quinta-feira, 4 de junho de 2015

A CIÊNCIA DA CORRUPÇÃO





A ciência da corrupção

Por Riad Younes, médico, diretor clínico do Hospital Sírio-Libanês e professor da Faculdade de Medicina da USP

Pesquisas em Harvard e Duke mostram que estudantes atropelam a ética quando pensam que não serão flagrados

"A honestidade é o capítulo número 1 do livro da sabedoria" - Thomas Jefferson

"As manchetes dos jornais insistem, implacáveis. Todos os dias, novas revelações que políticos, pertencentes a todos os partidos, todas as ideologias e todas as classes sociais se envolvem em atos de corrupção, mentira e desonestidade. Pessoas que, algumas décadas atrás, eram portadoras da bandeira da retidão e da honestidade, lutando e arriscando a própria vida por uma sociedade mais justa, mais democrática e isenta de corruptos.

O que leva, afinal, essas mesmas pessoas, quando em posição de autoridade e de poder, político ou administrativo, a praticar atos tão baixos? De roubar os cofres públicos, por exemplo, e mentir sem uma piscada de olhos? A ciência tenta explicar, mas sem nunca justificar, esses comportamentos aparentemente inexplicáveis.

Estudos científicos realizados recentemente esclarecem as tendências inerentes a cada pessoa, que independentemente de cor, raça, nível intelectual ou partido político (PSDB, PMDB ou PT) agem previsivelmente da mesma forma. Pesquisas lideradas e recentemente publicadas pelos doutores F. Gino e D. Ariely, realizadas com alunos voluntários nas universidades de Harvard e de Duke, nos EUA, demonstraram que, quando as pessoas têm a oportunidade de ser desonestas, e quando a probabilidade de ser pegas nesse ato e o custo sobre sua reputação é percebido como mínimo, a maioria pratica atos de desonestidade. Mesmo que não “roubem” tudo o que podem inicialmente. E, curiosamente, elas têm a tendência de roubar mais, quando alguém de seu “time”, grupo, partido, está roubando, de que quando alguém do “outro” time ou partido for, obviamente, identificado como corrupto.

Um experimento interessante provou essa teoria. Os cientistas colocaram alunos de duas universidades concorrentes em uma grande sala, cada um visivelmente uniformizado com a camisa de sua instituição. Foi pedido a eles para responder a um teste difícil de conhecimentos gerais. Ao término do teste, o aluno levantava, rasgava sua prova e jogava no lixo, independentemente de quantas questões acertou, e recebia do examinador (que não viu sua prova) 10 dólares pelo esforço e era liberado para sair da sala e se divertir. Os cientistas colocaram, sem ninguém saber, um aluno-ator, disfarçado e uniformizado como pertencente a uma universidade.

Esse aluno levantou-se após poucos minutos do início do teste, declarando que tinha acabado todo o exame (obviamente mentindo, pois não teria tido tempo hábil sequer de ler o texto), rasgou o exame, jogou no lixo, pegou seus 10 dólares e saiu para passear. Adivinhem qual o grupo de universitários que entregou o exame antes do outro? Exatamente os “colegas” desse aluno-ator. A maioria desse grupo teve a tendência de “mentir”, ou de roubar no tempo, se assim preferir, para sair mais cedo e receber seus dólares, com menor esforço.

O outro grupo de alunos, mesmo sabendo que seus “concorrentes” estão mentindo, fez o teste até o fim. Seriam eles mais honestos? Não, explica o doutor Ariely. Quando alguém tem a oportunidade de roubar, e percebe que em seu grupo alguém já fez isso sem desgaste maior de sua reputação, ele tende a roubar também, mesmo em grau menor, ficando um pouco mais de tempo fingindo responder à prova. O outro grupo contém-se, nesse momento, de roubar, independentemente de sua vontade intrínseca de fazer, ou de ter feito anteriormente o mesmo. Isso não lembra as discussões atuais entre quem rouba mais no Brasil, o PT ou o PSDB?

Em outro experimento, dada a oportunidade a esses universitários de corromper o examinador para obter vantagem monetária mínima, 90% deles pagou a propina para ganhar um pouco a mais. E a diferença era entre ganhar 4 e 20 dólares! Usando sua criatividade, os indivíduos lançam mão de várias “razões” para justificar seus pequenos deslizes iniciais. Uma “razão” frequentemente citada é que esses pequenos roubos não atrapalham ninguém. Ficam ainda mais confortáveis se a desonestidade beneficiar mais pessoas, e não simplesmente o próprio indivíduo. E quanto maior o grupo beneficiado, mais a pessoa se convence da “ética” de sua mentira. Imagine se o beneficiário seria um partido inteiro. Quanta gente ganhando, e quanta justificativa “ética”. E a consciência do corrupto fica progressivamente mais em paz. E o volume dos roubos e dos desvios é maior.

Para quem quiser ler mais sobre esse assunto fascinante, que explica como petistas e peessedebistas, entre outros, pensam, agem, corrompem-se e justificam seus atos, sugiro o artigo científico publicado recentemente por F. Gino na revista "Journal of Economical Behavior", ou um livro delicioso e imprescindível publicado por Dan Ariely, e que resume essas e outras pesquisas na mesma linha, "Previsivelmente Irracional" (Editora Campus). Em outras palavras, trocar o corrupto não necessariamente diminui a corrupção, e, tendo oportunidade, quase todo mundo roubaria. Um pouco no início. Assim começaram Bernard Madoff, e todos os outros. Políticos ou administradores. Como dizia um provérbio árabe: “Quem rouba um ovo roubará um camelo”. Ou o Brasil inteiro, se tiver a oportunidade."

FONTE: escrito por Riad Younesmédico, diretor clínico do Hospital Sírio-Libanês e professor da Faculdade de Medicina da USP; publicado na revista "CartaCapital"  (http://www.cartacapital.com.br/revista/852/a-ciencia-da-corrupcao-8970.html).

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