Se já tivemos Palocci, por que tanto desconforto com Levy?
Por J. Carlos de Assis - Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB
"O programa fiscal anunciado pela nova equipe econômica é bem menos apertado que o anteriormente previsto para este ano e os efetivamente realizados nos anos anteriores. Em 2015, o superávit primário prometido será de 1,2% do PIB, contra 2% estabelecidos (e a ser retificado) pela Lei de Diretrizes Orçamentária; para 2016 e 2017, será de 2%, o que é muito menos do que se previa na era de Palocci e, posteriormente, na era Mantega. Por que então tanta insatisfação entre os economistas progressistas com a nomeação de Joaquim Levy?
Confesso que, do ponto de vista do gosto pessoal, teria preferido um ministro mais afinado ideologicamente com os desenvolvimentistas. Contudo, a escolha é irrelevante em termos de opções econômicas de fundo. Precisamos de uma sinalização de destino em nossa economia tendo em vista o imperativo da busca de novo ciclo de crescimento diante do evidente esgotamento do atual ciclo de consumo a crédito. Já em relação à macroeconomia, simplesmente não temos muitos graus de liberdade, qualquer que seja o ministro.
Somos um país capitalista inserido na arquitetura financeira internacional ditada pelos Estados Unidos e operacionalizada por agências multilaterais como FMI e Banco Mundial, assim como pelas agências privadas de classificação de risco que determinam as condições do crédito internacional. A única forma de escapar das condicionalidades macroeconômicas estabelecidas nesse contexto seria acumular grandes reservas internacionais e, simultaneamente, grandes superávits em conta corrente. Ou seja, fazer como a China e os asiáticos. Acontece que acumulamos, sim, reservas de US$380 bilhões, mas estamos realizando imensos déficits em conta corrente. Só este ano, numa base anual, US$ 83 bilhões.
Para cobrir o déficit em conta corrente, temos duas alternativas: ou queimar reservas até o limite de uma crise cambial, ou atrair capitais externos na forma de empréstimos ou investimentos. Quando se trata de investimentos, resolvemos um problema de curto prazo criando outro de longo prazo: o que entra agora sai gradualmente depois como remessa de lucros em dólar. Já para atrairmos empréstimos, são necessárias taxas de juros escorchantes, o que introduz uma distorção na política monetária. O BC finge que está aumentando os juros para combater a inflação, quando de fato essa é a forma de atrair capital externo para cobrir os buracos no déficit corrente.
Temos aí, portanto, a primeira condicionalidade macroeconômica que não depende do ministro de plantão: a taxa de juros elevada. Para escapar dela, o país terá que fazer uma política de estímulo à exportação em larga escala, algo tremendamente difícil, hoje, porque não temos como competir com a China e com os países industrializados avançados na venda de manufaturados. Já as exportações de commodities, que vão muito bem obrigado do ponto de vista das quantidades, enfrentam a maldição da grande instabilidade característica de preços como ocorre atualmente.
A condicionalidade fiscal vai junto com a monetária. Se fôssemos um país sozinho no mundo, poderíamos fazer uma política macroeconômica com o perfil de uma economia fechada: recorreríamos a grandes déficits primários para financiar os gastos públicos necessários para contra-atacar ou ao menos suavizar a baixa do ciclo econômico, até que alguma inovação tecnológica se encarregasse de levantar um novo ciclo de forma permanente. Como somos uma economia aberta, o efeito multiplicador do gasto público deficitário vazaria para o exterior na forma de mais déficit externo, agravando a situação cambial.
Já o superávit primário não é necessariamente contracionista. Se a taxa de juros não fosse tão elevada, ele se traduziria em pagamento de juros e de parte da dívida pública, mas os recursos equivalentes poderiam voltar à economia, com força expansiva, sob a forma de investimentos e gastos privados. Acontece que, sendo os juros muito elevados, esses recursos são retidos pelo setor privado como reaplicação financeira na dívida pública, sem gerar renda e emprego. E seu efeito torna-se, dessa forma, exclusivamente contracionista.
Mas a história não termina aí. Do ponto de vista macroeconômico, o que importa não é o superávit primário, mas o superávit ou déficit nominal do orçamento (todos os gastos do governo, incluindo o serviço da dívida pública). Aí se situa um dado curioso da prometida transparência nas contas públicas atribuída pela mídia à nova equipe na forma de um compromisso geral de continuar reduzindo a dívida pública em relação ao PIB. Se o superávit primário for de 1,2%, conforme prometido, e a taxa de juros for de 11,25%, como é hoje, o déficit nominal, descontado o superávit primário, forçará um aumento em cerca de 4 a 5%, e não a redução da dívida pública. Isso não seria de todo mau, porque um déficit, transformado em moeda financeira, pode ajudar a economia a crescer, contrariando o efeito contracionista do superávit primário. Mas não é o que a imprensa promete em nome da equipe!
Desculpem-me essas tecnicalidades, mas à margem delas o que se tenta impingir na mídia é um certo nível de charlatanismo que esconde, sob o conceito de “confiança”, os verdadeiros interesses dos especuladores financeiros. E é aí que se manifesta a estreita margem de manobra dos formuladores de políticas econômicas, sejam eles Paloccis ou Levys, na medida em que, se forçarem a baixa da taxa de juros e a redução do superávit primário para pagar esses juros, esbarram no mesmo tipo de chantagem financeira que forçou Miterrand, nos longínquos anos do início de 1983, depois de uma histórica vitória eleitoral, a fazer capitular seu programa socialista progressista diante dos especuladores.
Diante disso, como não vejo diferença entre Palocci, Mantega e Levy, prefiro ver o Levy na Fazenda para as operações inevitáveis de curto prazo, enquanto se prepara no Planejamento um programa de destino da economia pelo qual venhamos a escapar do inferno de nossas condicionalidades".
FONTE: escrito por J. Carlos de Assis, economista, doutor pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB. Publicado no "Jornal GGN" (http://jornalggn.com.br/noticia/se-ja-tivemos-palocci-por-que-tanto-desconforto-com-levy-por-j-carlos-de-assis).
FONTE: escrito por J. Carlos de Assis, economista, doutor pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB. Publicado no "Jornal GGN" (http://jornalggn.com.br/noticia/se-ja-tivemos-palocci-por-que-tanto-desconforto-com-levy-por-j-carlos-de-assis).
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