sexta-feira, 12 de novembro de 2010

PAULISTAS ÓRFÃOS DE 1932

Uma das piores sequelas da recente eleição presidencial foi a onda conservadora, preconceituosa e racista, que se sentiu à vontade para se expressar diante da campanha agressiva e fundamentalista do candidato tucano.

Tal postura, revelada, sobretudo, por uma estudante paulista de Direito, não nasceu com a campanha eleitoral, mas percebeu no processo uma oportunidade ímpar de destilar sua aversão ao nordestino, simbolizando o ignorante, que não contribui para o destino do país. O nordestino simboliza, na verdade, o preconceito contra o pobre, o preto, o desvalido, enfim, todos aqueles que não participam da vida rica de uma certa área de São Paulo, não tão além dos Jardins.

Sim, em primeiro lugar é preciso diferir os paulistas dessa minoria elitista míope, herdeira dos órfãos de 1932, que não entende São Paulo como parte indissociável do Brasil e dos brasileiros. A revolução de 30 rompeu o poder oligárquico paulista, que acreditava sustentar a nação e não desejava sua transformação em um país urbano, moderno e industrial. Os inconformados com essa guinada na vida do país, que dele usufruíam, se levantaram em armas, num movimento que tinha como lema "Tudo por São Paulo". Até hoje, esse levante é comemorado em São Paulo, por maior que tenha sido o seu equívoco histórico.

A derrota em 32 não tirou de São Paulo seu papel de carro-chefe na industrialização que queria evitar. Com o avanço do capitalismo, até o seu ápice financeiro, o estado tornou-se ainda mais poderoso, levando certos setores a perderem a noção do nacional. Os jovens universitários que integram o movimento "São Paulo para os paulistas" são como os órfãos de 32, só que ainda não perderam nada, pois nada construíram, já que estão na faixa de 18 a 23 anos. Ao contrário, vivem num país que reduz suas desigualdades, e com um Nordeste em crescimento, o que diminui consideravelmente os fluxos migratórios para o Sudeste.

Obtusos, não percebem que a pujança de São Paulo foi construída com o suor de muitos brasileiros, em grande número nordestinos, e acham que os maiores responsáveis pelo desenvolvimento do estado foram os empresários. Desconhecem a dialética e trabalham com princípios equivocados e perigosos. Essa turma, assim como alguns movimentos separatistas, é minoritária e tende a ser ignorada pela sociedade. Seus pontos de vista, embora precisem ser observados e punidos quando incitam publicamente o crime, como no caso da estudante paulista, são desprezíveis e não teriam o menor eco se não fossem sustentados por algo maior.

E é aí que mora o perigo. A campanha presidencial brasileira levantou uma onda neoconservadora no país, jamais vista desde a redemocratização. O candidato tucano José Serra, com seu discurso excessivamente religioso, apegado a valores morais ultrapassados e enfaticamente paulista - colocou o estado contra o resto do país quando afirmou que o PT não gostava de São Paulo -, possibilitou o afloramento desse tipo de idéia. Aqueles que acham que "São Paulo não deve nada ao Brasil", como declarou um porta-voz do movimento São Paulo para os paulistas, encontraram uma liderança política capaz de proclamar parte de seus anseios.

O movimento conservador e de direita vem tendo um crescimento mundial. É capaz de eleger presidentes na Europa e nos Estados Unidos, baseando-se não apenas no liberalismo econômico, mas em questões religiosas e xenófobas. O nordestino daqui é o estrangeiro de lá. Essa elite "iluminada", que angaria apoio lá fora com a questão do emprego, aqui aplica outros argumentos como uma superioridade intelectual. Reproduz a frase mais infeliz de Pelé, a de que o brasileiro não sabe votar, e encontra respaldo para seus preconceitos até em editoriais e colunas de veículos de expressão nacional.

O conservadorismo brasileiro de matiz fascista, que não se manifestava de forma tão aberta desde o movimento integralista e da Marcha da Família com Deus e pela Liberdade, encontrou um caminho aberto e pôs as asinhas de fora. O PSDB é candidato a ficar com ele se prosseguir na diretriz estabelecida pela campanha de Serra. Será um passo para se estabelecer definitivamente como o partido da direita brasileira, já que o DEM, antigo PFL, é apenas um resquício de legenda, fadado à extinção.”

FONTE: escrito por Mair Pena Neto, jornalista carioca. Trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, Agência Estado e Agência Reuters. No JB, foi editor de política e repórter especial de economia. Artigo publicado no site “Direto da Redação” (http://www.diretodaredacao.com/noticia/orfaos-de-1932).

3 comentários:

Fluxo disse...

Esses paulistas só olham para o próprio umbigo. São egoístas ao extremo. Bastaria um só exemplo para demonstrar a grandeza do nordestino, pois foi um deles,o visionário Casimiro Montenegro, cearense, que criou o ITA. Como todos sabemos, nesse Instituto foram forjadas as bases teóricas e práticas para a criação e desenvolvimento do que é hoje São José dos Campos. Na época em que foi fundado o Institutuo, essa localidade paulista tinha apenas 32.000, e hoje, quantos têm. São José dos Campos deixou de ser uma região de economia rural e passou a ser centro industrial e tecnológico de alta relevância para a economia do Brasil e, em particular de São Paulo, isto graças a atitude visionária de um Brasileiro, Nordestino e Cearense. Portanto, sem essa que São Paulo não deve nada ao Brasil.

Fluxo disse...

Correção: onde se lê "...nesse Instituto foram forjadas as bases teóricas e práticas para a criação e desenvolvimento do que é hoje São José dos Campos." leia-se "...nesse Instituto foram forjadas as bases teóricas e práticas para a criação e desenvolvimento do que é hoje o pólo científico, tecnológico e industrial que se tornou São José dos Campos..

Unknown disse...

"Fluxo"
Ótimo exemplo. Oportuna lembrança.
Maria Tereza