terça-feira, 8 de dezembro de 2009

RELAÇÕES EXTERNAS DO BRASIL SOB O PONTO DE VISTA DE ESPECIALISTA NORTE-AMERICANO

O artigo a seguir transcrito, publicado hoje (08/12) no jornal tucano Folha de São Paulo (em consequência, pró-EUA), foi escrito por PETER HAKIM, mestre em relações internacionais e presidente do "Diálogo Interamericano", em Washington-EUA. Tradução de Clara Allain.

O "Diálogo Interamericano" foi fundado e representa interesses das seguintes corporações: American International Group, Inc.; Ford Foundation; GE Foundation; Annie E. Casey Foundation; Christopher Reynolds Foundation; John S. and James L. Knight Foundation; Henry Luce Foundation; Merck & Co., Inc.; Open Society Institute; Robert R. McCormick Tribune Foundation; Tinker Foundation; William and Flora Hewlett Foundation. A U.S. Agency for International Development (USAID) também integra o 'Diálogo'.

[Tentando evidenciar as sutilezas capciosas pró-EUA contidas no texto, este blog acrescentou algumas observações entre colchetes e em itálico]:

"América Latina: o peso pesado e seu contrapeso

Em vez de continuarem como concorrentes, Brasil e EUA têm mais a ganhar se encontrarem formas de cooperar [a favor dos EUA] na América Latina

O BRASIL demonstrou de maneira cabal sua capacidade de se contrapor ao poderio dos EUA na América Latina em 2004, quando provocou a suspensão das negociações regionais para a criação da Alca, defendida pelos EUA [o atual governo interrompeu a adesão a ALCA, conduzida por FHC/PSDB, porque ela beneficiaria preponderantemente os EUA e estagnaria o Brasil e os demais membros, especialmente por proibir políticas de proteção e incentivo a setores estratégicos para o desenvolvimento nacional. Os EUA, já desenvolvidos, se perpetuariam com enorme vantagem competitiva. A ALCA era um acordo para a raposa continuar raposa e as galinhas continuarem galinhas, supervisionadas pela raposa].

Um ano mais tarde, na cúpula de líderes do hemisfério Ocidental em Mar del Plata, o Brasil, contando com o apoio de apenas quatro países, conseguiu bloquear um esforço dos EUA e mais 28 países para reiniciar as negociações [que haviam sido interrompidas já com inconcebíveis concordâncias muito dadivosas para os EUA feitas pelo governo FHC/PSDB]. Ainda mais notável foi que, logo após a cúpula (que alguns viram como humilhante para os EUA), o então presidente Bush compareceu a um churrasco com Lula no Brasil.

O Brasil não apenas mostrou seu perfil e influência crescentes como também ilustrou sua capacidade incomum de lançar uma ponte sobre as divisões ideológicas da região.

Dentro do hemisfério Ocidental, politicamente dividido, o Brasil talvez seja o único país que não tem adversários.

O Brasil é um polo alternativo de poder no hemisfério Ocidental. Na América do Sul, tomou o lugar dos EUA como presença dominante em relação a muitas questões.

É verdade que a atenção dos EUA está fixada sobre outras partes do mundo [hoje mais ricas em petróleo], mas a questão crucial é que, hoje, os EUA frequentemente se curvam ao Brasil em assuntos interamericanos.

No ano passado, por exemplo, a diplomacia norte-americana não reagiu às tensões perigosas e crescentes entre Colômbia e Venezuela [de certo modo, tensão que favorece a estratégia dos EUA para a região]. De modo geral, Washington deixou a tarefa a cargo do Brasil e da recém-formada Unasul. De modo semelhante, neste ano, quando Venezuela e Colômbia novamente entraram em atrito, foi o Brasil quem se ofereceu para mediar.

Mesmo assim, ainda restam limitações grandes à capacidade do Brasil de moldar e influenciar os fatos na América Latina.

Para começar, o Brasil avançou pouco em direção a sua ambição de longa data de integração econômica regional. Após duas décadas, o pacto comercial do Mercosul, que o Brasil chegou a anunciar como sua âncora econômica, está uma bagunça [faz parte da estratégia dos EUA enfraquecer e desmerecer o Mercosul e a Unasul].

Seus quatro membros não desenvolveram regras comuns ou políticas convergentes -nem mesmo arranjos institucionais modestamente eficazes. Tampouco negociaram um único acordo comercial com outro país.

A Unasul, esquema de integração em estilo europeu, com dois anos de existência, ainda é mais uma aspiração que uma meta prática. É difícil imaginar como poderá dar certo, dadas as enormes diferenças de política econômica entre seus membros -diferenças reforçadas por tensões políticas e divisões ideológicas.

Em segundo lugar, o Brasil continua a hesitar [infelizmente para os EUA, que se beneficiariam com o Brasil enrascado] em se envolver em disputas entre outros países -vem mantendo distância da disputa áspera entre Argentina e Uruguai e se abstém de intervir nas disputas de longa data do Chile com o Peru e a Bolívia.

Também tem se mostrado mais que avesso a interferir nas decisões internas dos vizinhos, ainda que tenham consequências para a economia ou a segurança brasileiras.

O país evita criticar as muitas transgressões antidemocráticas cometidas por Hugo Chávez, as violações dos direitos humanos e as ingerências em outros países [e também evita criticar as mesmas transgressões feitas pelos EUA no Iraque, Afeganistão e outros].

É possível que o Brasil seja realista, simplesmente. Ele compreende que sua intervenção não seria necessariamente bem recebida e que poderia ter custos políticos e econômicos altos.

E é esta a terceira limitação à liderança do Brasil: sua capacidade (ou disposição) modesta de assumir os ônus financeiros e políticos de um envolvimento mais assertivo [sapiência do Brasil de não cair na armadilha de se envolver em "envolvimentos mais assertivos", como os dos EUA no Iraque e em vários outros países].

Nem o governo de Lula nem o de Fernando Henrique Cardoso fizeram muito para ajudar a Colômbia em sua guerra contra guerrilheiros e traficantes de drogas. Nesse quesito, fica claro que a posição dominante é a dos EUA: ao longo de uma década, ajudou as Forças Armadas colombianas com mais de US$ 6 bilhões [os EUA também já "ajudaram" o Iraque e o Afganistão com muitas centenas de bilhões de dólares, boa pare despendidos em milhões de toneladas de bombas fabricadas com o carinho e o esforço de cidadãos norte-americanos].

Ademais, os EUA têm regularmente usado seus recursos para dar assistência a países que enfrentam problemas econômicos (incluindo o Brasil), e pactos de livre comércio com os EUA ou preferências comerciais são altamente valorizados pela maioria dos países latino-americanos.

Em quarto lugar, a influência do Brasil se limita principalmente à América do Sul.

Os EUA continuam a ser o ponto de referência para a América Central, o Caribe e o México.

É verdade que a liderança brasileira de forças de manutenção da paz da ONU vem contribuindo enormemente para a estabilidade do Haiti. E o Brasil pode vir a exercer papel importante na eventual transição em Cuba [onde ainda há muitos presos políticos sem acusação e amparo judicial, todos na base militar de Guantánamo].

Mas a crise em Honduras demonstrou as limitações do Brasil. Enquanto Washington teve papel central [no estímulo ao golpe da direita e no apoio ao governo golpista], a diplomacia brasileira ficou em grande medida em posição secundária.

É muito possível que, no futuro próximo, os EUA cedam mais e mais [que bonzinhos...]diante da liderança brasileira na América Latina -e é quase certo que a influência do Brasil cresça em toda a região. Mas, em vez de continuarem como concorrentes ou contrapesos um ao outro, tanto Brasil quanto EUA têm mais a ganhar se encontrarem maneiras de cooperar [desde que seja em benefício exclusivo ou preponderante dos EUA]."

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