sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

POR QUE A AMÉRICA LATINA NÃO CRESCE COMO A ÁSIA?

Gabriel Palma

“Em 1980, o parque industrial brasileiro era maior que o da Tailândia, Malásia, Coréia do Sul e China combinados. Em 2010, a indústria brasileira representou pouco menos de 15% em comparação com esses países. Acho que o que tem que perguntar é por que o Brasil representa 75% do comércio mundial de ferro e só dois por cento do de aço em um país que tem a Embraer. E não é só o Brasil. Temos o caso do Chile, que hoje exporta muito mais cobre concentrado que fundido que há 20 anos. A avaliação é de Gabriel Palma, professor chileno da Universidade de Cambridge, em entrevista à “Carta Maior”.

Por Marcelo Justo, correspondente da “Carta Maior” em Londres

Ao fim de 2011 a economia brasileira teve crescimento nulo. No princípio deste ano, um prestigioso instituto britânico, o “Centre for Economic and Busines Research”, colocou o Brasil à frente do Reino Unido na lista das “top 10” economias do mundo e previu que, em 2020, sua economia [do Brasil] superaria à da Alemanha, hoje segundo exportador mundial depois da China. “Carta Maior” dialogou com Gabriel Palma, acadêmico chileno da Universidade de Cambridge, na Grã Bretanha, especialista em política econômica comparada, que há anos procura desentranhar por que os países da Ásia têm crescimento sustentável que não existe na América Latina.

-No Brasil o copo está meio vazio ou meio cheio?

Gabriel Palma – Que a economia brasileira, em termos de Produto Bruto Interno, tenha passado a do Reino Unido não é tão significativo como pareceria à primeira vista, porque o Brasil tem três vezes a população britânica. Se for comparado esse dado com outras estatísticas brasileiras como a desaceleração, a desindustrialização, a "commoditificação" da economia, o panorama muda. Meu ponto de partida é outro. O que venho me perguntando faz tempo é por que os países da América Latina não podem crescer como os da Ásia. Na Coréia, Singapura, Taiwan, Malásia, Tailândia, Indonésia e China, o crescimento foi de dois dígitos durante décadas. Na América Latina não. Dá-se um crescimento de dois dígitos que dura uns anos e depois se esvazia. E não acontece só no Brasil. Acontece no Chile, na Argentina, no resto da região.

-E qual é a resposta a essa pergunta?

Gabriel Palma – Como você pode imaginar, é muito complexa. Mas os dados são muito claros. Em 1980 o parque industrial brasileiro era maior que o da Tailândia, Malásia, Coréia do Sul e China combinados. Em 2010, a indústria brasileira representou pouco menos de 15% em comparação com esses países. Acho que o que tem que perguntar é por que o Brasil representa 75% do comércio mundial de ferro e só dois por cento do de aço em um país que tem a Embraer. E não é só o Brasil. Temos o caso do Chile, que hoje exporta muito mais cobre concentrado que fundido que há 20 anos. O caso do México, que nos anos 80 se propôs um desenvolvimento exportador com as montadoras. Hoje, tem a mesma proporção de montadoras que 30 anos atrás.

A China, que também teve esse modelo exportador nos anos 80, hoje exporta a metade de sua produção com produtos de alto valor agregado. Há ambição econômica na Ásia que contrasta com a inércia que se sente na América Latina. Isso não quer dizer que não há tentativas. Na Argentina, se está experimentando algo diferente. No Brasil, Mantega está tentando, mas se choca com o Banco Central. Na Ásia, todos parecem querer se superar.

-Entretanto, no caso do Brasil se calcula que uns 13 milhões de pessoas saíram da extrema pobreza na última década, sinal de que houve avanços.

Gabriel Palma – No Brasil como no Chile e na Argentina, houve avanços, tanto nesse sentido como na redução do desemprego. No Brasil, temos o salário mínimo e o bolsa-família que dá a 11 milhões de famílias subsídios que lhes permitam baixar os níveis de pobreza. A questão é que todo esse bolsa-família é 0,5% do PIB. Agora, se com 0,5% do PIB se consegue essa redução da pobreza, por que não se tenta com 1% do PIB, o que não é nada do outro mundo e que reduziria em 11 milhões mais a pobreza? Segundo estudo da CEPAL, há seis países latino-americanos, entre eles a Argentina, o Brasil e o Chile, nos quais custaria menos de 1% do PIB terminar com a pobreza. Se falarmos da Índia, com 500 milhões de pobres, a tarefa é titânica: custa 10% do PIB terminar com a pobreza. Na América Latina não. No Chile, com 20 anos de governo da “Concertação” se reduziu primeiro a pobreza de 40% a 20% e, uma década mais tarde, 10%. Hoje, voltou a dar um salto a 15%. Inclusive com governos progressistas, que têm vontade política nesse sentido, com contas fiscais em ordem e um boom de commodities, o avanço é muito menor do que poderia ser.

-Há um assunto que trata do desenvolvimento também. A pobreza está inevitavelmente vinculada com o modelo econômico que se aplica.

Gabriel Palma – Não resta dúvida. No Brasil, há crescente "commoditificação" da economia. Há 10 anos, as commodities representavam 25% do total. Hoje, constituem 50%. Há grande desenvolvimento das commodities, mas com poucos produtos processados e com abandono da indústria manufatureira, o que é lamentável. O atual modelo econômico, que começou nos anos 80, aprofundou-se com Cardoso e continuou com Lula, se baseia em câmbio sobrevalorizado e na entrada de capital, o que vem causando a desindustrialização do país. Não há país asiático que siga essa política macro.

-O governo lançou o programa “Brasil Maior” para revitalizar a indústria. O caminho pode ser este?


Gabriel Palma – Se parar a decadência já me conformo. Ao olhar a taxa de investimento total – nacional, estrangeira, pública e privada – por trabalhador no Brasil, se percebe que, hoje, são menores do que nos anos 80. Ao comparar com a China, se percebe que o investimento aumentou 12 vezes com respeito aos anos 80. O Brasil vem, há 30 anos, com investimento público menor que 3% do PIB. Hoje, a infraestrutura está caindo aos pedaços. E as taxas de juro são usurárias. No último estudo da Federação de Comercio de São Paulo, a taxa de juros média do cartão de crédito batia em 230 % anual. Fala-se muito da criação de nova classe média graças ao acesso ao crédito, mas além de acesso ao consumo o que eu vejo é grande endividamento com taxas de mora muito altas.

-Há uma bomba-relógio no setor financeiro do Brasil?

Gabriel Palma – Não acho que seja como a dos Estados Unidos e Europa. Há problemas, mas as contas fiscais são sustentáveis, a dívida externa caiu, o setor produtivo não tem grandes dívidas. O melhor que se pode dizer do Brasil é que não há nenhuma bomba-relógio financeira nos próximos cinco anos. Mas também está claro que não vai haver crescimento de mais de três ou 4 %, e terá grande desenvolvimento no setor financeiro e nas commodities. O último informe global do Banco Santander é muito interessante nesse sentido. No Brasil, estão 15% de seus ativos e 30 % de seus lucros mundiais. Por isso, todos receberam Lula como um herói em Davos.

-Que impacto pode ter essa situação do Brasil em seus vizinhos em meio à atual crise econômica?

Gabriel Palma – A grande vantagem dos países latino-americanos é que a demanda das commodities vai continuar. Isso amortiza o impacto de uma crise externa. Acho que a atual crise mundial vai deixar lembranças, não tanto pela profundidade, mas pelo tempo que vai custar para sair. Nesse sentido, a América Latina teria que se preparar para cinco ou dez anos de dificuldades no setor externo e se concentrar mais em potencializar seu mercado doméstico.”

FONTE: reportagem de Marcelo Justo, correspondente da “Carta Maior” em Londres. Transcrita no site “Carta Maior” com tradução de Libório Junior  (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19522) [imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].

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