“O que é Defesa Nacional? Quanto custa? Que benefícios traz para o desenvolvimento tecnológico? Nos últimos anos, essas e outras questões relacionadas têm despertado maior interesse entre os brasileiros
por Cosme Degenar Drumond
O Brasil sempre mostrou vocação e capacidade técnica para desenvolver e construir sistemas de defesa, desde o período colonial. Mas ao longo da história importou mais do que produziu nessa área. Na verdade, nunca houve no País uma política de Estado voltada para apoiar e suportar a produção nacional no setor. Pelo contrário. Na segunda metade da década de 1980, o Congresso Nacional confundiu defesa com repressão política e deflagrou um processo de enfraquecimento do poder militar brasileiro. Hoje, 25 anos depois – tempo suficiente para o domínio de uma gama de tecnologias de ponta –, a importância que a defesa representa no Estado democrático é finalmente reconhecida no Brasil.
É bem isso o que a Estratégia Nacional de Defesa, aprovada em dezembro de 2008, mostra claramente ao estabelecer um conjunto de ações de médio e longo prazo de modernização e aparelhamento das Forças Armadas. A indústria de defesa brasileira volta a participar da agenda nacional como responsável pela produção e pelo fornecimento dos equipamentos necessários, apoiada em tecnologias de domínio próprio.
A decisão chega com atraso, mas é inédita na história brasileira, amalgamada por objetivos estratégicos que visam, entre outras metas, criar um escudo protetor eficiente e bem-estruturado para o País e estimular a ciência e a tecnologia no setor de defesa.
FIESP
Nesse contexto, o Departamento da Indústria de Defesa (Comdefesa) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) cumpriu e vem desenvolvendo um trabalho de alta relevância política. O envolvimento da FIESP na questão fez com que o tema defesa virasse rotina na entidade paulista com debates construtivos que valorizam as missões constitucionais do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.
O Comdefesa nasceu em novembro de 2004, constituído por representantes das empresas do setor, da Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa (ABIMDE), Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil (AIAB), das Forças Armadas, agências do governo, do sindicato dos ministérios da Defesa, da Ciência e Tecnologia, Desenvolvimento, Indústria e Comércio e Relações Exteriores e da Fiesp.
As Forças Armadas sempre apareceram nas primeiras posições das pesquisas de opinião sobre a confiança das instituições brasileiras. Isso é fato. Na mais recente delas, do segundo trimestre de 2010, o Relatório ICJBrasil (Índice de Confiança na Justiça), da Fundação Getulio Vargas, as Forças Armadas lideram a pesquisa, com 63% de confiabilidade da população, seguidas das grandes empresas (54%) e do governo federal (43%). A confiabilidade do Judiciário aumentou (33%). Das dez instituições pesquisadas, os partidos políticos aparecem na última posição, com 21% de confiança.
Contrariamente à privilegiada imagem de que gozam perante a população, as Forças Armadas, porém, não recebiam tratamento justo em aparelhamento, à altura da real magnitude da personalidade brasileira. A Estratégia Nacional de Defesa pretende corrigir esse contraste. Esse foi o primeiro grande objetivo do movimento industrial que recebeu o apoio da FIESP por meio do Comdefesa.
O departamento promoveu a capacidade da indústria de defesa em pesquisa, conhecimento e inovação, formou banco de competências, incentivou missões comerciais e conduziu seminários e debates, sempre sob a perspectiva da produção nacional. Ao mesmo tempo, discutiu com o governo o fortalecimento da estrutura de defesa do País. Os bons resultados sucederam-se. Outros fóruns importantes reforçaram o movimento em prol da defesa.
Na avaliação de Walter Bartels, presidente da Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil (AIAB), essa interlocução governo-indústria deu origem a vários documentos legais que hoje regem -- ou se propõem a reger -- a atividade da indústria de defesa no País, sempre em suporte às Forças Armadas. A grande novidade é o status conferido à Defesa Nacional como atribuição do Estado, e não mais como decisão de governo.
Isolada por muitos anos das grandes decisões nacionais, a indústria de defesa brasileira ingressa em um novo tempo.
LUZES E SOMBRAS
A modernização das Forças Armadas começou com a assinatura dos contratos para a produção de helicópteros de transporte militar e de construção de submarinos, que implicarão o derramamento de avançadas tecnologias na indústria brasileira. Um terceiro programa, que fornecerá os caças de superioridade aérea pretendidos pela Força Aérea, desencadeará semelhante arrasto tecnológico. “O Brasil está entrando em uma fase de conscientização da necessidade de usar cada vez mais os conhecimentos de ponta, o que puxa o País para um nível diferenciado em termos de materiais de conteúdo tecnológico”, diz Jairo Cândido, diretor titular do Comdefesa.
A indústria está capacitada para enfrentar os novos desafios. Conta com pessoal técnico e instalações industriais modernas e certificadas. Uma parcela do setor, no entanto, precisa passar pelo mesmo processo de capacitação. Cândido não vê dificuldade para o exigido aprimoramento. “A indústria é bastante ágil e estará inteiramente pronta e certificada no tempo certo.”
As previsões indicam o ano de 2014 como o início do enlace da indústria com os programas previstos pela Estratégia Nacional de Defesa. Até lá as empresas estarão se aprimorando e discutindo os processos de transferência de tecnologias e pleiteando a remoção dos obstáculos que sempre dificultaram o crescimento da produção nacional. Se o poder de compra das Forças Armadas é essencial para a indústria, a diminuição da carga tributária incidente sobre os produtos brasileiros é fundamental para garantir a competitividade perante a similar estrangeira. Diferentemente de outros setores produtivos, a Defesa trabalha com alto volume de obrigações, sobretudo em aquisição de tecnologias e certificações, até chegar ao produto pronto. Isso exige tratamento especial, já que o único cliente nesse mercado é o próprio governo.
NECESSIDADES
Algumas das soluções pleiteadas pela indústria requerem a votação de emendas à Constituição, sobretudo de orçamentos, isonomia tributária e apoio à exportação. Os orçamentos militares não têm sido suficientes para estimular a produção nacional. No mercado mundial, as empresas brasileiras enfrentam dificuldades de exportação. O diretor titular do Comdefesa elenca as razões: “Precisamos de financiamento para vender no exterior e de garantias para os contratos negociados”.
A Estratégia Nacional de Defesa será regulamentada [em breve]. A partir daí, a Secretaria de Compras do Ministério da Defesa convocará as empresas para os entendimentos legais de atendimento às demandas. O orçamento da União e os financiamentos externos são as alavancas para as produções. Nesse aspecto, deve-se considerar que os programas de desenvolvimento tecnológico não podem sofrer quedas de fluxo econômico ou interrupção do ciclo de produção, sob o risco de prejudicar toda a dinâmica dos processos.
Outros aspectos importantes são os offsets, a contratação de mão de obra especializada, até para compreender as novas tecnologias que serão processadas, as figuras do “prime contractor” e “main contractor”, o melhor desenho na formação técnica, a sintonia com os parceiros internacionais. É sabido que tecnologia de ponta não se transfere, não se dá, nem se vende; adquire-se praticando. Essa é outra relevante questão a considerar, cujo objetivo é tornar a Defesa Nacional forte e independente. A missão do Comdefesa, portanto, permanece ampla e contínua.”
FONTE: escrito pelo jornalista Cosme Degenar Drumond e publicado na Revista da Indústria, nº 163. Transcrito no site “DefesaNet” (http://www.defesanet.com.br/com_def/RI_163.htm).
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