quinta-feira, 17 de novembro de 2011

G-20, CATALISADOR DO DESASTRE

Alejandro Nadal, do México

A globalização neoliberal está fundada na ideia de que os mercados se autorregulam e de que o mercado não precisa de nenhum tipo de intervenção política para funcionar.

Por definição, isso implica apagar a dimensão política e levá-la, no limite, ao seu desaparecimento. Os líderes do G-20 permanecem prisioneiros dessa visão de mundo. A partir dessa perspectiva, é normal que sejam incapazes de traçar análise que implique algum tipo de solução política para sair da crise.

O artigo é de Alejandro Nadal, no “La Jornada”

[Este mês], a crise econômica ultrapassou novo umbral. Os líderes do G-20 tiveram que concluir sua reunião de cúpula em meio a estrondoso fracasso. Mostraram não só que não compreendem a gravidade da crise, com níveis de desemprego não vistos em oito décadas. Também revelaram sua incapacidade para reconhecer que as respostas baseadas em políticas neoliberais agravaram o colapso econômico e prolongaram a duração da crise.

Em meios aos aplausos que trocaram entre si, os líderes contribuíram para acelerar o ritmo da história. Hoje, se erguem como catalisadores da história da segunda grande depressão.

A ‘cúpula de Cannes’ era vista por Sarkozy como o fórum onde sua figura deveria brilhar como um dos principais artífices da solução definitiva para a crise do euro. A reunião deveria mostrar que, se o Grupo dos 20 desempenha papel importante na gestão da economia mundial (e da globalização neoliberal), isso era resultado, em boa medida, da liderança do francês. Isso teria permitido impulsionar sua campanha eleitoral (há eleições presidenciais na França muito em breve) a partir da ideia de que ele é a melhor opção para resolver a crise. O fracasso do G-20 mostra que a realidade costuma ser cruel com os ambiciosos.

Existem vários razões por trás do fiasco em Cannes. Para começar, a ousadia de Papandreou teve efeito inesperado. Fez com que a crise grega engolisse o G-20 por completo, tal qual um ciclope gigantesco que devora seus prisioneiros. A reação, depois do anúncio do referendo, também mostrou o desprezo feroz que se tem pela democracia. Essa consulta, provavelmente, teria resultado na vitória do “sim” pela permanência do país na zona do euro e, dentro dessa perspectiva, teria sido uma forma de amarrar os programas de austeridade que afetarão essa nação nos próximos 20 anos.

Então, por que tanto susto com a ideia do referendo e por que pressionar com tudo para matá-la em seu estado embrionário?

Porque essa demonstração assentaria precedente que o capital financeiro e seus agentes políticos consideram perigoso. Não se podem dar ao luxo de aceitar que existam instâncias superiores à lógica da rentabilidade automática. O capital financeiro considera que precisa reinar supremo. Por isso, pressionou Papandreou e toda classe política grega para que voltasse atrás, o que representou custo político elevado, como mostra a queda do governo grego.

De todo modo, mesmo com a retirada do projeto do referendo, o dano já estava causado. O simples anúncio do plebiscito tornou minúsculos os planos tão trombeteados por Sarkozy e Merkel para resgatar o euro. O anúncio estancou a reunião do G-20 em Cannes, que não conseguiu mais avançar sobre os pontos de sua agenda. O tema da possível taxação sobre as transações financeiras para frear a especulação e gerar receitas fiscais não pôde ser tratado nas discussões. Obama não teve que dizer que seu secretário do Tesouro e Wall Street se opõem a essa medida. A questão das reformas do sistema monetário internacional apenas foi mencionada timidamente.

O prato principal era, certamente, o projeto de ampliação do ‘Fundo Europeu de Estabilidade Financeira’ (FEEF), por meio de esquema de alavancagem. Tudo foi desarticulado pelo anúncio do referendo. A presidente do Brasil, Dilma Rousseff, foi a mais eloquente ao perguntar: por que deveríamos investir nesse fundo se os próprios europeus não querem fazê-lo?

A Itália está agora no coração da crise do euro, mas Berlusconi estava mais ocupado com os processos e escândalos nos quais está envolvido, do que em enfrentar o problema da dívida italiana. Na semana passada, os títulos italianos de dez anos tiveram que ser colocados nos mercados internacionais em seu nível mais alto desde 1997. Essa elevação do custo financeiro da dívida italiana é péssimo sinal.

O G-20 impôs a Berlusconi a supervisão de uma equipe do ‘Fundo Monetário Internacional’ para aplicar mais planos de austeridade. A necessidade do G-20 não tem limites: o crescimento será freado e a arrecadação também. A austeridade acabará por deter o crescimento, diminuir a arrecadação e, em consequência, fazer disparar o déficit fiscal e a relação dívida/PIB.

A ‘globalização neoliberal’está fundada na ideia de que os mercados se autorregulam e de que o mercado capitalista não precisa de nenhum tipo de intervenção política para seguir funcionando. Por definição, isso implica apagar a dimensão política e levá-la, no limite, ao seu desaparecimento. Os líderes do G-20 permanecem prisioneiros dessa visão de mundo. A partir dessa perspectiva é normal que sejam incapazes de traçar análise que implique algum tipo de regulação política para sair da crise.”

FONTE: artigo de Alejandro Nadal, publicado no “La Jornada”, jornal online para o México, Espanha, América Central e América do Sul. Foi o primeiro jornal online em espanhol. O autor é professor no “Colegio de México”, onde dirige programa de pesquisa em Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento. Transcrito no site “Carta Maior” com tradução de Katarina Peixoto  (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18955).

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