quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O PODER DA MÍDIA DE (PRETENDER) DERRUBAR GOVERNOS


O PODER PERMANENTE DE DERRUBAR GOVERNOS

“As ondas de pânico criadas em torno de casos de corrupção, desde Collor, têm servido mais a desqualificar a política do que propriamente moralizar a nossa democracia. Apesar da imensa caça às bruxas movida pela mídia contra os governos, em nenhum momento essa sucessão de escândalos, reais ou não, incluíram seriamente a opinião pública num debate sobre a razão pela qual um sistema inteiro é apropriado pelo poder privado, e, principalmente, porque não se questiona essa apropriação.

O artigo é de Maria Inês Nassif.

A corrupção do sistema político merece uma reflexão para além das manchetes dos jornais tradicionais. Em especial neste momento que o país vive, quando a nova democracia completou 26 anos e a política, que é a sua base de representação, se desgasta perante a opinião pública. Este é o exato momento em que os valores democráticos devem prevalecer sobre todas as discordâncias partidárias, pois chegou no limite de uma escolha: ou diagnostica e aperfeiçoa o sistema político, ou verá sucumbi-lo perante o descrédito dos cidadãos.

O país pós-redemocratização passou por um governo que foi um fracasso no combate à inflação, um primeiro presidente eleito pelo voto direto pós-ditadura apeado do poder por denúncias de corrupção, dois governos tucanos que, com uma política antiinflacionária exitosa, conseguiram colocar o país no trilho do [trágico] ‘neoliberalismo’ que já havia grassado o mundo, e por fim dois governos do PT, um partido de difícil assimilação por parcela da população. Nesse período, a mídia incorporou, como poder próprio, o julgamento e o sentenciamento moral, numa magnitude tal que vai contra qualquer bom senso.

Este é um assunto difícil porque pode ser facilmente interpretado como defesa da corrupção, e não é. Ou como questionamento à liberdade de imprensa, e está longe disso. O que se deve colocar na mesa, para discussão, é até onde vai legitimidade da mídia tradicional brasileira para exercer uma função fiscalizadora que invade áreas que não lhes são próprias. Existe um limite tênue entre o exercício da liberdade de imprensa na fiscalização da política e a usurpação do poder de outras instituições da República.

Outra questão que preocupa muito é que a discussão emocional, fulanizada, mantida pelos jornais e revistas também como um recurso de marketing, tem como maior saldo manter o sistema político tal como é. É impossível uma discussão mais profunda nesses termos: a escandalização da política e a demonização de políticos, trata-os como intrinsicamente corruptos, como pessoas de baixa moral que procuram na atividade política uma forma de enriquecimento privado. Ninguém se pergunta como os partidos sobrevivem mantidos por dinheiro privado e que tipo de concessão têm que fazer ao sistema.

Desde Antonio Gramsci, o pensador comunista italiano que morreu na masmorra de Mussolini, a expressão “nenhuma informação é inocente” tem pontuado os estudos sobre o papel da imprensa na formulação de sensos comuns que ganham a hegemonia na sociedade. Gramsci já usava o termo “jornalismo marrom” para designar os surtos de pânico promovidos pela mídia, de forma a ganhar a guerra da opinião pública pelo medo.

No Brasil atual, duas grandes crises de pânico foram alimentadas pela mídia tradicional brasileira no passado recente. Em 2002, nas eleições em que o PT seria vitorioso contra o candidato do governo FHC, a mídia claramente mediou a pressão dos mercados financeiros contra o candidato favorito, Luiz Inácio Lula da Silva. Tratava-se, no início, de fixar como senso comum a referência “ou José Serra [o candidato tucano] ou o caos”.

Depois, a meta era obrigar Lula e o PT ao recuo programático, garantindo, assim, a abertura do mercado financeiro, recém-completada, para os capitais internacionais. Em 2005, na época do chamado “mensalão”, o discurso do caos foi redirecionado para a corrupção. Politicamente, era uma chance fantástica para a oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva: a única alternativa para se contrapor a um líder carismático em popularidade crescente era tirar de seu partido, o PT, a bandeira da moralidade. A ofensiva da imprensa, nesse caso, não foi apenas mediadora de interesses. A mídia não apenas mediava, mas pautava a oposição e era pautada por ela, num processo de retroalimentação em que ela própria [a mídia] passou a suprir a fragilidade dos partidos oposicionistas. Ao longo desse período, tornou-se referência de poder político, paralelo ao instituído pelo voto.

Eleita Dilma Rousseff, a oposição institucional declinou mais ainda, num país que, historicamente, voto e poder caminham juntos, e ao que tudo indica a mídia assumiu com mais vigor, não apenas o papel de poder político, mas de bancada paralela. Dilma está se tornando uma máquina de demitir ministros. Nas primeiras demissões, a ofensiva da mídia deu a ela um pretexto para se livrar de aliados incômodos, nas complicadas negociações a que o Poder Executivo se vê obrigado em governos de coalizão num sistema partidário como o brasileiro. Caiu, todavia, numa armadilha: ao ceder ministros, está reforçando o poder paralelo da mídia; em vez de virar refém de partidos políticos que, de fato, têm deficiências orgânicas sérias, tornou-se refém da própria mídia.

As ondas de pânico criadas em torno de casos de corrupção, desde Collor, têm servido mais a desqualificar a política do que propriamente moralizar a nossa democracia. Mais uma vez, volto à frase de Gramsci: não existe notícia inocente. O Brasil saído da ditadura já trazia, como herança, um sistema político com problemas que remontam à Colônia. O compadrio, o mandonismo e o coronelismo são a expressão clássica do que hoje se conhece por nepotismo, privatização da máquina pública e falha separação entre o público e o privado. A política tem sido constituída sobre essas bases e, depois de cada momento autoritário e a cada período de redemocratização no país, seus problemas se desnudam, soluções paliativas são dadas e a cultura fica. Por que fica? Porque é a fonte de poderes – poderes privados que podem se sobrepor ao poder público legitimamente constituído.

O sistema político é mantido por interesses privados, e é de interesse de gregos e troianos que assim permaneça. Segundo levantamento feito pela Comissão Especial da Câmara que analisa a reforma política, cerca de 360 deputados, em 513, foram eleitos porque fizeram as mais caras campanhas eleitorais de seus Estados. Com dinheiro privado. Em sã consciência, com quem eles têm compromissos? Eles apenas tiveram acesso aos instrumentos midiáticos e de marketing político cada vez mais sofisticados porque foram financiados pelo poder econômico. É o interesse privado quem define se o dinheiro doado aos candidatos e partidos é lícito ou ilícito.

O dinheiro do caixa dois passou a fazer parte desse sistema. Não existe nenhum partido, hoje, que consiga se financiar privadamente – como define a legislação brasileira – sem se envolver com o dinheiro das empresas; e são remotíssimas as chances de um político financiado pelo poder privado escapar de um caixa dois, porque normalmente é o caixa dois das empresas que está disponível. Num sistema eleitoral onde o dinheiro privado, lícito e ilícito, é o principal financiador das eleições, ocorre a primeira captura do sistema político pelo poder privado. E isso não acaba mais.

Esse é o âmago de nosso sistema político. A democratização trouxe coisas fantásticas para a política brasileira, como o voto do analfabeto, a ampla liberdade de organização partidária e a garantia do voto. Mas falhou no aperfeiçoamento de um sistema que. Obrigatoriamente. teria de ser revisto, no momento em que o poder do voto foi restabelecido pela Constituição de 1988.

Num sistema como esse, por qualquer lado que se mexa, é possível desenrolar histórias da promiscuidade entre o poder público e o dinheiro privado. Por que isso não entra, pelo menos, em discussão? Acredito que a situação permaneça porque, ao fim e ao cabo, ela mantém o poder político sob o permanente poder de chantagem privado. De um lado, os financiadores de campanhas se apoderam de parcela de poder. De outro, um sistema imperfeito torna facilmente capturável o poder do voto também por aparelhos privados de ideologia, como a mídia. Como nenhuma notícia é inocente, a própria pauta leva a relações particulares entre políticos e o poder econômico, ou entre a máquina pública e o partido político. A guerra permanente entre um governo eleito que tem a oposição de uma mídia dominante é alimentada pelo sistema.

O apoderamento da imprensa é ainda maior. Se, de um lado, a pauta expressa seu imenso poder sobre a política brasileira, ela não cumpre o papel de apontar soluções para o problema. Não existe intenção de melhorá-lo, de atacar as verdadeiras causas da corrupção. Apesar da imensa caça às bruxas movida pela mídia contra os governos, em nenhum momento essa sucessão de escândalos, reais ou não, incluíram seriamente a opinião pública num debate sobre a razão pela qual um sistema inteiro é apropriado pelo poder privado, inclusive e principalmente porque não se questiona o direito de apropriação do poder público pelo poder privado. A mídia tradicional não fez um debate sério sobre financiamento de campanha; não dá a importância devida à lei do colarinho branco; colocou a CPMF, que poderia ser um importante instrumento contra o dinheiro ilícito que inclusive financia campanhas eleitorais [por isso, a mídia, o PSDB e o DEM foram contra a CPMF], no rol da campanha contra uma pretensa carga insuportável de impostos que o brasileiro paga.

Pode fazer isso por superficialidade no trato das informações, por falta de entendimento das causas da corrupção – mas qualquer boa intenção que porventura exista é anulada pelo fato de que é este o sistema que permite à imprensa capturar, para ela, parte do poder de instituições democráticas devidamente constituídas para isso.”

FONTE: por Maria Inês Nassif da “Carta Maior”. (*) Texto apresentado no Seminário Internacional sobre a Corrupção, dia 7 de novembro de 2011, em Porto Alegre. Artigo publicado no portal de Luis Nassif  (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-poder-de-derrubar-governos-por-maria-ines-nassif#more) [imagem do google, título e trechos entre colchetes adicionados por este blog ‘democracia&política’].

5 comentários:

Probus disse...

Maria Tereza, CORRA atrás desta matéria da Carta Capital, por Luiz Gonzaga Belluzzo: "Um conto nem tão fora de moda. Um diálogo possível e um grupo de líderes presos a velhos impasses"

E leia esta do Leandro Fortes, observe os CANALHAS GOLPISTAS da Escola Superior de Guerra quem são!!!

http://www.ivanvalente.com.br/wp-content/uploads/2011/10/CartaCapital001.pdf

Unknown disse...

Probus,
Obrigada pelas sugestões.
Gostei do artigo "Reação à Paranoia", no link indicado (do site Ivan Valente). Não consegui colocá-lo em forma compatível com a do blogger do blogspot. Sou leiga.
O artigo de L.P. Belluzzo não achei na internet. Irei na banca comprar a Carta Capital.
Maria Tereza

Probus disse...

Maria Tereza, o Mino Carta tá ficando mala, aliás, mala ele sempre foi, só não é judeu (nada contra os semita tenho eu).

O Mino só está colocando PARTE das reportagens na Carta Online, as íntegras só se encontram na WEB via PDF em portais e blogs diversos) ou na versão impressa da Carta Capital. É tanto que a reportagem do Mauricio Dias "Farra da caserna" na versão impressa é TERRÍVEL de HORRIPILANTE o que a GALERA do IME está aprontando e, os GENERAIS COMBATENTES estão IRADOS querendo mais investigações em cima da MÁFIA do ENZO PERI.

http://cabospos64.blogspot.com/2011/10/carta-capital-farra-da-caserna.html

E, nesta do Leandro Fortes, ele aborda que o Celso Amorim vai ter um trabalhão para EXTERMINAR a GALERA IMUNDA da Escola Superior de Guerra.

Quanto a matéria do Belluzzo, você vai rir demais com a crônica dele!!

Probus disse...

"...Com Peri, os engenheiros, natural­mente, galgaram postos de influência como nunca antes. Surge daí, entre ou­tras questões de ciumeira política, a re­ação dos chamados oficiais combatentes: artilharia, infantaria e cavalaria.

O conflito chegou a um militar a quem se atribui a construção do meticuloso dossiê de denúncias de bandalheiras no Departamento de Engenharia e Cons­trução (DEC) do Exército. Um vírus ino­culado a partir do contato com o quase sempre suspeito Departamento Nacio­nal de Infraestrutura de Transportes (Dnit), cujos casos recentes de corrupção levaram à queda do ministro dos Trans­portes, Alfredo Nascimento.

Neste momento, o suposto denuncian­te, segundo fontes militares, estaria rece­bendo pressão dos dois lados.

Dos "enge­nheiros",

para que não insista com no­vas denúncias.

Dos "combatentes",

para que denuncie mais e, se possível, entre­gue supostas gravações telefônicas em seu poder, de conversas comprometedo­ras entre os militares denunciados.

http://cnj.myclipp.inf.br/default.asp?smenu=ultimas&dtlh=193485&iABA=Not%EDcias&exp=

Unknown disse...

Probus,
Mais uma vez, obrigada pelo enriquecimento do blog com boas informações em seus comentários e pelas boas dicas de links.
Maria Tereza