A nova geopolítica do petróleo
Por Ignacio Ramonet, no "Le Monde Diplomatique"
"Washington não quer ver-se de novo na humilhante situação da Guerra Fria (1948-1989), quando teve de compartilhar a sua hegemonia mundial com outra superpotência, a União Soviética. Os conselheiros de Obama formulam esta teoria da seguinte maneira: "Um único planeta, uma única superpotência".
"Washington não quer ver-se de novo na humilhante situação da Guerra Fria (1948-1989), quando teve de compartilhar a sua hegemonia mundial com outra superpotência, a União Soviética. Os conselheiros de Obama formulam esta teoria da seguinte maneira: "Um único planeta, uma única superpotência".
Em que contexto geral está sendo desenhada a nova geopolítica do petróleo? O país hegemônico, os Estados Unidos, considera que a China é a única potência contemporânea capaz, a médio prazo (na segunda metade do século XXI), de rivalizar com ele e ameaçar a sua hegemonia solitária à escala planetária. Por isso, Washington instaurou secretamente, desde os inícios de 2000, uma desconfiança estratégica em relação a Pequim.
O presidente Barack Obama decidiu reorientar a política externa dos EUA tendo esse parâmetro como critério principal. Washington não quer ver-se de novo na humilhante situação da Guerra Fria (1948-1989), quando teve de compartilhar a sua hegemonia mundial com outra superpotência, a União Soviética. Os conselheiros de Obama formulam essa teoria da seguinte maneira: um único planeta, uma única superpotência.
Em consequência, Washington continua a aumentar as suas forças e as suas bases militares na Ásia oriental, com o intuito de conter a China. Pequim constata já o bloqueio da sua capacidade de expansão marítima devido aos múltiplos conflitos em torno de ilhotas com a Coreia do Sul, Taiwan, Japão, Vietname, Filipinas... E pela poderosa presença da sétima frota dos Estados Unidos. Paralelamente, a diplomacia de Washington reforça as suas relações com todos os Estados que têm fronteiras terrestres com a China (exceto a Rússia). O que explica a recente e espetacular aproximação de Washington com o Vietname e a Birmânia.
Esta política prioritária de atenção ao Extremo Oriente e de contenção da China só é possível se os Estados Unidos conseguirem afastar-se do Oriente Próximo .
Nesse palco estratégico, a Casa Branca intervém tradicionalmente em três campos. Primeiro, no militar: Washington está implicado em vários conflitos, especialmente no Afeganistão contra os talibans e no Iraque-Síria contra a organização Estado Islâmico. Segundo, no diplomático, em particular com a República Islâmica do Irã, com o objetivo de limitar a sua expansão ideológica e impedir o acesso de Teerã à força nuclear. Terceiro, o da solidariedade, especialmente a respeito de Israel, para o qual os Estados Unidos continuam a ser uma espécie de protetor em [todas e] última instância.
Esse grande envolvimento direto de Washington na região (particularmente após a guerra do Golfo, em 1991) mostrou os limites da potência americana, que não pôde realmente ganhar nenhum dos conflitos nos quais se envolveu fortemente (Iraque, Afeganistão). Conflitos que tiveram, para os seus cofres, um custo astronômico com consequências desastrosas até para o sistema financeiro internacional.
Atualmente Washington sabe que os Estados Unidos não podem realizar simultaneamente duas grandes guerras de alcance planetário. Portanto, a alternativa é a seguinte: ou continuam mergulhados no pantanal do Oriente Próximo, em conflitos típicos do século XIX, ou concentram-se na urgente contenção da China, cujo impulso fulgurante poderia anunciar a decadência dos Estados Unidos a médio prazo.
A decisão de Obama é óbvia: tem de enfrentar o segundo desafio, pois esse será decisivo para o futuro dos Estados Unidos no século XXI. Em consequência, tem de retirar-se progressivamente – mas imperativamente – do Oriente Próximo.
Aqui se coloca uma questão: por que, desde o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos se envolveram tanto no Oriente Próximo, ao ponto de descuidarem o resto do mundo? Para essa pergunta, a resposta pode limitar-se a uma palavra: petróleo. Desde que os Estados Unidos deixaram de ser autossuficientes em petróleo, no final dos anos 40, o controle das principais zonas de produção de hidrocarbonetos converteu-se numa obsessão estratégica. Isso explica parcialmente a diplomacia dos golpes de Estado de Washington, especialmente no Médio Oriente e na América Latina.
No Oriente Próximo, nos anos 50, à medida em que o velho império britânico se retirava e ficava reduzido ao seu arquipélago inicial, o império americano substituía-o, colocando os seus homens à frente dos países dessas regiões. Sobretudo na Arábia Saudita e no Irã, principais produtores de petróleo do mundo, junto com a Venezuela, já sob controle dos EUA na época.
Até há pouco, a dependência de Washington do petróleo e do gás do Oriente Próximo impediu-o de considerar a possibilidade de retirar-se da região. O que mudou então, para que os Estados Unidos pensem agora em sair do Oriente Próximo? O petróleo e o gás de xisto, cuja produção pelo método chamado "fracking" aumentou significativamente em começos dos anos 2000. Isso modificou todos os parâmetros. A exploração desse tipo de hidrocarbonetos (cujo custo é mais elevado que o do petróleo tradicional) foi favorecida pelo importante aumento do preço dos hidrocarbonetos, que em média superaram 100 dólares por barril entre 2010 e 2013.
Atualmente, os Estados Unidos recuperaram a autossuficiência energética e estão mesmo convertendo-se outra vez num importante exportador de hidrocarbonetos. Portanto, podem agora, por fim, considerar a possibilidade de se retirarem do Oriente Próximo. Com a condição de sarar rapidamente várias feridas que por vezes datam de mais de um século.
Por essa razão, Obama retirou a quase a totalidade das suas tropas do Iraque e do Afeganistão. Os Estados Unidos participaram muito discretamente nos bombardeios da Líbia. E recusaram-se a intervir contra as autoridades de Damasco, na Síria. Por outro lado, Washington procura em ritmo forçado um acordo com Teerã sobre a questão nuclear. E pressiona Israel para que o seu governo progrida urgentemente em direção a um acordo com os palestinos. Em todos esses temas, percebe-se o desejo de Washington de fechar as frentes do Oriente Próximo para passar a outra questão (China) e esquecer os pesadelos do Oriente Próximo.
Todo este cenário desenvolveu-se perfeitamente enquanto os preços do petróleo continuavam altos, ao redor de 100 dólares por barril. O preço de exploração do barril de petróleo de xisto é de aproximadamente 60 dólares, o que deixava aos produtores uma margem considerável (entre 30 e 40 dólares por barril).
Foi aqui que a Arábia Saudita decidiu intervir. Riad opõe-se a que os Estados Unidos se retirem do Oriente Próximo, sobretudo se antes Washington estabelecer um acordo sobre a questão nuclear com Teerã. Acordo que os sauditas consideram demasiado favorável ao Irã e que, segundo a monarquia wahabita, exporia os sauditas, e mais em geral os sunitas, a converterem-se em vítimas do que chamam de expansionismo xiita. Há que ter presente de que as principais jazidas de hidrocarbonetos sauditas se encontram em zonas de população xiita.
Considerando que dispõe das segundas reservas mundiais de petróleo, a Arábia Saudita decidiu usar o "crude" para sabotar a estratégia dos Estados Unidos. Opondo-se às orientações da "Organização de Países Exportadores de Petróleo" (OPEP), Riad decidiu, contra toda a lógica comercial aparente, aumentar consideravelmente a sua produção e fazer, desse modo, baixar os preços, inundando o mercado de petróleo barato. A estratégia deu resultado rapidamente. Em pouco tempo, os preços do petróleo baixaram 50 por cento. O preço do barril desceu para 40 dólares (antes de subir ligeiramente, até aproximadamente 55-60 dólares atualmente).
Essa política desferiu duro golpe ao "fracking". A maioria dos grandes produtores norte-americanos de gás de xisto estão atualmente em crise, endividados e correm o risco de falir (o que implica uma ameaça para o sistema bancário dos EUA, que tinha generosamente oferecido abundantes créditos aos neopetrolíferos). A 40 dólares o barril, o xisto já não é rentável. Nem as perfurações profundas "off shore". Muitas companhias petrolíferas importantes já anunciaram que interrompem as suas explorações em alto mar por não serem rentáveis, provocando a perda de dezenas de milhares de empregos.
Uma vez mais, o petróleo é menos abundante. E os preços sobem ligeiramente. Mas as reservas da Arábia Saudita são suficientemente importantes para que Riad regule o fluxo e ajuste a sua produção de maneira a permitir um ligeiro aumento de preço (até 60 dólares aproximadamente). Mas sem superar os limites que permitiriam ao "fracking" e às jazidas marítimas de grande profundidade recomeçarem a produção. Desse modo, Riad converteu-se no árbitro absoluto em matéria de preço do petróleo (parâmetro decisivo para as economias de dezenas de países, entre os quais figuram a Rússia, a Argélia, a Venezuela, a Nigéria, o México, a Indonésia etc).
Essas novas circunstâncias obrigam Barack Obama a reconsiderar os seus planos. A crise do "fracking" poderia representar o fim da auto-suficiência de energia fóssil nos Estados Unidos e, portanto, o regresso à dependência do Oriente Próximo (e também da Venezuela, por exemplo). Por agora, Riad parece ter ganho a aposta. Até quando?"
FONTE: escrito por Ignacio Ramonet; publicado no Le Monde Diplomatique em espanhol. Retirado de Attac.es (Espanha). Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net, de Portugal. Postado no "Jornal GGN" (http://jornalggn.com.br/blog/antonio-ateu/a-nova-geopolitica-do-petroleo-por-ignacio-ramonet). [Pequenas adaptações do texto ao idioma português da Brasil introduzidas por este blog 'democracia&política'].
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