quarta-feira, 15 de julho de 2015

Delfim Netto: "É CEDO PARA AVALIAR O DESASTRE GREGO"


O desastre grego

Por Antonio Delfim Netto, n[jornal direitista, tucano] "Valor"

"É ainda muito cedo para filosofar sobre as profundas consequências econômicas e geopolíticas do eventual afastamento da Grécia da Comunidade Europeia.

Antes de mais nada, vamos combinar três coisas:

1) que só a miopia, ou a necessidade estratégica do Ocidente, pode explicar os favores dados à Grécia para aceitar o euro como sua moeda. Avaliada, ela parecia superar o custo da sua secular irresponsabilidade fiscal. A vontade política ignorou a certeza econômica de que ela muito dificilmente se acomodaria naquela área monetária. No longo prazo, a pedestre restrição da economia costuma dominar a metafísica "vontade" política;

2) que em alguns países da Eurolândia, depois de sete anos de "austeridade", existe uma distância enorme entre o "PIB potencial" e o nível da demanda agregada, além de uma distância abissal entre a taxa de desemprego "natural' e a atual. Isso sugere que o que falta mesmo é "demanda efetiva", que não será gerada por um programa que se esgota em "mais austeridade"; e 

3) que a "ajuda" à Grécia, desde 2008, salvou o sistema bancário credor, mas despejou todos os seus custos no lombo da população, que, até então, ingenuamente, atribuía o aumento da sua prosperidade, sem ter que trabalhar, aos "bons governos"...

A peculiaridade do desafio grego implícito na rápida e inesperada consulta popular de 5/Jul é que ele foi produto: 

1) Da enorme diferença, ainda não reconhecida, que fará no futuro o crescente empoderamento da cidadania no enfrentamento dos problemas sociais e econômicos dos países; 

2) Do reconhecimento crescente que os programas de austeridade postos em prática nos últimos sete anos, derivados da "teologia" acumulada pelos tecnocratas (apetrechados pelo "mainstream" da economia) que dominam as burocracias de Washington, Frankfurt e Bruxelas, não entregaram o prometido. É verdade que a Grécia também não entregou o que prometeu! 

3) Do deliberado propósito de desafiar a "ciência" e o poder daquelas burocracias. É claro que isso não poderia ser feito por um ministro de Finanças condicionado pelo "mainstream", escolhido no mercado financeiro, ou extraído da burocracia nativa. Foi por isso que Tsipras foi buscar Yanis Varoufakis, um acadêmico que conhece o "mainstream", admira Keynes, tem um evidente viés marxista e é especialista em teoria dos jogos. Simpático, dissimulado e narcisista, empurrou sem pressa e alguma arrogância as negociações até a exaustão e exasperação dos burocratas.

Encerrado o referendum, era certo que, com qualquer resposta (sim ou não), a tarefa de Varoufakis estaria terminada pelo seu desgaste. O que fez, então, o primeiro-­ministro? Nomeou para as Finanças outro acadêmico, Euclid Tsakolotos, conhecedor do "mainstream" e com um elegante tempero do morno marxismo da Universidade de Oxford. Na primeira reunião depois de 5/7, apresentou-­se com algumas notas escritas à mão. Não esqueceu de pedir mais um dinheirinho e prometeu voltar com um novo programa... Finalmente, em 9/7, o próprio Tsipras apresentou-­o. Contém concessões significativas que negam o seu programa eleitoral, mas mesmo assim não foi aceito pela tecnocracia da "troika", o que politizou a decisão.

Como tudo vai terminar será, ainda, uma longa história. Tsipras, que reconheceu que "seu mandato é para concluir um acordo melhor, não para retirar a Grécia da zona do euro" deve sair muito mal. Para seus eleitores, será um estelionatário. Para os ministros da Comunidade, seu esquerdismo infantil retirou-­lhe a credibilidade que lhe fará muita falta. Não tem como garantir que o seu compromisso da madrugada de 13/7 será levado a bom termo.

O "não" grego não sugeriu o apoio à irresponsabilidade fiscal. Não foi a vitória da "antiausteridade". Repudiou apenas o equivocado "excesso" de austeridade, transformado no fim de si mesmo e exigido como preliminar do crescimento e não construído simultaneamente com ele. 

As causas dos problemas dos países europeus não são as mesmas, e, logo, não podem ter a mesma solução. Na Espanha e na Irlanda, não havia déficits fiscais importantes e a relação dívida/PIB era razoável. Os EUA mostraram que há políticas fiscais e monetárias mais inteligentes que, mesmo quando não levam a rápida recuperação do crescimento, mitigam o desemprego, o que é o mais importante.

Talvez o maior e mais duradouro efeito do referendum que empoderou o governo grego seja de ordem moral. O mundo se informou melhor sobre a origem das graves crises financeiras que se espalharam depois de 2008. Elas somaram o irresponsável comportamento dos devedores com a insopitável busca de lucro dos credores. A "troika" também terminou muito mal. Tão mal, que o FMI, no dia 3/6, abriu uma dissidência: reconheceu que não há solução fora de um novo "hair­cut", isto é, de mais um perdão da dívida. Isso para não falar da visível "saia justa" do assustado Hollande diante da musculatura de Merkel.

Aos trancos e barrancos, foi conseguida mais uma possibilidade política de diálogo. Que ele seja mais sério, mais realista, mais racional e mais generoso. Será criminoso perdê-­la pela eventual incapacidade de "gregos" e "troianos" se moverem de posições ideologicamente determinadas, cujos resultados já conhecemos."

FONTE: escrito por Antonio Delfim Netto no [jornal direitista, tucano] "Valor" . Transcrito no "Jornal GGN"  (http://jornalggn.com.br/noticia/e-cedo-para-avaliar-as-consequencias-do-desastre-grego-por-delfim-netto).

COMPLEMENTAÇÃO



A cruel maratona grega


Por Flavio Aguiar, na "Rede Brasil Atual":

"Os termos que vêm aparecendo na mídia europeia, inclusive na conservadora, para avaliar a conclusão da extensa maratona que foi a reunião de 17 horas dos líderes da zona do euro, da noite de domingo (12) para esta manhã, falam por si mesmos: “crueldade”, “humilhação”, “fratura”, “imposição”, “tratamento impiedoso”, “brutal” e outros. Para quem acompanhou as negociações desde o começo, e sobretudo agora nesses momentos finais, o que ficou claro foi a arrogância de grande parte dos líderes da zona do euro, exigindo praticamente não só a capitulação de Atenas, de Tsipras, Varoufakis, "Syriza" e do povo grego, mas pretendendo impor a deposição do governo.

Ficou claro também que na União Europeia a democracia tem voo curto e nariz comprido. Não há lugar na UE ou na zona do euro para um governo de fato de esquerda, nem para algo parecido com soberania nacional, muito menos popular. Manda quem manda, e quem manda, em nome do capital financeiro, são os barões neoliberais da economia. Aos políticos, como a própria toda-poderosa (na aparência) Angela Merkel, cabe fazer a pantomima para os eleitores, fazendo de conta que esses decidem algo importante.

Nos momentos finais dessa corrida de obstáculos, François Hollande e Matteo Renzi ensaiaram um ar mais simpático aos gregos e a Tsipras. Aparentemente, com um único resultado prático: originalmente, o Fundo de Capitalização oriundo das privatizações e cortes que virão deveria ficar em Luxemburgo, não em Atenas. Pelo acordo final, essa “concessão” foi feita: o fundo fica na capital grega, mas, de qualquer modo, será supervisionado, senão administrado, pela Troika (FMI, BCE, Comissão Europeia, ou seus representantes) para amortizar a dívida soberana, capitalizar o sistema financeiro e assemelhados.

Esse fundo será construído através da cessão de bens públicos a serem privatizados no valor de € 50 bilhões. Isso significa que a Grécia abdica de sua soberania fiscal e também da administração de grande parte de seu patrimônio público. Outras soberanias também foram cortadas na carne. A Grécia deve se alinhar ao que é considerado como “práticas saudáveis” do restante da zona do euro: podar o poder de barganha dos sindicatos, adotar medidas como a demissão em massa (pudicamente chamada de “coletiva”), pulverizar pensões, impor o déficit zero, reformar o mercado de trabalho, privatizar o que ainda for privatizável, inclusive no setor energético.

As políticas de demissões, por exemplo, devem ser acordadas com as instituições da UE. Além de tudo isso, a Grécia deve agilizar a independência de seu setor financeiro, inclusive das instâncias públicas, diante dos políticos. E por aí vão os termos do “acordo”.

A comentarista Suzanne Moore, do [jornal inglês] "The Guardian", sintetizou muito bem essa situação, referindo-se ao termo que a chanceler Merkel costuma usar para caracterizar a zona do euro e a União Europeia: uma “família”. Pois bem, diz ela, a Alemanha vem se comportando não como uma autêntica chefe de família, mas como uma criança que faz o que faz mas fecha os olhos, pensando que assim os outros não veem o que ela faz. Na verdade, o que vem sendo feito hoje na Europa contém lições profundas para quem quiser aprendê-las, naturalmente.

Por exemplo, a melhor saída dessa estranha “família” é não entrar nela, porque ela – zona do euro e UE – está se transformando numa “gaiola das loucas”. Outra lição é a da insofismável mediocridade dos dirigentes das áreas financeiras – o próprio Schäuble à frente – incapazes de produzir argumentos outros que não sua posição de força. Não conseguiram suportar o vigor nem o rigor intelectual de Varoufakis, na prática forçando sua expulsão do “clube”.

Fica óbvio também que o que sucedeu até aqui com a Grécia reforça a "Front National" na França e a oposição à UE no Reino Unido. De um modo geral, tudo isso reforça a posição da extrema-direita em toda parte, inclusive na Grécia e na própria Alemanha. Mas parece que o desígnio das lideranças hegemônicas na UE e no euro implica aceitar o flerte com a extrema-direita (até como os neofascistas da Ucrânia), mas nunca com qualquer coisa que lembre a esquerda. Esse é o aviso enviado ao "Podemos", por exemplo, ou à própria "Linke" alemã.

Mas a maratona está longe de chegar ao fim. Até esta quarta-feira o Parlamento grego tem de aprovar o acordo, que depois será levado também ao "Bundestag" e alguns outros parlamentos, como o finlandês, de todos considerado o mais difícil. O partido de extrema-direita que compõe o governo ameaça sair da coalizão, derrubando-o, caso o pacote seja aprovado.

É curioso: foi uma “noite dos punhais” em que houve um perdedor nítido: Tsipras, embora até aqui ele não tenha sido mortalmente apunhalado, como queriam alguns. Mas não houve vencedores. A União Europeia sai enfraquecida, trincada, desse processo. O euro não se fortaleceu em nada. A chanceler Angela Merkel, que alguns gostariam de apontar como "a vencedora", sai com a imagem um tanto arranhada, de um lado sendo apontada como a força motriz das “crueldades”, e de outro vista como apenas uma porta-voz de quem manda de fato, o seu “chanceler de ferro”, Wolfgang Schäuble. De qualquer modo, venha a suceder o que vier, o prognóstico não é bom para o Velho Mundo, cada vez mais velho."

FONTE da complementação: escrito por Flavio Aguiar, na "Rede Brasil Atual". Postado no "Blog do Miro"  (http://altamiroborges.blogspot.com.br/2015/07/a-cruel-maratona-grega.html#more).

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