Entrevista exclusiva concedida por escrito pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, à revista Voto, do Rio Grande do Sul.
Publicada na edição deste mês de fevereiro de 2010
Jornalista: Em setembro, o senhor recebeu o prêmio do Instituto Woodrow Wilson (ex-presidente dos Estados Unidos) por “sua extraordinária atuação como homem público”. Recentemente, o jornal El País, da Espanha, o elegeu como a principal personalidade ibero-americana entre os 100 nomes que mais se destacaram em 2009. Seu perfil foi escrito pelo primeiro-ministro espanhol, José Luis Zapatero, e teve como título: “Esse homem impressiona o mundo”. A quais fatores o senhor atribui tamanho reconhecimento mundial?
Presidente: Acredito que essas homenagens são conseqüência da mudança que fizemos na orientação da política externa que levou o Brasil a ser mais ouvido e mais respeitado nos fóruns mundiais. O Brasil tornou-se uma grande referência de estabilidade nas reuniões e acordos do G-20. Não só nas reuniões de chefes de Estado, mas também nas de ministros de fazenda e das relações exteriores, de presidentes de bancos centrais. O Brasil ganhou sua maioridade. E isso nos impõe mais responsabilidade, nas nossas atitudes e nos nossos projetos. Para sermos mais respeitados no mundo, temos que manter a altivez, mas também temos de ser solidários e contribuir para que os países mais pobres também tenham suas oportunidades de desenvolvimento. Veja o que está acontecendo no Haiti. Pelo respeito e a simpatia que conquistamos daquele povo, nestes anos em que lideramos a força de paz da ONU, temos que ajudá-los a superar essa catástrofe e na reconstrução do seu país.
Jornalista: Logo depois de reeleito, em 2006, o senhor elegeu algumas prioridades para seu segundo mandato. Entre elas, o controle da inflação, a estabilidade econômica, a abertura para o exterior, parceria com empresas, a desburocratização, a redução de impostos e ética na política ao investigar todos os atos de corrupção pública. O senhor acredita que está conseguindo cumprir todas estas metas? Ou que conseguirá cumpri-las até o final do seu mandato?
Presidente: Tenho convicção de que fizemos muita coisa neste país. Não só no campo da economia, onde conseguimos controlar a inflação, manter a estabilidade, ampliar o mercado de trabalho, a renda, o crédito e o poder de compra dos trabalhadores, distribuir melhor a carga tributária, corrigindo a tabela do Imposto de Renda dos contribuintes, desonerando a produção em inúmeros setores, tirando impostos da cesta básica, dos materiais de construção.
Também ampliamos muito a assistência social. Este ano o Ministério do Desenvolvimento Social terá um orçamento de quase R$ 40 bilhões, oito vezes o volume de recursos para assistência social que o governo anterior deixou para aplicarmos no nosso primeiro ano de mandato. Tenho certeza de que a prioridade que demos aos mais pobres foi uma vacina que nos ajudou muito a superar a crise, pois mais de 20 milhões de brasileiros saíram da pobreza, e o crescimento da classe média fez a nossa economia continuar girando, quando a dos países ricos travou.
Nós conseguimos arrumar a casa e preparar o país para um novo ciclo duradouro de crescimento acelerado. Estamos a caminho de equilibrar as contas da Previdência, ampliamos muito os investimentos públicos, especialmente na infraestrutura do país.
Eu disse que nós iríamos destravar o crescimento e conseguimos isso com o PAC. Agora que soltamos o freio de mão é só colocar o combustível dos investimentos e pisar no acelerador.
No caso do combate à corrupção, nem sempre as pessoas ficam sabendo das coisas que estamos fazendo. Muitas vezes, a denúncias que aparecem na imprensa são resultados de um trabalho mais efetivo de combate aos desvios de dinheiro público, que foi intensificado, principalmente pela determinação que tivemos de dar absoluta liberdade de ação à Polícia Federal e ao Ministério Público. Não sei se você sabe, mas o Brasil foi considerado o oitavo país mais transparente do mundo, segundo uma pesquisa feita no ano passado por uma ONG dos EUA. Isso porque nós criamos o Portal da Transparência na internet, onde qualquer cidadão pode saber tudo que foi gasto em cada área do governo federal e para quem foi o dinheiro. Lá estão identificados os destinos de mais de R$ 6 trilhões do Tesouro Nacional. Além disso, nós intensificamos o combate à impunidade no serviço público, com o Sistema de Correição da Administração Pública Federal da Controladoria-Geral da União. Desde o início do nosso governo, mais de 2.300 servidores foram expulsos do serviço público por envolvimento em práticas ilícitas. Além disso, mais de mil empresas foram cadastradas pela CGU como inidôneas ou suspeitas e, conseqüentemente, impedidas de participar de licitações. Também enviamos ao Congresso um projeto de lei tornando mais duras as punições para crimes de corrupção cometidos por funcionários dos altos escalões dos três poderes em todos os níveis da administração pública.
Às vezes, a sociedade acaba tendo a idéia de impunidade porque as condenações dependem do Poder Judiciário, onde os processos acabam demorando muito para serem resolvidos.
Sabemos que ainda há muito por fazer, mas temos consciência de que fizemos até o que parecia impossível para colocar o Brasil nos trilhos, com mais riqueza, mais justiça social e mais soberania.
Jornalista: Quais outras metas o senhor considera fundamentais que sejam priorizadas em seu último ano de governo?
Presidente: A meta mais importante, certamente, é terminar o mandato com a certeza de que nosso projeto terá continuidade. Que o Brasil continuará crescendo e distribuindo renda ao mesmo tempo, com a recuperação da capacidade do governo determinar o rumo do país e dar condições para que o setor privado tenha mais ousadia e visão de longo prazo. Que as políticas sociais que desenvolvemos e fortalecemos e a relação democrática que mantivemos com todos os segmentos da sociedade sejam perenizadas. Por isso, eu pedi aos ministros Luiz Dulci e Tarso Genro que fizessem um projeto de lei, chamado Consolidação das Leis Sociais, para consagrar essas ações e programas como políticas de Estado. Espero que isso possa ser debatido no Congresso e aprovado até o fim do ano. Outra coisa importante é a aprovação do marco regulatório do pré-sal. Precisamos aprovar logo o modelo de partilha, a Petro-Sal, a capitalização da Petrobras e o Fundo, para termos as condições de explorar novas áreas e descobrir mais poços de petróleo e, com isso, incentivar a antecipação de investimentos na indústria petrolífera. Também queremos deixar como legado um segundo Plano de Aceleração do Crescimento, o PAC 2, para que o próximo governo, em vez de encontrar os abacaxis que nos deixaram para descascar, tenha um conjunto de projetos com orçamento já garantido, tanto para modernizar e ampliar a infraestrutura, quanto para melhorar as condições de vida das pessoas mais pobres, principalmente as que moram nas periferias das regiões metropolitanas do país. Além disso, estamos finalizando o Plano Nacional de Banda Larga para conectar todo o país à internet a um preço que permita às famílias mais pobres ter acesso ao conhecimento e ao entretenimento quase infinito disponibilizado na rede digital com um desempenho compatível com o avanço das novas tecnologias.
Jornalista: A chapa que venceu as eleições do Partido dos Trabalhadores (PT) afirma que em 2010 estarão em jogo dois projetos opostos. De um lado, os neoliberais que vão pregar um choque de gestão, com o enxugamento da máquina pública. De outro, a aliança em torno da ministra Dilma, candidata do PT, que propõe maior capacidade do Estado no planejamento do desenvolvimento em bases sustentáveis. É a tese de comparar os oito anos do governo de Fernando Henrique com o seu período de governo. O senhor acredita que a eleição terá esse viés plebiscitário?
Presidente: É muito difícil prever como será uma campanha eleitoral com essa antecedência. Mas penso que a comparação dos projetos, do tipo de governo que o povo quer para o país, estará presente na cabeça dos brasileiros quando eles forem escolher meu sucessor.
Eles vão lembrar como é que era nos governos anteriores, comparar com o que foi feito neste governo. Que a prioridade de um era deixar o mercado comandar tudo, desmontar as estruturas de planejamento e gestão do Estado, privatizar tudo, fazer tudo que o FMI e o Banco Mundial mandavam, ser submisso nas discussões com os países mais ricos, não ouvir prefeitos e movimentos sociais, ouvir só meia dúzia de iluminados para construir as políticas públicas, tirar direitos dos trabalhadores.
Enquanto nós fortalecemos o Estado, recuperamos as empresas estatais, melhoramos a gestão delas e as tornamos parceiras e impulsionadoras do crescimento do país. Dispensamos o FMI, ampliamos nossos mercados interno e externo, conquistamos respeito internacional, dialogamos com todos os setores da sociedade, abrimos as portas dos palácios para o povo, decidimos governar para todos e não só para uma parte. São dois projetos distintos e o povo vai decidir o que quer para seu futuro, a continuidade do que estamos fazendo, da maneira como estamos governando o país, ou a volta ao passado de governantes que achavam que sabiam tudo, mas não souberam dar rumo ao país.
Jornalista: As pesquisas coincidem que a sua popularidade está perto de 80%. Quanto desse percentual o senhor acredita que será transferido para sua candidata à Presidência, a ministra Dilma Rousseff?
Presidente: Eleição é avaliação do governo, avaliação da oposição, dos partidos, dos candidatos, dos aliados e dos projetos para o país. Tudo isso tem um peso na cabeça do eleitor na hora de decidir o voto. E não é um peso igual para todo mundo. Um acha que é mais importante uma coisa, outro acha que é outra característica. A convicção que eu tenho é que nós estamos em um momento extraordinário e que a Dilma é uma das grandes responsáveis pelos resultados que estamos alcançando, porque ela sempre foi uma guerreira dentro do governo para que criássemos as condições necessárias a todos os avanços que tivemos. Quando ela era responsável pelo setor de energia, ela arrumou o setor elétrico, que estava bagunçado pela falta de visão estratégica do governo anterior. Parece que eles não sabiam que a energia é o principal combustível do crescimento, pois o setor privado não investe no aumento da capacidade produtiva se não tiver a segurança de que terá energia a um custo estável. Depois, a Dilma foi para a Casa Civil e fez um extraordinário trabalho de coordenação das ações do governo, o planejamento e o acompanhamento do PAC. É uma pessoa com uma capacidade de trabalho fantástica, inteligência e uma visão estratégica do desenvolvimento que poucas pessoas têm no país. Enfim, na hora certa, eu tenho certeza de que o eleitor vai saber quem tem mais afinidade com o projeto que está dando certo e quem não tem.
Jornalista: Caso Dilma Rousseff seja eleita presidente da República, o senhor acredita que ela manterá o mesmo projeto colocado em prática em seu governo ou poderá promover alterações? O senhor já conversou com ela a respeito?
Presidente: A Dilma esteve ao meu lado nas principais decisões de nosso governo. Tenho certeza absoluta de que a Dilma manterá o rumo, porque ela está profundamente comprometida com nosso projeto para o país. É claro que cada pessoa tem o seu jeito, o seu toque pessoal, sua história, suas virtudes e defeitos. Sempre haverá uma ênfase maior aqui, uma correção ali, mas o rumo está dado. A experiência de fazer da inclusão social o motor do crescimento foi adquirida. O caminho para destravar o crescimento com responsabilidade social e ambiental foi encontrado. Essas coisas todas estão sendo conversadas desde o primeiro dia de governo. O que não faltou foi conversa, porque as coisas só acontecem quando as pessoas são convencidas e se tornam parceiras dos projetos.
Jornalista: Na hipótese de o PT ser derrotado nas eleições presidenciais, o senhor teme que o projeto de governo em vigor sofra mudanças? Quais as que o senhor mais teme?
Presidente: Em uma eleição, ninguém trabalha com a hipótese de derrota. Nem o candidato que está com zero por cento nas pesquisas, quanto mais o partido que está em um governo bem avaliado pela população.
Agora, é óbvio que a oposição pretende mudar o rumo que demos ao país. Senão, não estaria na oposição e sim fazendo parte do governo. Ela não concorda com esse projeto, que está dando certo. Então, vai ter de dizer o que pretende mudar. Eles vivem dizendo que o governo gasta muito, que precisa fazer choque de gestão. Onde vão cortar? Vão suspender a política de ganho real para o salário mínimo? Vão deixar de ouvir a sociedade nas conferências? Vão interromper a expansão de vagas em universidades para os mais pobres e os que moram no interior do país? Vão proibir a criação de escolas técnicas, como já fizeram? Vão diminuir as equipes de prevenção da saúde das famílias? Vão manter o Prouni, o Bolsa Família, os Territórios da Cidadania, o Minha Casa Minha Vida? Vão voltar a proibir o financiamento de obras de saneamento básico? Porque, na época deles, o FMI não deixava fazer nada disso e eles baixavam a cabeça e falavam: “sim senhor”. Fazer a transformação de favelas em bairros, como estamos fazendo em muitos lugares do país, como nos morros e nas periferias das regiões metropolitanas, era sacrilégio. Será que eles vão manter tudo ou vão voltar a falar que precisa privatizar, porque o governo só atrapalha e quem sabe fazer tudo é o setor privado? Porque, se for para manter como está, é melhor que seja com quem já está tocando os projetos e sabe como a coisa funciona.
Jornalista: O presidente dos Estados Unidos, recente ganhador do Prêmio Nobel da Paz, em abril disse, em reunião com os chefes de Estado, “Esse é o cara”, referindo-se ao senhor. No decorrer do ano, Barack Obama já sugeriu seu nome para presidir organizações internacionais. Se receber algum convite, o senhor aceitará?
Presidente: Evidentemente, aquela referência foi uma gentileza bem-humorada do presidente Obama, que estava iniciando sua participação nos fóruns mundiais. Eu tenho a felicidade de ter uma boa relação com todos os chefes de Estado ou de Governo que participam dessas reuniões. E fico comovido ao ser lembrado ou homenageado, o que entendo como respeito às posições que o Brasil assumiu nos temas de relevância mundial e aprovação dos resultados que obtivemos internamente, tanto na economia, quanto nas ações sociais. Quanto às cogitações, o que posso dizer é que o futuro a Deus pertence. No momento, o importante é a gente continuar ampliando os limites do possível, para que o Brasil avance cada vez mais e os brasileiros tenham cada vez mais orgulho do seu país e de si mesmos.
Jornalista: O senhor já pensou no que pretende se dedicar logo após passar a faixa presidencial ao seu sucessor?
Presidente: Pode parecer inacreditável, mas eu não consigo pensar em outra coisa que não seja fazer tudo que depender do meu esforço para conseguir o maior avanço possível em todas as políticas que implementamos e desenvolvemos. Até o último segundo do meu mandato estarei lutando para que esses avanços sejam permanentes e para abrir novos espaços para mais avanços que possam colocar o povo brasileiro, especialmente os mais pobres, no patamar de bem estar social que ele merece.
Jornalista: A pergunta é inevitável, diante da aprovação recorde que o senhor possui em pleno final de segundo mandato: se for decisão do PT, o senhor tornará a concorrer à Presidência da República em 2014?
Presidente: 2014 está muito longe. Vamos ver primeiro o que acontece em 2010, 2011, 2012 e 2013. Os governantes que fizeram planos para voltar no futuro não foram muito felizes. Meu objetivo, agora, é eleger a Dilma. Como tenho certeza de que ela tem tudo para fazer um ótimo governo. É mais provável que ela queira disputar a reeleição. Quando propus acabar com as reeleições seguidas no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, permitindo apenas dois mandatos para cada presidente, eu tinha a convicção de que era preciso renovar as lideranças para oxigenar a política. Continuo com essa convicção. A gente faz o máximo que pode para liderar os avanços. Depois passa o bastão para outro com a mesma gana de fazer mais ainda do que a gente. É assim que as coisas acontecem.
Jornalista: Em que pontos o senhor acredita que o governo Lula poderia ter avançado e, por algum motivo, não conseguiu?
Presidente: Posso garantir que nós fizemos e vamos continuar fazendo até o último dia do meu mandato todo o possível para avançarmos ao máximo em todas as áreas. Mas nem sempre a gente consegue que tudo aconteça na velocidade que gostaríamos que acontecessem. Algumas ações apresentam resultados mais rapidamente. Outras demoram um pouco mais. Às vezes, as forças que representam a sociedade no Congresso ainda não estão convencidas de algumas reformas.
No caso da reforma política, estou convencido de que só será possível avançar se tivermos uma Assembléia Constituinte exclusiva para tratar do assunto. Todos querem uma reforma política, mas na hora de fazer, a maioria dos deputados e senadores fica com medo de perder sua influência política com as novas regras. O mesmo acontece com a reforma tributária. Todo mundo é a favor até aparecer o texto que vai a votação. Aí, um governador é contra uma parte, outro é contra outra parte, uma bancada quer colocar uma proteção aqui, outra quer tirar um incentivo ali, e ninguém chega a um acordo. A verdade é que todo mundo quer reduzir a carga tributária, mas ninguém quer correr o risco de perder receita. Então, espero que haja um amadurecimento dos parlamentares, dirigentes de partidos e governadores para termos condições de avançar mais nessas duas questões na próxima Legislatura."
FONTE: publicada hoje (12/02) no site www.pt.org.br
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