“É provável que o Brasil esteja tomando providências diplomáticas (e também militares) diante de novos problemas em nossa fronteira norte. A Colômbia abre o seu território para mais bases americanas. Em suas relações com Washington, o governo de Bogotá não cede às exigências do Norte: oferece-se pressurosamente como vassalo incondicional. Entre outros preitos de subordinação, a Colômbia aceita extraditar para os Estados Unidos os seus próprios cidadãos, quando acusados de tráfico de entorpecentes pela polícia americana. Não de todos os que traficam, mas daqueles que não fazem parte dos grupos associados ao poder.
Neste momento, a pretexto de que foram encontradas armas compradas pela Venezuela em mãos dos guerrilheiros das Farc, a Colômbia abre nova frente de hostilidades com o governo de Caracas. Ao mesmo tempo, usa de argumento semelhante contra o Equador, o de que os guerrilheiros colombianos teriam financiado a eleição de Rafael Correa. Em resposta, o governo de Chávez congela suas relações com o vizinho ocidental. Se fosse só isso, teríamos que nos preocupar, mas há também o problema hondurenho, com a probabilidade de conflito fronteiriço com a Nicarágua, se não houver saída pacífica para o retorno de Zelaya ao poder.
No confronto entre a Venezuela de Chávez e a Colômbia de Uribe, embora o intercâmbio comercial entre os dois países desaconselhe uma ruptura, as diferenças políticas parecem insuperáveis. O governo de Bogotá se escora em Washington, e continua tendo poderosa aliada na senhora Clinton, cujo marido instituiu o Plano Colômbia, de assistência financeira e militar. O objetivo era o de combater as Farc, embora o pretexto envolvesse o combate às drogas. Recorde-se que, ainda na pré-campanha eleitoral, a postura com relação à Colômbia dividiu os dois candidatos democratas. Obama, atendendo à pressão dos sindicatos, que denunciavam a violação de direitos humanos naquele país, prometia não incluí-lo, de pronto, no Tratado de Livre Comércio – e Hillary anunciava a intenção de manter relações especiais com Uribe.
A situação na América Central, e em sua projeção amazônica, põe à prova a nova política hemisférica anunciada pela Casa Branca. Até o momento, no caso de Honduras, a posição parece firme, não obstante sinais recentes do Departamento de Estado, indulgentes com os golpistas. Há inquietadoras informações de que a campanha contra Zelaya foi alimentada com recursos da United Fruit (hoje, Chiquita) que continua explorando o povo da América Central desde o século 19 – braço da gigante United Brands Company. A grande empresa, dona de ferrovias, portos, frotas mercantis, sempre manteve seus trabalhadores em semiescravidão, subornando exércitos e governos locais. Seu poder na formulação da política do Departamento de Estado é bem conhecido. E seus interesses não se limitam ao centro do continente. Hoje, com a diversidade dos produtos que a United Brands explora, eles avançam pela Colômbia, pelo Equador e pelo Peru. A empresa financiou as milícias de extrema-direita da Colômbia, responsáveis por milhares de assassinatos, de tal maneira ostensiva que o próprio governo americano a multou em 25 milhões de dólares.
São conhecidos os esforços de nossa diplomacia a fim de impedir o conflito aberto entre a Colômbia e a Venezuela, a Colômbia e o Equador. Restaura-se doutrina antiga do Itamaraty – abandonada durante parte do governo militar – de preservar boas relações com todos os vizinhos, não obstante o regime político que prefiram. Se fazemos mais negócios com a Venezuela, isso decorre das circunstâncias de geopolítica econômica. Como o mais importante país industrializado do continente e dispondo de poderosa produção agropecuária, é normal que atendamos às necessidades de seu mercado.
Essa atitude, que os oposicionistas brasileiros, em seu interesse político interno, contestam, também explica a decisão de aumentar substancialmente o pagamento anual ao Paraguai, pelo uso da energia de Itaipu que aquele país não consegue consumir.
Para o Brasil – que cometeu, com os militares, o erro de anexar o país vizinho à sua ilharga, ao localizar a represa onde a localizou – o preço não é alto. Mas o Paraguai, se souber usar o dinheiro, resolverá alguns de seus gravíssimos problemas sociais.
O fato é que tudo o que ocorrer ao nosso lado repercutirá no Brasil – e devemos nos acautelar”
FONTE: artigo do decano jornalista Mauro Santayana publicado no Jornal do Brasil em 30/07/2009.
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