terça-feira, 14 de julho de 2009

“DISSUASÃO NUCLEAR ENQUANTO HOUVER PAÍS COM ARMAS NUCLEARES”: RECEITA DOS EUA VALE PARA O BRASIL?

POR UM MUNDO SEM ARMAS NUCLEARES

IDEAIS JUVENIS DE OBAMA MOLDAM NOVA AGENDA PRESIDENCIAL


“Em plena Guerra Fria, em 1983, um estudante do último ano da Universidade Columbia, em Nova York, escreveu em uma revista do campus, "Sundial", sobre sua visão de "um mundo livre de armas nucleares".

Ele criticou as discussões sobre "capacidades de primeiro versus segundo ataque" que "servem aos interesses industriais-militares" com seus "lançadores de bilhões de dólares" e foi um ativista pela eliminação dos arsenais globais que contêm dezenas de milhares de ogivas mortíferas.

O estudante era Barack Obama e ele estava claramente tentando organizar suas ideias. Na conclusão, denunciou "a lógica distorcida da qual fazemos parte" e elogiou os esforços dos estudantes para concretizar "a possibilidade de um mundo decente". Mas seu artigo, "Rompendo a mentalidade bélica", que só foi descoberto recentemente, dizia pouco sobre como alcançar esse sonho utópico.

Vinte e seis anos depois, o autor, em seu novo emprego como presidente dos EUA, começou a pressionar por novos tratados, regras e alianças globais que, insiste, poderão livrar o mundo das armas nucleares.

"Não sou ingênuo", disse Obama a uma multidão em Praga, em abril. "Esse objetivo não será alcançado rapidamente -talvez não durante minha vida. Ele exigirá paciência e persistência."

Na segunda-feira passada, em sua primeira visita à Rússia desde que assumiu o cargo, ele assinou um acordo para reduzir os arsenais nucleares estratégicos americano e russo em pelo menos 25%, o primeiro passo de uma iniciativa maior destinada a reduzir drasticamente a ameaça dessas armas e evitar sua disseminação em regiões instáveis.

Nenhum presidente americano antes dele definiu uma agenda passo a passo para a eventual eliminação de armas nucleares. Em uma entrevista em 4 de julho, Obama, consciente de seus críticos, salientou: "Deixei claro que vamos manter nossa capacidade de dissuasão enquanto houver um país com armas nucleares".

Mas, ele insistiu, reduzir os arsenais seria o primeiro passo para dar aos EUA e a um corpo crescente de aliados o poder de refazer o mundo nuclear. Entre os objetivos: conter os programas de armas da Coreia do Norte e do Irã, estimular os países a manter o Tratado de Não Proliferação Nuclear e extinguir a produção global de combustíveis para armas nucleares.

Mesmo antes que essas batalhas sejam travadas, há uma crescente oposição. "Isto é um perigoso excesso de otimismo", escreveram recentemente no "Wall Street Journal" o senador republicano Jon Kyl, do Arizona, e Richard Perle, um dos arquitetos da escalada nuclear da era Reagan (1981-89) que alarmou Obama quando estudante. Eles afirmam que Obama é na verdade um ingênuo por supor que "as ambições nucleares de Kim Jong-il ou Mahmoud Ahmadinejad seriam reduzidas ou abandonadas em consequência da redução das forças de dissuasão americanas e russas".

Na entrevista, o presidente descreveu sua agenda como a melhor maneira de avançar em um mundo turbulento.

"É ingênuo pensarmos que podemos aumentar nossos estoques nucleares, que os russos e nossos aliados façam o mesmo, e que nesse ambiente conseguiremos pressionar países como Irã e Coreia do Norte a não obter suas próprias armas", disse.

Apesar de ter escrito duas autobiografias, Obama deu poucos detalhes sobre seus dois anos em Columbia.

"As pessoas supõem que ele seja um novato", disse Michael L. Baron, que foi professor de Obama na época em que ele escreveu o artigo do "Sundial". "Ele [Obama] vem pensando sobre essas questões há muito tempo."

Em um trabalho para Baron, Obama analisou como um presidente poderia negociar a redução de armas nucleares com os russos -exatamente o que ele acaba de fazer. Agora, o presidente e sua agenda enfrentam o teste definitivo: limitar armas nucleares no mesmo momento em que muitos especialistas temem o início de uma segunda era nuclear e uma corrida de novos Estados nucleares.

Como estudante "amplamente interessado em política externa", Obama lembrou em entrevista, ele se concentrou em "uma questão central: como EUA e URSS poderiam efetivamente administrar esses arsenais nucleares, e haveria maneiras de conter os perigos que a humanidade enfrentava?"

Foi durante um seminário de Baron que Obama escreveu seu artigo, perfilando dois grupos do campus, Alternativas à Corrida Armamentista e Estudantes Contra o Militarismo. Os dois grupos, escreveu, "visualizando as possibilidades de destruição e percebendo as tendências das prioridades nacionais distorcidas, estão jogando seu peso para tirar os EUA do caminho sem saída".

O artigo parecia questionar a meta comum de congelar os arsenais nucleares, em vez de reduzi-los. O que o entusiasmava claramente era o Tratado Abrangente de Proibição de Testes Nucleares, que teria posto fim aos testes e ao desenvolvimento de novas armas. O governo Reagan se opôs veementemente ao tratado. Um ativista de Columbia, escreveu Obama, afirmou que os EUA deveriam iniciar a proibição "como um poderoso primeiro passo em direção a um mundo livre de armas nucleares".

Essa frase -"um mundo livre de armas nucleares", que foi adotada por Obama- ressurgiria décadas depois como a assinatura de sua agenda nuclear.

O mundo nuclear que Obama estudou e sobre o qual escreveu em Columbia tem pouca semelhança com o que ele enfrenta hoje. A Rússia é o menor de seus desafios. Mais complexos são os problemas colocados pela ascensão de novos Estados nucleares, principalmente a Coreia do Norte, que realizou dois testes nucleares, e o Irã, que segundo especialistas será capaz de construir uma ogiva em breve.”

FONTE: reportagem de William J. Broad e David E. Sanger no jornal norte-americano “The New York Times”

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