"Esse ataque especulativo é mais uma comprovação da necessidade de regulação cerrada de bancos e fundos
Os mercados financeiros são incorrigíveis. Agora a especulação se dirige contra o euro, ou, mais especificamente, dirige-se contra a Grécia, para depois atacar Portugal e, em seguida, a Espanha -os países mais frágeis da zona do euro.
O preço dos "credit default swaps" visando proteger os credores contra uma possível quebra da Grécia aumentou do índice 120 em outubro para 419 no dia 9. Quem compra esses instrumentos a um preço tão elevado aposta na quebra do país, o que transformará esse alto preço em grande lucro -uma aposta com forte componente autorrealizador. Quanto mais se aposta, mais dificuldade tem o país de se refinanciar e maior é a possibilidade de quebra.
Não creio, porém, que os especuladores ganharão desta vez. É verdade que o euro tem um ponto fraco: faltam à União Europeia, de um lado, uma autoridade federal para cobrar maior responsabilidade fiscal e maior transparência dos governos, e, de outro, mais recursos para vir em seu socorro se se veem em dificuldade. Entretanto, embora a Comissão Europeia não conte com esses recursos, os governos europeus e seus ministros da Finanças contam.
O governo conservador grego derrotado nas últimas eleições foi irresponsável no plano fiscal e no plano cambial; endividou o Estado e o país. O deficit público foi a 12,7%, e o deficit em conta-corrente, a 14% do PIB. E o governo mentiu em relação aos números. O novo primeiro-ministro, George Papandreou, porém, é economista keynesiano competente e prudente que já está tomando uma série de medidas de ordem fiscal. E a União Europeia vai certamente dar o apoio necessário à Grécia.
A alternativa seria a Grécia pedir apoio do FMI, mas não creio que os europeus concordarão com isso. A Grécia é um país que já está bem inserido na zona do euro -e o apoio do FMI a ela representaria um apoio à zona do euro, algo que os grandes países da região não admitirão. Essa alternativa foi adotada para os países do Leste Europeu, mas esses são países recém-chegados à União Europeia. O grande aumento de capital que o Fundo aprovou foi justificado pela necessidade de salvar esses países, cujos deficit -o público e principalmente o deficit em conta-corrente- haviam subido de forma irresponsável; na verdade, foi aprovado para salvar os grandes bancos ocidentais que de forma igualmente irresponsável emprestaram para empresas daqueles países com o apoio do FMI porque estariam "crescendo com poupança externa".
A União Europeia foi duramente atingida pela crise financeira global, porque alguns dos seus grandes bancos acompanharam a onda de especulação baseada em "inovações financeiras", e em parte porque as exportações de seus países sofreram com a crise.
O endividamento das famílias, porém, não foi tão grande como nos EUA, e apenas na Espanha houve uma bolha imobiliária. A zona como um todo não apresentava nem os deficit públicos e em conta-corrente apresentados pelos EUA. Na crise, depois de uma breve depreciação em relação ao dólar, o euro voltou a se apreciar, indicando o maior equilíbrio da economia europeia.
Por tudo isso, estou seguro de que os especuladores acabarão perdendo essa parada.
Mas esse ataque especulativo é mais uma comprovação da necessidade de regulação cerrada dos bancos e dos "hedge funds". Criar dinheiro é uma capacidade inerente ao sistema financeiro porque ele cria crédito e financia o desenvolvimento econômico, mas dinheiro é um bem público poderoso e perigoso que as sociedades democráticas precisam manter sob controle."
FONTE: escrito por LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), autor de "Globalização e Competição". Publicado hoje (15/02) na Folha de São Paulo.
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