sexta-feira, 24 de julho de 2015

NÃO TENHAMOS ILUSÃO QUE O PROCURADOR TIMBÓ SERÁ PUNIDO



Por Paulo Moreira Leite, jornalista, escritor e diretor do portal "247" em Brasília

"É conveniente evitar toda ilusão com a investigação aberta pelo Conselho Nacional do Ministério Público em torno de Valtan Timbó, o procurador que decidiu iniciar um Procedimento Investigatório Criminal contra Luiz Inácio Lula da Silva a partir da acusação de "tráfico de influência internacional."

A medida contra Valtan tem um efeito [somente] disciplinador.

Será útil se for capaz de esclarecer aos brasileiros por que um procurador que nada tinha a ver com o caso decidiu interferir numa apuração já em andamento, que cumpria seus prazos, sob cuidados de uma procuradora já escolhida, Mirella Aguiar. É possível que se possa explicar por que um procurador, que responde a 254 acusações de negligência, decidiu envolver-se num caso contra um ex-presidente da República.

Apesar da decisão disciplinar, que pode ter consequências para Valtan, do ponto de vista de Lula o serviço feio já foi feito.

O "Procedimento Investigatório" já foi aberto e não pode ser desfeito de uma hora para outra.

Será preciso que a própria Mirella Aguiar, a quem o caso já foi devolvido, chegue à conclusão de que não cabe levar o Procedimento adiante e pedir seu arquivamento. Ela já disse que tudo se baseia em "parcos elementos desprovidos de suporte probatório." Tradução: não há provas para sustentar o que se diz contra Lula. 

Depois disso, ela solicitou ao "Instituto Lula" que ofereça um calhamaço de informações que pessoas familiarizadas com investigações de alto teor político comparam a uma devassa. Mesmo assim, não será preciso encontrar nada muito consistente. Basta uma dúvida para o caso continuar.

Pelas regras do Ministério Público, um procurador pode decidir, sozinho, se vai levar um um caso em frente, pedindo um indiciamento do acusado. Para mandar arquivar, no entanto, é mais trabalhoso. Mesmo que Mirella tenha concluído pelo arquivamento, será preciso aprovação da Câmara do Ministério Público.

É uma regra oposta à noção "em dúvida, pró réu", que vigora nos julgamentos e faz parte das garantias individuais de todo país civilizado.

Aqui, vale uma regra chamada "em dúvida, pró sociedade." O pressuposto dessa visão é que as investigações são sempre úteis a um país, e por isso só devem ser arquivadas após muito debate e questionamento. Parece óbvio, mas não é.

Se a maioria das investigações cumpre a função social de prestar contas à sociedade sobre crimes ocorridos, uma investigação pode se transformar em perseguição, especialmente quando envolve personagens politicamente delicados, onde a motivação política de investigadores pode estar à flor da pele.

Qual o sentido de prosseguir uma investigação com base em "parcos elementos desprovidos de suporte probatório?" Criar uma dúvida. Basta isso.

Através da dúvida, forma-se um caldo de cultura em torno da investigação que torna difícil qualquer iniciativa para reconhecer "parcos elementos" e encerrar o caso, mesmo que se saiba que é a decisão mais adequada a se tomar.

O importante é manter o clima do "aí tem coisa," mesmo que se evite dizer que coisa é essa, sem a qual não se pode acusar ninguém.

Vamos combinar: uma denúncia que nasceu nas páginas da "Época", está destinada a ser monitorada cuidadosamente pelos meios de comunicação em cada detalhe. O objetivo é constranger os juízes que, nas várias instâncias, serão chamados a dar um veredito sobre o caso.

Nos Estados Unidos, informações sobre um inquérito criminal não podem ser veiculadas por jornais, nem pela TV. Isso provoca -- obrigatoriamente -- a anulação do julgamento.

Vale a convicção de que a mídia tem o poder de influenciar os cidadãos comuns que irão compor o juri. Por isso, eles devem ser protegidos. No Brasil, país onde o juri popular é uma ocorrência rara, vigora a visão -- ingênua, na minha opinião -- de que os juízes que deliberam sobre um caso estão acima daquilo que os jornais dizem e a TV mostra. Por isso, os vazamentos podem ser tolerados e estimulados. Alguém acredita nisso depois das cenas inesquecíveis da AP 470 e da glorificação precoce de Sérgio Moro, herói de um julgamento que nem terminou?

Outro pressuposto é que o Ministério Público é a instituição que neste caso faz o papel de sociedade. Você pode achar estranho, porque, embora o Brasil seja um país onde os poderes emanam do povo, como ensina a Constituição, nunca votou para escolher esse representante.

Mas o Ministério Público tem atuado dessa forma desde a Constituição de 1988, que garantiu sua autonomia funcional, após esforço organizado de pressão sobre os parlamentares que, conforme recorda o professor de Direito Marcelo Figueiredo, da PUC de São Paulo, só ficou atrás de militares, banqueiros e da bancada ruralista. Esses poderes foram reforçados em maio, quando o Supremo Tribunal Federal aprovou, por 7 votos a 4, que o Ministério Público tem poderes de fazer uma investigação criminal -- desse tipo mesmo, que se pretende abrir contra Lula. 

Até então, juristas que ajudaram a elaborar a Constituição, como o professor José Afonso da Silva, classificavam as tentativas dos procuradores de assumir investigações criminais como "um desvio de função, uma fraude contra uma Constituição que não lhe confere tal poder." A situação se modificou, como se compreende pelo voto do ministro Marco Aurelio Mello, que ficou com a minoria, contra a mudança, apontando uma distorção elementar na decisão: "é inverter a ordem natural das coisas. Quem surge como responsável pelo controle não pode exercer atividade controlada. O desenho constitucional relativo ao Ministério Público na seara penal pauta-se na atividade de controle externo da polícia. Deve ser tutor das garantias constitucionais."

É nesse ambiente, em que se "inverte a ordem natural das coisas", que o andamento da possível investigação sobre Lula será resolvido. Para manter o caso ativo, basta uma dúvida. Você entendeu o que nos espera daqui para a frente, não?" 


FONTE: escrito por Paulo Moreira Leite, jornalista, escritor e diretor do portal "247" em Brasília   (http://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/190035/Para-perseguir-Lula-basta-criar-um-clima-de-d%C3%BAvida-Entendeu.htm). [Título e imagem do google acrescentados por este blog 'democracia&política'].

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