“A leitura de alguns textos sugere que seus autores não têm interlocutores: têm inimigos! Consideram-se portadores de uma "ciência" e creem que os que qualificam suas conclusões, ou são ignorantes ou escondem objetivos não declarados e, na pior hipótese, têm má-fé.
Em estado de transe numa certa academia (num país que sempre a praticou), ouviram, em inglês, que "a política industrial é uma mistificação inventada por uma tribo que vive abaixo do Equador, a serviço de industriais ineficientes que, com a cumplicidade do governo (cuja eleição eles financiam), exploram os consumidores".
É por isso que ao ouvir a expressão "política industrial" entram em pânico e reagem com virulência. O problema é que tal "ciência" ignora a história e a geografia e não pode sugerir uma política econômica, onde elas (e as urnas) não podem ser ignoradas...
É verdade que a nossa política de substituição de importações, às vezes, foi levada longe demais, mas é impossível esconder o fato que entre 1947 e 1980 a economia brasileira cresceu a uma taxa média real superior a 7%; que o PIB dobrou a cada dez anos e cresceu cinco vezes em uma geração! É claro que cresceu usando mais mão-de-obra e mais capital e com menor contribuição do fator residual chamado "produtividade", mas é claro, também, que esta melhorou, pois o PIB per capita aumentou quase 4% ao ano! A desigualdade cresceu, mas todos cresceram.
É tolice, entretanto, desqualificar toda política industrial por causa dos eventuais exageros da substituição de importações. Como toda política econômica, ela deve ser julgada usando "testemunhas", isto é, os seus parceiros regionais (a geografia) que sofreram as mesmas contingências (história). E quando se usa tal avaliação parece que a economia brasileira não se saiu tão mal. Passou por crises, mas cresceu mais depressa e construiu uma estrutura industrial mais sofisticada do que suas companheiras latino-americanas.
Enquanto nossos "puristas" se arrepiavam ao ouvir falar em "política industrial" ou "substituição de importações", Canadá e Alemanha (exemplos de livre comércio) disputavam ferozmente a instalação de indústrias do setor de semicondutores. O Canadá, por exemplo, continua a ter instrumentos para construir subsídios, com a colaboração entre uma unidade federada, o Quebec, e o Programa de Associação Tecnológica do Canadá (federal). É claro que há espaço no Brasil para a construção de um ecossistema econômico apoiado numa inteligente política industrial, mesmo porque até hoje não temos uma indústria de semicondutores...”
FONTE: artigo de Antonio Delfim Netto publicado em 29/07/2009 no jornal Folha de São Paulo.
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