segunda-feira, 7 de novembro de 2011
OS PARAÍSOS FISCAIS E A HIPOCRISIA DO G20
“Na cúpula de 2009, o G20 definiu como prioridades a reforma do sistema financeiro e o combate aos paraísos fiscais. De lá para cá, o balanço é vergonhoso. Os paraísos fiscais não só estão mais ativos do que nunca, como, sobretudo, seguem funcionando ativamente em países como Suíça e Luxemburgo e em potências mundiais como EUA, Japão e Inglaterra. Cerca de 800 bilhões de euros saem dos países do Sul todos os anos para esses paraísos fiscais.
O artigo é de Eduardo Febbro, correspondente da “Carta Maior” em Paris
O sistema financeiro, os paraísos fiscais, os impostos às transações financeiras, o nível de decisão dos países emergentes, os temas que deviam ocupar o centro da cúpula do G20 ficaram na sombra. A crise grega engoliu a sexta cúpula do G20 celebrada na luxuriosa cidade de Cannes, na Costa Azul francesa. A agenda da cúpula foi se modificando sob o peso da crise da dívida. A última versão da reunião dos países ricos e emergentes deveria estar consagrada a apresentar uma rota de fuga, para tirar do marasmo os 17 países da zona do euro, o passo forçado da economia mundial e o papel que poderiam desempenhar, na retomada econômica do planeta, as nações emergentes como o Brasil e a China.
Não aconteceu nem uma coisa nem outra. O eixo franco-alemão monopolizou a cúpula mediante sólida ofensiva contra o Primeiro Ministro grego Yorgos Papandreu, para obrigá-lo a aceitar o plano de ajuste europeu em troca de novo pacote de ajuda europeu de 8 bilhões de euros, sem passar por referendo que, frente à surpresa geral, Papandreu sugeriu antes da cúpula. O espetáculo final mostrou o que os analistas internacionais vêm anunciando há anos: o Ocidente se desloca para as suas margens. O vespertino francês “Le Monde” reumiu muito bem a situação com a manchete de seu editorial de primeira página: "Em Cannes, o festival das novas potências".
Os ricos de antes, EUA e União Europeia, têm os bolsos vazios e nadam em mar de inoperância disfarçado com um aluvião de boas intenções. Frente a eles, Brasil e China se afirmam como eixo de sólida responsabilidade. O G20 representa 90% das riquezas mundiais, recorda o “Le Monde”. O editorial destaca, sem concessões, que essa cúpula "consagrou como nunca o novo mapa da geoeconomia mundial". A Europa está pendurada no fio grego e os Estados Unidos em seus déficits abismais.
Atenas é vítima indefesa: a Grécia está de joelhos, com crise política interna de grandes proporções que pode conduzir à demissão de Papandreu, bloqueado pelas greves, a um passo de sair do euro e com as caixas vazias. A luta pelo ‘plano de ajuste’, os oito bilhões de euros de ajuda à Grécia, o referendo adiantado por Yorgos Papandreu, a zona vermelha em que estão a Itália e a Espanha, dois países por sua vez membros do G20 e da zona do euro, e a extensão da crise da dívida ao conjunto da zona do euro varreram a agenda do G20.
Apesar da mudança de rumo forçada pela densidade dos desarranjos mundiais, cabe perguntar-se qual é verdadeiramente a influência real que tem o G2O nas realidades do planeta, em contexto onde os países emergentes que integram o G20 também se veem ilhados em suas demandas pela própria dinâmica da crise. A resposta cabe em um exemplo tomado das medidas adotadas pelo G20 há dois anos. Os dois grandes cavalos de batalha do G20 ficaram no nada: a reforma do sistema financeiro mundial e os paraísos fiscais.
Este último tema é o mais ilustrativo da inoperância política das grandes potências que compõem o G20. Se o saneamento do sistema financeiro e a idéia de introduzir um imposto sobre as transações financeiras permanecem como meros discursos, o combate contra os paraísos fiscais deu lugar a um pacote de medidas adotadas na cúpula do G20 que se celebrou em Londres em abril de 2009. Desde então, até agora, o balanço é vergonhoso. Os paraísos fiscais não só são mais frutíferos que antes mas, sobretudo, na lista dos mais fluidos figuram países ocidentais como a Suíça ou Luxemburgo, e potências mundiais como os Estados Unidos, o Japão, a Alemanha e a Grã Bretanha.
Vídeo da campanha francesa “Ajudemos o dinheiro a sair dos paraísos fiscais”:
A campanha francesa “Ajudemos o dinheiro a sair dos paraísos fiscais”, lançada antes da cúpula francesa do G20, revela que 800 bilhões de euros saem dos países do sul a cada ano. O território britânico das Ilhas Virgens conta com 23.000 habitantes, mas tem 830.000 empresas registradas através das quais se lava dinheiro, se evita o pagamento de impostos e outras tantas transações ilícitas.
A organização internacional “Tax Justice Network”, TJN (Rede mundial pela justiça fiscal), sintetizou, em informe publicado antes da cúpula de Cannes, o fracasso rotundo de todas as disposições adotadas pelo G20 em Londres. A “Tax Justice Network” analisou 73 jurisdições e sua atuação nos mercados financeiros. As conclusões são veementes: no índice sobre a “opacidade financeira” das 73 jurisdições, a Suíça ocupa o primeiro lugar. A TJN destaca que a Confederação Helvética “reúne as condições ótimas para esconder a evasão fiscal internacional, a lavagem de dinheiro e outras transações financeiras ilícitas”.
Pior ainda: a TJN esclarece que, na verdade, o primeiro paraíso fiscal do planeta é. . . a Grã Bretanha. De fato, se fosse atualizado o índice sobre a opacidade financeira, incluindo as ilhas britânicas de Jersey e Guernsey, se conclui que “o Reino Unido é o primeiro paraíso fiscal do mundo e se constitui atualmente no ator de maior peso no que se refere ao sigilo bancário”. Separado, o Reino Unido ocupa a décima terceira posição, Jersey a sétima, as ilhas Virgens britânicas a décima primeira e Guernsey aparece na posição número 21.
A classificação elaborada pela ‘Rede mundial pela justiça fiscal’ através de 15 parâmetros apresenta outra surpresa: A Alemanha e os Estados Unidos (dois membros do G20) figuram entre os 10 Estados mais opacos.
Washington está na quinta posição e Berlin na nona. Nessa mesma lista, Luxemburgo figura na terceira posição, Hong Kong na quarta, o Japão na oitava e a Bélgica na décima quinta. A frase pronunciada pelo presidente francês na cúpula de Londres é irreal... e irrealizável: ”a era do sigilo bancário terminou”, tinha dito Nicolas Sarkozy em abril de 2009. Mas a era continua pujante.
A investigação da “Tax Justice Network” põe ao descoberto uma evidência: o intercâmbio de informação mediante centenas de acordos bilaterais subscritos desde 2009 não serviu para nada. Pelo contrário, a maioria dos paraísos fiscais recupera mais dinheiro que antes da famosa missa de 2009. O índice da “Tax Justice Network” foi elaborado segundo duas medidas: os obstáculos que se colocam diante dos pedidos de informação por parte das autoridades de outros países e a relevância da jurisdição no mercado financeiro global. A investigação depois qualifica de 0 a 100 pontos o comportamento das jurisdições investigadas em uma quinzena de temas que vão desde a publicação de dados, o sigilo bancário até o registro de fundações.
As já célebres Ilhas Caimã, Jersey, Belize, Barbados ou Gibraltar estão sendo alcançadas por Luxemburgo, Estados Unidos, Japão e Alemanha. O G20 tinha se proposto a revisar a eficácia de sua política contra os paraísos fiscais na cúpula de Cannes. A crise da zona do euro corre o risco de dilatar a análise. No entanto, os dados proporcionados pela campanha francesa “Ajudemos o dinheiro a sair dos paraísos fiscais” e pela “Rede mundial pela justiça fiscal” provam que nada mudou, que o mal se incrementou e que aqueles que respaldam medidas contra os paraísos fiscais, no seio do próprio G20, são os mesmos que depois, atrás da porta, contribuem para a sua expansão.
Veja aqui o ranking atualizado dos paraísos fiscais:
FINANCIAL SECRECY INDEX - 2011 Results
RANK: Secrecy Jurisdiction --FSI - Value/ Secrecy Score/ Global Scale Weight
1 Switzerland --1879.2/ 78/ 0.061
2 Cayman Islands --1646.7/ 77/ 0.046
3 Luxembourg --1621.2/ 68/ 0.131
4 Hong Kong --1370.7/ 73/ 0.042
5 USA --1160.1/ 58/ 0.208
6 Singapore --1118.0/ 71/ 0.031
7 Jersey --750.1/ 78/ 0.004
8 Japan --693.6/ 64/ 0.018
9 Germany --669.8/ 57/ 0.046
10 Bahrain --660.3/ 78/ 0.003
11 British Virgin Islands --617.9/ 81/ 0.002
12 Bermuda --539.9/ 85/ 0.001
13 United Kingdom --516.5/ 45/ 0.200
14 Panama --471.5/ 77/ 0.001
15 Belgium --467.2/ 59/ 0.012
16 Marshall Islands --457.0/ 90/ 0.000
17 Austria --453.5/ 66/ 0.004
18 United Arab Emirates (Dubai) --439.6/ 79/ 0.001
19 Bahamas --431.1/ 83/ 0.000
20 Cyprus --406.5/ 58/ 0.010
21 Guernsey --402.3/ 65/ 0.003
22 Lebanon --397.3/ 82/ 0.000
23 Macao --389.8/ 83/ 0.000
24 Canada --366.2/ 56/ 0.009
25 India --344.0/ 53/ 0.013
26 Uruguay --331.0/ 78/ 0.000
27 Malaysia (Labuan) --319.3/ 77/ 0.000
28 Korea --317.2/ 54/ 0.009
29 Liberia --316.9/ 81/ 0.000
30 Barbados --266.6/ 79/ 0.000
31 Ireland --264.2/ 44/ 0.030
32 Mauritius --261.6/ 74/ 0.000
33 Philippines --253.9/ 73/ 0.000
34 Liechtenstein --239.2/ 81/ 0.000
35 Italy --231.2/ 49/ 0.008
36 Isle of Man --230.4/ 65/ 0.001
37 Israel --230.3/ 58/ 0.002
38 Turks & Caicos Islands --218.9/ 90/ 0.000
39 Netherlands --199.7/ 49/ 0.005
40 Belize --198.4/ 90/ 0.000
41 Costa Rica --177.2/ 77/ 0.000
42 Guatemala --174.8/ 81/ 0.000
43 Gibraltar --174.6/ 78/ 0.000
44 Ghana --146.8/ 79/ 0.000
45 Andorra --133.6/ 73/ 0.000
46 Netherlands Antilles --129.4/ 83/ 0.000
47 Aruba --124.9/ 74/ 0.000
48 Denmark --121.7/ 40/ 0.008
49 Botswana --121.3/ 79/ 0.000
50 Portugal (Madeira) --119.4/ 51/ 0.001
51 US Virgin Islands --104.2/ 68/ 0.000
52 St Vincent & Grenadines --100.9/ 78/ 0.000
53 Spain --98.8/ 34/ 0.016
54 Malta --98.6/ 48/ 0.001
55 Seychelles --95.0/ 88/ 0.000
56 Hungary --94.8/ 47/ 0.001
57 Latvia --88.9/ 45/ 0.001
58 Antigua & Barbuda --88.5/ 82/ 0.000
59 St Lucia --78.7/ 89/ 0.000
60 Maldives --78.5/ 92/ 0.000
61 Grenada --57.6/ 83/ 0.000
62 Montserrat --50.1/ 86/ 0.000
63 Brunei Darussalam --45.8/ 84/ 0.000
64 Monaco --37.7/ 75/ 0.000
65 Anguilla --36.0/ 79/ 0.000
66 St Kitts & Nevis --31.2/ 81/ 0.000
67 San Marino --30.9/ 79/ 0.000
68 Samoa --27.5/ 85/ 0.000
69 Vanuatu --14.3/ 88/ 0.000
70 Cook Islands --13.4/ 75/ 0.000
71 Dominica --12.5/ 80/ 0.000
NA Nauru --0 93/ NA
NA France* --0/ NA/ 0.008
*Temporarily withdrawn pending legal interpretation
FONTE: artigo de Eduardo Febbro, correspondente da “Carta Maior” em Paris. Publicado no site “Carta Maior” com tradução de Libório Junior (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18902).
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