejam, problemas domésticos podem e devem ser resolvidos por via pacífica, em diálogo nacional que reúna todos os grupos políticos, étnicos e religiosos e movimentos sociais. Em todas essas abordagens, a ajuda externa deve ser considerada bem-vinda, e levada a efeito com máxima responsabilidade, considerando sempre as reais necessidades e interesses dos cidadãos dos estados do Oriente Médio e norte da África. O Conselho de Segurança da ONU deve tomar decisões baseadas em fatos, em estrito respeito à legislação internacional. E essas resoluções devem ser cumpridas estritamente, sem qualquer tipo de desvio.”

É posição, pode-se dizer, bem próxima da posição da Índia.

Por falar nisso, Damasco já fez saber à Liga Árabe que apreciará que representantes

do Brasil,

da China e

da Índia

sejam convidados a participar do diálogo nacional com a oposição síria.

Notas dos tradutores

[1] “A posição russa já apareceu manifesta no projeto de Resolução que Rússia e China apresentaram ao Conselho de Segurança da ONU, que visa a construir solução pacífica para o conflito sírio, sem interferência externa, baseado num amplo diálogo nacional, do qual participem todas as forças responsáveis da Síria. (...) A Rússia não permitirá que o que aconteceu na Líbia volte a acontecer. Repito: a Rússia não apóia regimes, apoiamos a lei internacional. Não apoiamos o regime do coronel Gaddafi, falamos a favor da iniciativa da União Africana a qual, infelizmente, foi ignorada e rejeitada por vários importantes membros da OTAN. Aproveitaram de um mandado do Conselho de Segurança da ONU e serviram-se dele para implantar solução militar, operação que custou dezenas de milhares de vidas de civis.” (1/11/2011, Sergey Lavrov, Primeiro Encontro Ministerial do Diálogo Estratégico entre Rússia e o Conselho de Cooperação do Golfo, Conferência de Imprensa, Abu Dhabi, na íntegra (em inglês).

[2] Ver 31/10/2011, “Sarkozy, Obama e o Iluminismo”, MK Bhadrakumar.

*MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

http://redecastorphoto.blogspot.com/2011/11/os-russos-avancam-no-oriente-medio.html

Unknown disse...

Probus,
Bom artigo. Obrigada.
Maria Tereza