Frederico, o Grande, e FHC: das obsessões históricas de Hitler às fixações histéricas dos tucanos
Por Fábio de Oliveira Ribeiro
"Uma das coisas mais intrigantes para mim, que nasci duas décadas depois do fim da segunda guerra mundial, foi compreender a obsessão de Hitler por Frederico o Grande. Todos os biógrafos do líder nazista fazem referência a esse fato, que pode ser detectado durante o assalto dos nazistas ao poder, durante a guerra e até o fim da mesma:
“Com sua supremacia firmemente estabelecida em 1926, Hitler jamais perdia uma oportunidade para destacar o ‘valor da personalidade’ e a ‘grandeza individual’ como força orientadora da luta da Alemanha e seu renascimento vindouro. Ele evitava referências específicas a suas reivindicações ao status de ‘herói’. Não era necessário, isso podia ser deixado para o número crescente de convertidos ao culto a Hitler e à efusão da propaganda organizada. Para o próprio Hitler, o ‘mito do Führer’ era ao mesmo tempo uma arma de propaganda e um dogma central de crença. Sua ‘grandeza’ podia ser implícita, mas inequivocamente ressaltada por repetidas referências a Bismark, Frederico o grande e Lutero, ao lado de alusões a Mussolini.” (Hitler, Ian Kershaw, Companhia das Letras, São Paulo, 2010, p. 214).
“No estúdio de Hitler, havia uma foto de Frederico, o Grande, na parede: o rei da Prússia tinha se recuperado durante a Guerra dos Sete Anos mesmo depois de os russos terem ocupado Berlim, e Hitler se inspirou em seu exemplo: na verdade, Goebbles sabia de cor o trecho da biografia do rei, escrita por Thomas Carlyle, na qual o autor, dirigindo-se diretamente ao monarca, garantiu-lhe que, no fim, ele iria vencer, e então a declamou para o Líder nazista como encorajamento. Hitler achou que a morte do presidente americano era exatamente como o ponto decisivo nas guerras de Frederico, o Grande, quando tsarina Elizabeth havia morrido, e a Rússia subitamente abandonara a coalizão contra a Prússia.” (O Terceiro Reich em Guerra, Richard J. Evans, editora Planeta, São Paulo, 2012, p. 827)
“...A maioria dos generais alemães, no Ocidente, acreditava que havia chegado o fim. ‘Não mais existiam quaisquer forças terrestres e muito menos forças aéreas’, diz Speidel. ‘No que me dizia respeito, a guerra tinha terminado em setembro’, declarou Rundstedt, que, em 4 de setembro, havia sido reintegrado no posto de comandante-em-chefe no Ocidente, aos inquisidores Aliados depois da guerra. Não, porém, para Adolf Hitler. No último dia de agosto, fez uma preleção no quartel-general a alguns de seus generais, tentando injetar-lhes novo sangue nas veias e, ao mesmo tempo, sustentar uma esperança.
‘Se necessário, lutaremos no Reno. Isso não faz diferença. Quaisquer que sejam as circunstâncias, continuaremos esta batalha, como disse Frederico, o Grande, até que nossos malditos inimigos se cansem de lutar. Combateremos até conseguir uma paz que assegure a vida da nação alemã durante os próximos cinquenta ou cem anos, e que, acima de tudo, não macule nossa honra como aconteceu em 1918 (...). Vivo apenas para dirigir esta luta, pois sei que ela não poderá ser ganha se não houver uma vontade de ferro apoiando-a.’ ” (Ascenção e queda do Terceiro Reich - O começo do fim 1939-1945, William L. Shirer, editora Agir, Rio de Janeiro, 2008, p. 625)
“O bunker no qual Hitler se refugiou ocupava toda a área sob o jardim da chancelaria do Reich e terminava numa torre cilíndrica de cimento, que servia de saída de emergência. Nos doze cômodos do andar superior chamado de antebunker, ficava o pessoal de serviço, a cozinha da dieta e o quadro elétrico. Uma escada em espiral ia ter ao bunker do Führer, mais abaixo, com vinte cômodos e um amplo corredor. À direita, os quartos de Bormann, Goebbles, o médico SS Dr. Stumpfegger e escritórios; à direita, seis salas de Hitler; do lado da fachada, o corredor ia terminar alguns metros adiante, na sala de reuniões. Durante o dia, Hitler permanecia comumente em sua sala, onde dominava um retrato de Frederick, o Grande, e cujo mobiliário se compunha apenas de uma pequena secretária, um divã estreito, uma mesa e três poltronas.”(Hitler - volume 2, Joachin Fest, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2006, p. 816)
“... Os russos já tinham invadido a Prússia Oriental e relatos assustadores chegavam das aldeias que tinham caído nas mãos inimigas: homens e crianças assassinados, mulheres estupradas, aldeias incendiadas. Os traços de Hitler refletiam dureza e ódio e ele repetia constantemente: ‘Não é possível que essas bestas sem cultura inundem a Europa. Sou o último baluarte contra esse perigo, e se existe justiça venceremos, e algum dia o mundo reconhecerá o motivo dessa batalha!’ Muitas vezes, ele citava palavras de Frederico, o Grande, cujo retrato estava pendurado sobre sua escrivaninha: ‘Quem colocar a última tropa na batalha será o vencedor!’ E a batalha de Kunersdorf era como que uma evocação flamejante na memória de Hitler.” (Até o fim - Os últimos dias de Hitler contados por sua Secretária, Traudl Junge com a colaboração de Melissa Müller, Ediouro, Rio de Janeiro, 2005, p. 149)
“...pediu a Baur que providenciasse a incineração dos corpos, pois ‘os seus restos mortais e os de sua mulher não podiam cair nas mãos daqueles porcos’, como havia acontecido com Mussolini. Antes de se separarem, Hitler presenteou-o com o quadro de Frederico, o Grande, pintado por Anton Graff, com o qual vinha conversando com frequência durante as últimas semanas, perdido em pensamentos. Uma noite, o telefonista do bunker ficou observando-o enquanto fitava o quadro como que ‘em transe’, sentado em sua sala, iluminado pela chama de uma vela que se movimentava com a corrente que vinha da entrada de ar.” (No Bunker de Hitler, Joachin Fest, editora Objetiva, Rio de Janeiro, 2005, p. 123-124)
A duradoura fixação de Hitler por Frederico, o Grande, pode ser considerada um indício de loucura. Mas também pode ter outra explicação. Afinal, a popularização da História no início do século XX, referida por Philippe Áries, não foi um fenômeno especificamente francês.
“... estudos de Lenôtre marcam o primeiro alargamento do público dos livros de História. Porém, sua grande difusão data da obra de Bainville. Esse escritor um tanto austero, cujo estilo despojado evita a facilidade e o pitoresco, suscitou um sucesso extraordinário. Contribuiu para o desenvolvimento do gênero, a vulgarização histórica. Esse gênero explodiu durante o último entreguerras. A extensão rápida do público de História ao público de romances provocou a aproximação bastarda da História e do romance, a História romanceada: lembremo-nos da moda das coleções de vidas romanceadas, de vidas amorosas etc. Mas trata-se de um limite inferior do gênero, que prova sua atração e seu poder de contágio.” (O Tempo da História, Philippe Ariès, Editora Unesp, São Paulo, 2013, p. 60).
Um pouco adiante o historiador francês afirma que:
“Nesse gosto pela literatura histórica, é preciso reconhecer o signo mais ou menos nítido da grande particularidade do século XX: o homem não se concebe mais como um indivíduo livre, autônomo, independente de um mundo que ele influencia sem determiná-lo. Ele toma consciência dele próprio na História, sente-se solidário à sequência dos tempos e não pode conceber-se isolado da continuidade das épocas anteriores. Tem a curiosidade da História como de um prolongamento de si mesmo, de uma parte de seu ser. Sente mais ou menos confusamente que ele não lhe pode ser estranho. Em nenhum outro momento a humanidade experimentou um sentimento análogo.” (O Tempo da História, Philippe Ariès, Editora Unesp, São Paulo, 2013, p. 62).
Hitler pode ter sido, portanto, um homem típico do seu tempo. Como os franceses que foram contaminados pelos autores citados por Ariès, ao consumir obras de autores que difundiram e vulgarizaram a História da Alemanha, o jovem Adolf Hitler passou a acreditar que ele mesmo tinha uma ligação histórica (e eventualmente especial) com Frederico, o Grande. Isso explicaria o quadro do rei prussiano que Hitler tinha na sua sala no bunker, bem como as citações constantes que o líder nazista fez a Frederico, o Grande, desde 1926 até 1945 (período a que se referem os fragmentos transcritos). Até pouco antes de se suicidar, Hitler empregou paralelismos históricos citando Frederico, o Grande, com a esperança de convencer seus seguidores. Projetar o passado glorioso numa situação presente desesperadora é ou pode ser considerado um recurso retórico como outro qualquer.
O PSDB E AS FALSAS VIRTUDES DE FHC
Há alguns dias, o idoso Alberto Goldman disse que o PSDB não tem um projeto de país, sugerindo que o partido de FHC só tem uma coisa: história. Em razão disso, me ocorre fazer uma pequena digressão e uma comparação.
As narrativas históricas das últimas duas décadas que são difundidas pelos tucanos podem ser resumidas mais ou menos desta forma: "FHC teria o mérito de conceber o Plano Real [sic], estabilizar a moeda brasileira e realizar as privatizações; essas três políticas teriam criado os fundamentos virtuosos que permitiram a Lula e Dilma Rousseff realizarem governos bem sucedidos, mas os petistas são ingratos e incapazes de admitir o que devem ao PSDB.” Não me compete aqui julgar a veracidade ou não dessa narrativa histórica. Só farei uma constatação indubitável: a narrativa tucana é legitimada pela imprensa e rejeitada nas urnas pela maioria dos brasileiros.
As palavras de Alberto Goldman sugerem que FHC e o PSDB não querem aceitar o fato de que a sua versão da história não é a História do Brasil tal como a mesma tem sido interpretada pelos brasileiros e julgada por eles durante as quatro últimas eleições presidenciais. Como Hitler diante do quadro Frederico, o Grande, os tucanos parecem ter ficado quase duas décadas hipnotizados pela imagem de FHC sorridente com a faixa presidencial. A ópera trágica da queda do Führer alemão se repete no Brasil como uma opereta cômica. Hitler foi derrotado apesar de - ou por causa de - sua obsessão histórica por Frederico, o Grande. Os tucanos não conseguem ser vitoriosos em razão de sua fixação histérica pelas supostas virtudes de FHC."
FONTE: escrito por Fábio de Oliveira Ribeiro no "Jornal GGN" (http://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/frederico-o-grande-e-fhc-das-obsessoes-historicas-de-hitler-as-fixacoes-histericas-dos-tucanos).
Há alguns dias, o idoso Alberto Goldman disse que o PSDB não tem um projeto de país, sugerindo que o partido de FHC só tem uma coisa: história. Em razão disso, me ocorre fazer uma pequena digressão e uma comparação.
As narrativas históricas das últimas duas décadas que são difundidas pelos tucanos podem ser resumidas mais ou menos desta forma: "FHC teria o mérito de conceber o Plano Real [sic], estabilizar a moeda brasileira e realizar as privatizações; essas três políticas teriam criado os fundamentos virtuosos que permitiram a Lula e Dilma Rousseff realizarem governos bem sucedidos, mas os petistas são ingratos e incapazes de admitir o que devem ao PSDB.” Não me compete aqui julgar a veracidade ou não dessa narrativa histórica. Só farei uma constatação indubitável: a narrativa tucana é legitimada pela imprensa e rejeitada nas urnas pela maioria dos brasileiros.
As palavras de Alberto Goldman sugerem que FHC e o PSDB não querem aceitar o fato de que a sua versão da história não é a História do Brasil tal como a mesma tem sido interpretada pelos brasileiros e julgada por eles durante as quatro últimas eleições presidenciais. Como Hitler diante do quadro Frederico, o Grande, os tucanos parecem ter ficado quase duas décadas hipnotizados pela imagem de FHC sorridente com a faixa presidencial. A ópera trágica da queda do Führer alemão se repete no Brasil como uma opereta cômica. Hitler foi derrotado apesar de - ou por causa de - sua obsessão histórica por Frederico, o Grande. Os tucanos não conseguem ser vitoriosos em razão de sua fixação histérica pelas supostas virtudes de FHC."
FONTE: escrito por Fábio de Oliveira Ribeiro no "Jornal GGN" (http://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/frederico-o-grande-e-fhc-das-obsessoes-historicas-de-hitler-as-fixacoes-histericas-dos-tucanos).
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