quarta-feira, 25 de maio de 2011

LÍBIA: PERGUNTAS QUE É PRECISO COLOCAR EM CADA GUERRA


"O artigo é de Michael Collon, jornalista, escritor e historiador belga. Já publicou vários livros sobre as estratégias da guerra dos EUA e da mídia nos conflitos precedentes. Ele apresenta análise global do caso líbio, em três partes:

I: Perguntas que é preciso colocar em cada guerra;
II: Os verdadeiros objetivos dos EUA vão mais além do petróleo;
III: Pistas para atuar.

Publicamos, a seguir, a primeira parte deste ensaio:

PERGUNTAS QUE É PRECISO COLOCAR EM CADA GUERRA

27 vezes. Vinte e sete vezes os EUA bombardearam algum país, desde 1945. E cada vez tem-nos afirmado que esses atos de guerra eram "justos" e "humanitários". Hoje, dizem-nos que esta guerra é diferente das precedentes. O mesmo que foi dito da anterior. E da anterior. E de cada vez. Não estamos já na hora de pôr a preto e branco as perguntas que é preciso colocar em cada guerra para não se deixar manipular?

HÁ SEMPRE DINHEIRO PARA A GUERRA?

No país mais poderoso do globo, 45 milhões de pessoas vivem na extrema pobreza. Nos EUA, escolas e serviços públicos estão ruindo porque o Estado "não tem dinheiro". Na Europa, também acontece o mesmo, "não há dinheiro" para as pensões ou para a promoção do emprego.

Porém, quando a cobiça dos banqueiros desencadeia a crise financeira, então, em dias, aparecem bilhões para os salvar. Isso permitiu aos banqueiros dos EUA repartirem no ano passado US$ 140 bilhões de lucros e bônus a seus acionistas e especuladores.

Também, para a guerra, parece fácil encontrar bilhões. Ora bem, são nossos impostos que pagam essas armas e essas destruições. É razoável converter em fumaça centenas de milhares de euros em cada míssil ou esbanjar cinquenta mil euros por hora de um porta-aviões? Ou será porque a guerra é um bom negócio para alguns? Ao mesmo tempo, uma criança morre de fome a cada cinco segundos e o número de pobres não cessa de aumentar no nosso planeta, apesar de tantas promessas.

Qual a diferença entre um líbio, um bareinita e um palestino?

Presidentes, ministros, generais, todos juram solenemente que seu objetivo é unicamente salvar os líbios. Mas, ao mesmo tempo, o sultão do Barein esmaga os manifestantes desarmados graças aos dois mil soldados sauditas enviados pelos EUA! Ao mesmo tempo, no Iêmen, as tropas do ditador Saleh, aliado dos EUA, matam 52 manifestantes com suas metralhadoras. Esses fatos ninguém os põe em dúvida, mas o ministro dos EUA para a guerra, Robert Gates, acabou de declarar: "Não acho que seja o meu papel intervir nos assuntos internos de Iêmen". (1)

Por que esses dois pesos e duas medidas? Por que Saleh acolhe docilmente a 5ª Frota dos EUA e diz sim a tudo o que Washington ordenar? Por que o regime bárbaro da Arabia Saudita é cúmplice das multinacionais petrolíferas? Será que existem "bons ditadores" e "maus ditadores"? Como os EUA e a França podem pretender ser "humanitários"? Quando Israel matou dois mil civis nos bombardeios sobre Gaza, eles declararam uma zona de exclusão aérea? Não. Decretaram alguma sanção? Nenhuma.

Ainda pior, Solana, então responsável pelos Assuntos Exteriores da EU [União Europeia], declarou em Jerusalém: "Israel é um membro da UE sem ser membro de suas instituições. Israel faz parte ativa de todos os programas de pesquisa e de tecnologia da Europa dos 27". Acrescentando ainda: "Nenhum país fora do continente tem o mesmo tipo de relacionamentos que Israel tem com a União Européia". Nesse ponto, Solana tem razão: A Europa e seus fabricantes de armas colaboram estreitamente com Israel na fabricação de 'drones', mísseis e outros armamentos que semeiam a morte em Gaza.

Recordemos que Israel, que expulsou 700 mil palestinos das suas aldeias em 1948, se recusa a devolver-lhe seus direitos e continua cometendo inumeráveis crimes de guerra. Sob essa ocupação, 20% da população palestina atual está ou passou pelas prisões israelenses. Mulheres grávidas foram obrigadas a darem à luz atadas ao leito e reenviadas imediatamente às suas celas com os bebês. Esses crimes são cometidos com a cumplicidade dos EUA e da UE.

A vida de um palestino ou de um barenita vale menos do que a de um líbio? Há árabes "bons" e árabes "maus"?

PARA OS QUE AINDA ACREDITAM NA GUERRA HUMANITÁRIA...

Em um debate televisionado que tive com Louis Michel, ex-ministro belga dos Assuntos Exteriores e Comissário Europeu para a Cooperação e o Desenvolvimento, este me jurou, com a mão no peito, que esta guerra tinha como objetivo "pôr de acordo as consciências da Europa". Era apoiado por Isabelle Durant, líder dos Verdes belgas e europeus. Dessa forma, os ecologistas ("peace and love") viraram belicistas!

O problema é que, cada vez mais, nos falam de guerra humanitária e que gente de esquerda como Durant se deixa enganar. Não fariam melhor em ler o que pensam os verdadeiros líderes dos EUA em vez de olharem e assistirem a TV? Escutem, por exemplo, a propósito dos bombardeios contra o Iraque, o célebre Alan Greenspan, durante muito tempo diretor da Reserva Federal dos EUA. Greenspan escreve em suas memórias: "Sinto-me triste quando vejo que é politicamente incorreto reconhecer o que todo mundo sabe: a guerra no Iraque foi exclusivamente pelo petróleo" (2). E acrescenta: "Os oficiais da Casa Branca responderam-me: ‘pois, efetivamente, infelizmente não podemos falar de petróleo’". (3)

A propósito dos bombardeios sobre a Iugoslávia, escutem John Norris, diretor de Comunicações de Strobe Talbot que, então, era vice-ministro dos EUA dos Assuntos Exteriores encarregado para os Bálcãs. Norris escreve em suas memórias: "O que melhor explica a guerra da OTAN é que a Iugoslávia resistia às grandes tendências de reformas políticas e econômicas (quer dizer: negava-se a abrir mão do socialismo), e esse não era nosso compromisso com os albaneses do Kosovo". (4)

Escutem, a propósito dos bombardeios contra o Afeganistão, o que dizia o antigo ministro de Assuntos Exteriores, Henri Kissinger: "Há tendências, sustentadas pela China e pelo Japão, de criar uma zona de livre-câmbio na Ásia. Um bloco asiático hostil, que combine as nações mais povoadas do mundo com grandes recursos e alguns dos países industrializados mais importantes, seria incompatível com o interesse nacional americano. Por estas razões, a América deve manter a sua presença na Ásia..." (5)

O que vinha a confirmar a estratégia avançada por Zbigniew Brzezinski, que foi responsável pela política exterior com Carter e é o inspirador de Obama: "Eurasia (Europa+Ásia) é o tabuleiro sobre o qual se desenvolve o combate pela primazia global. A maneira como os EUA "manejam" a Eurasia é de importância crucial. O maior continente da superfície da terra é também seu eixo geopolítico. A potência que o controlar, controlará de fato duas das três grandes regiões mais desenvolvidas e mais produtivas: 75% da população mundial, a maior parte das riquezas físicas sob a forma de empresas ou de jazidas de matérias-primas, 60% do total mundial". (6)

Nada aprendeu a esquerda das falsidades humanitárias transmitidas pela mídia nas guerras precedentes? Quando o próprio Obama falou, tampouco acreditaram nele? Nesse mesmo 28 de março, Obama justificava, assim, a guerra da Líbia: "Conscientes dos riscos e das despesas da atividade militar, somos naturalmente reticentes a empregar a força para resolver os numerosos desafios do mundo. Mas, quando os nossos interesses e valores estão em jogo, temos a responsabilidade de agir. Vistos os custos e riscos da intervenção, temos que calcular, a cada vez, nossos interesses ante a necessidade de uma ação. A América tem grande interesse estratégico em impedir que Kadafi derrote a oposição".

Não está claro? Então alguns vão e dizem: "Sim, é verdade, os EUA não reagem se não virem nisso o seu interesse. Mas ao menos, já que não podem intervir em todos os lugares, salvará aquela gente" Falso. Vamos demonstrar que são unicamente seus interesses os que procura defender. Não os valores. Em primeiro lugar, cada guerra dos EUA produz mais vítimas do que a anterior (um milhão no Iraque, diretas ou indiretas). A intervenção na Líbia, prepara-se para produzir mais...

QUEM SE NEGA A NEGOCIAR?

Desde o momento em que colocarem uma dúvida sobre a oportunidade dessa guerra contra a Líbia, imediatamente serão culpados: "então se recusam a salvar os líbios do massacre?" Assunto mal proposto. Suponhamos que tudo o que se nos têm contado fosse verdade. Em primeiro lugar, pode-se parar um massacre com outro massacre? Já sabemos que nossos exércitos, ao bombardearem, vão matar muitos civis inocentes. Inclusive se, como a cada guerra, os generais nos prometam que vai ser "limpa"; já estamos habituados a essa propaganda.

Em segundo lugar, há um meio bem mais singelo e eficaz de salvar vidas. Todos os países da América latina propuseram enviar imediatamente uma mediação presidida por Lula. A Liga Árabe e a União Africana apoiavam essa gestão e Kadafi a tinha aceitado (propondo ele, também, que fossem enviados observadores internacionais para verificar o cessar-fogo). Mas os insurgentes líbios e os ocidentais recusaram essa mediação.

Por quê? "Porque Kadafi não é de confiar", dizem. É possível. E os insurgentes e os seus protetores ocidentais são sempre de confiar? A propósito dos EUA, convém recordar como se comportaram em todas as guerras anteriores, cada vez que um cessar-fogo era possível. Em 1991, quando Bush pai atacou o Iraque, porque este invadia o Kuweit, Saddam Hussein propôs se retirar e que Israel se retirasse também dos territórios ilegalmente ocupados na Palestina. Mas os EUA e os países europeus recusaram seis propostas de negociação. (7)

Em 1999, quando Clinton bombardeou a Jugoslávia, Milosevic aceitava as condições impostas em Rambouillet, mas os EUA e a OTAN acrescentaram uma, intencionadamente inaceitável: a ocupação total da Sérvia. (8)

Em 2001, quando Bush filho atacou o Afeganistão, os talibãs propunham a entrega de Bin Laden a um tribunal internacional se fossem apresentadas provas do seu envolvimento [até hoje não apresentadas], mas Bush rejeitou a negociação.

Em 2003, quando Bush filho atacou o Iraque, sob o pretexto das "armas de destruição em massa", Saddam Hussein propôs o envio de inspetores, mas Bush recusou porque ele sabia que os inspetores não iriam encontrar nada. Isso está confirmado na divulgação de memorando de uma reunião entre o governo britânico e os líderes dos serviços secretos britânicos, em julho de 2002: "os líderes britânicos esperavam que o ultimato fosse redigido em termos inaceitáveis, de modo que Saddam Hussein o recusasse diretamente. Mas não estavam certos de que isso iria funcionar.

Então, tinham um plano B: que os aviões que patrulhavam a "zona de exclusão aérea" lançassem muitíssimas mais bombas à espera de uma reação que desse a desculpa para ampla campanha de bombardeios"
. (9)

Então, antes de afirmar que "nós" dizemos sempre a verdade e que "eles" sempre mentem, assim como que "nós" procuramos sempre uma solução pacífica e "eles" não querem se comprometer, teriam que ser mais prudentes... Mais cedo ou mais tarde, a gente saberá o que se passou com as negociações nos bastidores e constatará, mais uma vez, que foi manipulada. Mas será muito tarde e os mortos já não os ressuscitaremos.

A Líbia é igual a Tunísia ou ao Egito?

Em sua excelente entrevista publicada há alguns dias por “Investi Action”, Mohamed Hassan, professor de doutrina islâmica e especialista do Oriente Médio, colocava a verdadeira questão: "Líbia: levante popular, guerra civil ou agressão militar?"

À luz de recentes investigações, é possível responder: as três coisas. Uma revolta espontânea rapidamente recuperada e transformada em guerra civil (que já estava preparada), tudo servindo de pretexto para uma agressão militar. A qual, também, estava preparada. Nada em política cai do céu. Consigo explicar-me?

Na Tunísia e no Egito, a revolta popular cresceu progressivamente em semanas, organizando-se pouco a pouco e unificando-se em reivindicações claras, o que permitiu derrotar os tiranos. Mas, quando analisamos a sucessão ultrarrápida dos acontecimentos em Benghazi, a gente fica intrigada. Em 15 de fevereiro, houve manifestações de parentes de presos políticos da revolta de 2006.

Manifestações duramente reprimidas como foi sempre na Líbia e nos demais países árabes. Dois dias escassos mais tarde, outra manifestação, desta vez os manifestantes saem armados e passam diretamente a uma escalada contra o regime de Kadafi. Em dois dias, incrivelmente, uma revolta popular se converte em guerra civil. Totalmente espontânea?

Para saber isso, é preciso examinar o que se oculta abaixo do impreciso vocábulo "oposição líbia". Em minha opinião, quatro componentes com interesses muito diferentes :

1º) Uma oposição democrática.
2º) Dirigentes de Kadafi "regressados" do oeste.
3º) Clãs líbios descontentes da partilha das riquezas.
4º) Combatentes de tendência islâmica.

Quem compõe essa "oposição líbia"?

Em toda essa rede, é importante sabermos de que estamos a falar. E sobretudo, que facção é a aceita pelas grandes potências...

1º OPOSIÇÃO DEMOCRÁTICA

É legítimo ter reivindicações ante o regime de Kadafi, tão ditatorial e corrupto como os outros regimes árabes. Um povo tem o direito de querer substituir um regime autoritário por um sistema mais democrático. No entanto, essas reivindicações estão, até hoje, pouco organizadas e sem programa concreto. Temos, ainda, no estrangeiro, movimentos revolucionários líbios, igualmente dispersos, mas todos opostos à ingerência estrangeira. Por diversas razões que expomos mais adiante, não são esses elementos democráticos os que têm muito que dizer hoje, sob a bandeira dos EUA nem da França.

2º DIGNATÁRIOS "REGRESSADOS"

Em Bengazhi, um "governo provisório" foi instaurado e está dirigido por Mustafá Abud Jalil. Este homem era, até 21 de fevereiro, ministro da Justiça de Kadafi. Dois meses antes, a Anistia Internacional o tinha posto na lista dos mais horríveis responsáveis por violações de direitos humanos do norte da África. É esse indivíduo o que, segundo as autoridades búlgaras, organizava as torturas de enfermeiras búlgaras e do médico palestino detidos durante longo tempo pelo regime.

Outro "homem forte" dessa oposição é o general Abdul Faah Yunis, ex-ministro do Interior de Kadafi e antes chefe da polícia política.

Compreende-se que Massimo Introvigne, representante da OSCE (Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa) para a luta contra o racismo, a xenofobia e a discriminação, estime que esses personagens "não são os 'sinceros democratas' dos discursos de Obama, mas foram dos piores instrumentos do regime de Kadafi, que aspiram a tirar o coronel para tomar seu lugar".

3º CLÃS DESCONTENTES

Como sublinhava Mohamed Hassan, a estrutura da Líbia continua sendo tribal. Durante o período colonial, sob o regime do rei Idriss, os clãs do Leste dominavam e aproveitavam-se das riquezas petrolíferas. Após a revolução de 1969, Kadafi apoiou-se nas tribos do oeste e o Leste viu-se desfavorecido. É lamentável. Um poder democrático e justo deve zelar por eliminar as discriminações entre as regiões. Pode-se perguntar se as antigas potências coloniais não incitaram as tribos rebeldes para enfraquecer a unidade do país. Não seria a primeira vez. Hoje, França e os EUA apostam nos clãs do Leste para tomar o controle do país. Dividir para reinar, um velho dito clássico do colonialismo.

4° ELEMENTOS DA AL-QAEDA

Cabogramas difundidos pelo 'Wikileaks' advertem que o Leste da Líbia era, proporcionalmente, o primeiro exportador no mundo de "combatentes mártires" no Iraque. Relatórios do Pentágono descrevem um cenário "alarmante" acerca dos rebeldes líbios de Bengazhi e Derna. Derna, uma cidade de escassos 80.000 habitantes, seria a fonte principal de yihaidistas no Iraque. Da mesma forma, Vincent Cannistrar, antigo chefe da CIA na Líbia, assinala entre os rebeldes muitos "extremistas islâmicos capazes de criar problemas" e que "as possibilidades [são] muito altas de que os indivíduos mais perigosos possam ter influência, caso Kadafi caia".

Evidentemente, tudo isso se escrevia quando Kadafi era ainda um "amigo". Mas isso mostra a ausência total de princípios no chefe dos EUA e dos seus aliados. Quando Kadafi reprimiu a revolta islamista de Bengazhi, em 2006, fez isso com as armas e o apoio de Ocidente. Uma vez, somos contra os combatentes do tipo Bin Laden, outra vez, utilizamo-los. Vamos lá ver como.

Entre essas diversas "oposições", qual prevalecerá? Pode ser este também um objetivo da intervenção militar de Washington, Paris e Londres: tentar que "os bons" ganhem? Os bons do ponto de vista deles, é claro. Mais tarde, vai utilizar-se a "ameaça islâmica" como pretexto para se instalarem de forma permanente.

Em qualquer caso, uma coisa é segura: o cenário libio é diferente dos cenários tunisino ou egípcio. Ali era "um povo unido contra um tirano". Aqui estamos em uma guerra civil, com um Kadafi que conta com o apoio de uma parte da população. E nessa guerra civil o papel que jogaram os serviços secretos americanos e franceses já não é tão secreto...

QUAL FOI O PAPEL DOS SERVIÇOS SECRETOS?

Na realidade, o assunto líbio não começou em fevereiro em Benghazi, mas sim em Paris, em 21 de outubro de 2010. Segundo revelações do jornalista Franco Bechis (“Libero”, 24 de março), nesse dia, os serviços secretos franceses prepararam a revolta de Benghazi. Fizeram "voltar" (ou talvez já anteriormente) Nuri Mesmari, chefe do protocolo de Kadafi, praticamente seu braço direito. O único que entrava sem chamar na residência do líder líbio. Em uma viagem a Paris com toda sua família para uma cirurgia, Mesmari não se encontrou com nenhum médico, pelo contrário, teve encontros com vários servidores públicos dos serviços secretos franceses e com colaboradores próximos de Sarkozy, segundo o boletim digital “Magreb Confidential”.

Em 16 de novembro, no hotel Concorde Lafayette, prepararia uma imponente delegação que deveria viajar dois dias mais tarde a Benghazi. Oficialmente, tratava-se de responsáveis pelo ministério da Agricultura e de líderes das firmas “France Export Céréales”, “France Agrimer”, “Louis Dreyfus”, “Glencore”, “Cargill” e “Conagra”. Mas, segundo os serviços italianos, a delegação incluía também vários militares franceses camuflados como homens de negócios. Em Benghazi, encontraram-se com Abdallah Gehani, um coronel líbio ao que Mesmari lhes tinha apresentado como disposto a desertar.

Em meados de dezembro, Kadafi, desconfiando, enviou um emissário a Paris para tentar contactar Mesmari. Mas este foi preso na França. Outros líbios foram de visita a Paris no dia 23 de dezembro e são eles que vão dirigir a revolta de Benghazi com as milícias do coronel Gehani. Ainda, Mesmari revelou inúmeros segredos da defesa líbia. De tudo isso, resulta que a revolta no Leste não foi tão espontânea como nos foi dito. Mas isso não é tudo. Não só foram os franceses?

Quem dirige atualmente as operações militares do "Conselho Nacional Líbio" anti-Kadafi? Um homem justamente chegado dos EUA, em 14 de março, segundo Al-Jazzira. Apresentado como uma das duas "estrelas" da insurreição líbia, pelo jornal britânico de direita, “Dail Mail”, Khalifa Hifter é um antigo coronel do exército líbio exilado nos EUA. Foi um dos principais comandantes da Líbia até a desastrosa expedição ao Chade, no final dos 80; emigrou imediatamente para os EUA e viveu os últimos vinte anos na Virgínia. Sem nenhuma fonte de rendimentos conhecida, mas a muito pouca distância dos escritórios... da CIA (10). O mundo é um muito pequeno.

Como é que um militar líbio de alta patente pode entrar com toda a tranquilidade nos EUA, poucos anos após o atentado terrorista de Lockerbie, pelo qual a Líbia foi condenada, e viver durante vinte anos, tranquilamente, ao lado da CIA? Por força, teve que oferecer algo em troca.

Publicado em 2001, o livro “Manipulations africaines” (Manipulações africanas), de Pierre Péan, traça as conexões de Hifter com a CIA e a criação, com o apoio da mesma, da Frente Nacional de Libertação Líbia. A única façanha da tal frente será a organização, em 2007, nos EUA, de um "congresso nacional" financiado pelo “National Endowment for Democracy” (11), tradicionalmente o mediador da CIA para manter lubrificadas as organizações a serviço dos EUA.

Em março deste ano, em data não comunicada, o presidente Obama assinou uma ordem secreta que autoriza a CIA a empreender operações na Líbia para derrocar Kadafi. O “The Wall Street Journal”, que informa isso, em 31 de março, acrescenta: "Os responsáveis pela CIA reconhecem ter estado ativos na Líbia várias semanas, tal como outros serviços secretos ocidentais".

Tudo isso já não é muito secreto, circula pela Internet faz algum tempo. O que é estranho é que a grande mídia não diga nem uma palavra. No entanto, conhecem-se muitos exemplos de "combatentes da liberdade" armados desse modo e financiados pela CIA. Por exemplo, nos anos 80, as milícias terroristas dos ‘contra’, organizadas por Reagan para desestabilizarem a Nicarágua e derrocarem seu governo progressista.

Nada se aprendeu da História? Esta "Esquerda" européia que aplaude os bombardeios não utiliza a Internet?

Terá que se estranhar de que os serviços secretos italianos "delatem" assim as façanhas dos seus colegas franceses e que estes "delatem" seus colegas americanos? Isso só é possível se acreditarmos em histórias bonitas sobre a amizade entre "aliados ocidentais" Já falaremos... (Extraído do “Investig’Action”)

NOTAS:

1- Reuters, 22/3.
2- Sunday Times, 16 setembro 2007.
3- Washington Post, 17 setembro 2007.
4- Collision Course, Praeger, 2005, p.xiii.
5- Does America need a foreign policy, Simon and Schuster, 2001, p. 111.
6- Le Grand Echiquier, Paris 1997, p. 59-61
7- Michel Collon, Attention, médias Bruxelles, 1992, p. 92.
8- Michel Collon, Monopoly, - L’Otan á la conquête du monde, Bruxelles 2000, page 38.
9- Michael Smith, La véritable information des mémos de Downing Street, Los Angeles Times, 23 jun 2005.
10- McClatchy Newspapers (USA), 27 mars.
11- Eva Golinger, Code Chavez, CIA contra Venezuela, Liége, 2006.”

FONTE: Michael Collon é jornalista, escritor e historiador belga.
Tradução em português publicada no “Pátria Latina”. Transcrito no site “Carta Maior”  (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17825) [imagem do google adicionada por este blog]

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