Carlos Araújo: “Minoria da minoria quer impeachment”
Do jornalista e escritor Paulo Moreira Leite, diretor do 247 em Brasília
"Sabe por que o impeachment não vai sair? Porque ninguém quer. Só um pequeno grupinho político, reunido em torno do Aécio Neves, tem interesse no impeachment. O isolamento é tão grande que nem o PSDB em seu conjunto está com eles. Nenhuma força social importante quer o afastamento da presidente. Nenhuma, a começar pelo setor financeiro. E é óbvio que nenhum governo pode ser afastado nessa situação. É por isso que a Dilma vai permanecer e cumprir seu mandato."
Quem diz isso é o advogado Carlos Franklin Paixão de Araujo, o Max, principal dirigente da VAR-Palmares, organização armada que combateu a ditadura militar. Carlos Araujo foi o segundo marido de Dilma Rousseff, no final da década de 1969, início dos 1970. Juntos, ele tiveram uma filha, Paula, mãe de Gabriel, único neto da presidente. Até hoje, o casal mantém convívio amigo e respeitoso, que envolve muita conversa política. Advogado por formação, titular de um dos grandes escritórios de direito trabalhista de Porto Alegre, Carlos Araujo deu uma entrevista exclusiva ao "247" segunda-feira, em sua casa a beira do Rio Guaíba, na capital gaúcha.
Falou sobre o futuro e sobre o passado. No primeiro caso, defendeu as medidas de ajuste, criticou o ultimato de Rui Falcão contra o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Disse que "as medidas que estão sendo tomadas agora é que vão preparar o crescimento que vai permitir a eleição de Lula em 2018, como todos nós queremos."
Admirador e estudioso de Getúlio Vargas, Araújo também falou sobre o passado. Ele acha que o Partido dos Trabalhadores e os aliados do governo têm muito a aprender com o legado do criador da CLT e da Petrobras -- a começar pela correta aplicação da noção de hegemonia, indispensável nas negociações de governo e do ministério.
Lembrando a necessidade de o país ter uma imprensa plural, capaz de refletir o pensamento de toda a sociedade, Carlos Araújo recordou um episódio pouco conhecido. Durante a ditadura militar, a VAR Palmares chegou a transferir parte de seus recursos -- a organização ficou celebre pela fortuna obtida no milionário assalto ao "cofre do Adhemar", realizado em julho de 1969 -- para dar sustentação ao "Pasquim", maravilhoso jornal satírico que foi uma das marcas da oposição ao regime.
Trechos da entrevista:
Depois da decisão do Supremo, que aceitou três liminares que travaram o trâmite do impeachment na Câmara, o país parece viver um novo momento político. As pressões pelo impeachment não acabaram mas a situação é outra. Por quê?
Depois da decisão do Supremo, que aceitou três liminares que travaram o trâmite do impeachment na Câmara, o país parece viver um novo momento político. As pressões pelo impeachment não acabaram mas a situação é outra. Por quê?
O Supremo recolocou a legalidade no centro da situação política.
Seria errado dizer que as liminares mostraram que o Supremo está a favor do governo ou contra a oposição. Está a favor do respeito à lei. Só. O resto é consequência e suas decisões beneficiam quem está dentro da legalidade. Os votos do Teori Zavaski e da Rosa Weber foram contundentes e claros. Mostraram que os ministros estão agindo como juízes, coisa que muitas pessoas não compreendem. A referência de um juiz é o respeito a lei, acima de qualquer coisa. O Supremo mostrou que não aceita opções fora da lei. Essa decisão é que mudou a situação do país.
Por que se pode falar que era uma ação à margem da lei?
O ritual de impeachment definido pelo Eduardo Cunha autorizava abrir uma investigação contra a presidente por maioria simples. Isso contraria a legislação em vigor, de 1950, que estabelece que um debate sobre impeachment só pode ter início, desde o primeiro momento, se tiver apoio de 2/3 de todos os deputados. Não fala em 2/3 dos presentes num dia determinado. Fala em 2/3 dos eleitos, dos 513 deputados e eleitos e empossados. Já o ritual criado [por Cunha] permitia iniciar uma investigação sobre a presidente com apoio de 50 mais 1 dos deputados presentes num dia qualquer. Um absurdo jurídico e político, que não tem relação com a preservação da soberania popular e poderia iniciar uma crise a partir da vontade de uma minoria. (A matemática que explica a diferença é assim: por 2/3, a investigação se inicia quando tiver 342 votos favoráveis. No outro, num dia sorte para os adversários do governo e descuido da base aliada do Planalto, pode ter início com 129 votos, ou 0,39% dos eleitos).
Mas a oposição -- ou pelo menos parte dela -- continua falando em impeachment.
Sim. Mas eu pergunto se é possível imaginar que o governo não tenha apoio de pelo menos um terço da Câmara. Ou de um terço do Senado, se um dia a questão chegar lá. Alguém duvida? Há outro fator, porém.
Qual?
Nós sabemos que as grandes decisões políticas de um país não envolvem, apenas, decisões de deputados, senadores, governadores ou prefeitos. Devem expressar uma vontade maior, das forças da sociedade, em determinado momento. E não há ninguém importante, socialmente representativo, a favor do impeachment. Francamente: se no Congresso já houve a bancada BBB, que era Bola, Bala e Bíblia, agora, como dizem, está surgindo a bancada CCC, de (Ronaldo) Caiado, (Eduardo) Cunha e Carlos (Sampaio), reacionária e minoritária, como a sigla da ultradireita de velhos tempos. O Paulinho pode ser a favor do impeachment, mas não é seguido pela Força Sindical, que é sua origem. Seu presidente, o líder metalúrgico Miguel Torres, acaba de dizer que os trabalhadores estão preocupados com o emprego e o salário. Essa é a mensagem. Não é a CUT, fundada pelo PT, nem a CTB, ligada do PC do B. Mas a "Força", que já fez comícios onde dirigentes subiam ao palanque e ofendiam Dilma. O próprio Fernando Henrique tem uma posição oscilante, para cá e para lá.
Como você analisa os movimentos de FHC?
Eu acho que ele está preocupado com o Aécio e faz o possível para agradá-lo. Teme que, isolado num partido onde as outras lideranças não têm interesse no afastamento de Dilma, o Aécio pode acabar se afastando. Na minha opinião, se ficar sem espaço no PSDB, ele pode acabar no DEM. Seria um desastre para quem reivindica a herança democrática de Tancredo, que teve um papel importante no país dos anos 1950 e 1980, mas essa possibilidade é real. Aécio sabe que só poderá disputar a presidência se a eleição for antecipada e por isso quer o impeachment de qualquer maneira. Os outros possíveis candidatos, a começar pelo Geraldo Alckmin, o mais colocado, sabem que é preciso respeitar as regras da Constituição. Não querem transformar nossa democracia numa bagunça.
Como falar que o impeachment não teria base social?
A começar pela direção do Itaú e do Bradesco, há muito tempo os grandes bancos já assumiram posição contra o afastamento da presidente. Eles reconhecem que não há nenhum fato concreto contra ela e que um impeachment, nessa situação, seria uma desmoralização para a democracia. Os bancos usaram sua conhecida influência para defender essa visão em outras áreas da sociedade, inclusive junto meios de comunicação, colocando a importância de se assumir uma visão ponderada e responsável em relação ao futuro do país.
No plano internacional, o Barack Obama deu uma demonstração de apoio a Dilma durante a visita dela aos Estados Unidos. O "New York Times" já fez editorial dizendo que não se pode apontar um crime de responsabilidade contra ela.
Isso reflete as boas relações que a Dilma construiu com o Obama. Ela também tem boas relações com a Hillary Clinton (hoje a favorita do Partido Democrata nas eleições presidenciais de 2016). O fato de serem duas mulheres facilita algumas conversas.
Mas os problemas no Brasil são reais, como se viu até pela declaração do Rui Falcão contra o Lewy, na base do "dá ou ou desce..."
Eu acho que o Rui errou e disse isso a ele. Foi uma declaração estranha, que não é muito de seu feitio. Mas deu a Dilma a oportunidade de deixar claro que tem muito respeito pela posição do PT mas que o governo tem outra política econômica e é essa política que vai ser seguida. O governo está convencido -- e eu também estou convencido, vamos deixar claro -- que esse ajuste é uma necessidade. A situação da economia estava insustentável no final de 2014 e era preciso fazer um ajuste, como acontece sempre nas economias capitalistas, ao longo da história. Há momentos de crescimento, que são seguidos por ajustes, que permitem novos períodos de crescimento. O debate real é o excedente.
É sempre igual, em qualquer governo? Não muda nada?
O que muda é o destino do excedente. Isso é que justifica um governo. A questão é saber o que se faz com o excedente econômico, aquilo que sobra depois dos gastos obrigatórios e permite a um governo atender a prioridades e fazer opções. O destino do excedente no Brasil fez a diferença a partir de 2003, com a posse do Lula. Os recursos que antes eram usados para reproduzir um país para poucos passaram a ser empregados para programas sociais e projetos de inclusão das grandes maiorias. O mesmo vai ocorrer agora. O ajuste irá criar um novo excedente, que irá permitir a ampliação de políticas sociais. Mas é preciso ter claro: isso só vai acontecer se passarmos pelo ajuste.
Qual o ponto decisivo?
Na prática, a questão é a CPMF. Quanto mais cedo for aprovada, mais fácil será o país voltar a crescer.
Mas não era possível perceber essas dificuldades antes?
Eu acho que isso nem sempre acontece. Você consegue perceber que há problemas, mas não percebe sua profundidade. No ano passado, já era possível compreender que seria preciso tomar medidas de contenção de gastos, que até estavam sendo preparadas foram iniciadas. Mas não se tinha uma ideia do todo. Isso é mais frequente do que se imagina.
Por exemplo...
Em 1950, quando Getúlio Vargas retornou a presidência pelo voto popular, o país viveu uma situação semelhante. Ele fez uma campanha convencido de que seria capaz de promover novas conquistas e abrir uma nova etapa de crescimento, dando continuidade a sua gestão de quinze anos. Após a vitória, encontrou uma situação de caos e foi obrigado a fazer um ajuste e tomar medidas duras. Também teve se compor com a oposição. O primeiro ministro a ser nomeado foi João Cleofas, da UDN, que foi ocupar a Agricultura, na época o setor mais importante da economia, o que dá uma ideia de como ele via a situação. A diferença é que o Getúlio tinha uma noção clara do conceito de hegemonia política e isso ajudava a governar.
Como assim?
É a mesma discussão que aparece nas críticas ao Levy. Num regime presidencialista, quem define a hegemonia é o presidente. Não são os ministros. O Getúlio sabia que dar um ministro a mais ou a menos não iria fazer diferença. O importante era o rumo político, que ele assegurava. Tanto que tomou várias medidas importantes, mesmo numa situação difícil.
É verdade. Mas ele acabou deposto, forçado ao suicídio...
O governo do Getúlio tinha um problema de outra natureza. Seu governo não tinha quadros para refletir sobre o país e a situação política, oferecendo respostas a cada momento. Sem isso, você não consegue governar. Tanto que ele enfrentou uma crise artificial, totalmente produzida pela oposição, não conseguiu dar respostas nem manter o controle da situação. Viveu uma dificuldade muito semelhante ao que aconteceu dez anos depois, com o João Goulart. Ele tinha muitos méritos, muita vontade de acertar. Mas vivia cercado por auxiliares que não faziam ideia do que era política. Ótimas pessoas. Alguns, grandes intelectuais. Mas não respondiam ao que precisava ser feito.
E hoje?
Eu acho que o país está melhorando e nós estamos melhorando. Não dá para comparar. O Lula é um líder excepcional. Único. Mostrou não só que era capaz de fazer um grande governo, mas que era capaz de atravessar todas as crises ocorridas em seus dois mandatos. Nós sabemos que não foram poucas e mesmo assim ele conseguiu fazer a sucessão.
E a Dilma?
Vamos reconhecer: a Dilma não tem a liderança do Lula. Aliás, nenhum outro político brasileiro, de qualquer outro partido, tem uma liderança comparável. Esse é um fato óbvio. Mas Dilma tem uma disposição muito grande para fazer um bom governo, conhece os assuntos e não abre mão de nenhuma de suas responsabilidades. Conta com quadros -- inclusive com o Lula -- para resolver os problemas que surgem. Feita há poucos dias, a reforma ministerial já trouxe resultados positivos. Ela até poderia ter sido feita antes, concordo. Mas as condições não permitiram.
Lula é o candidato para 2018?
Não tenho a menor dúvida. Acho que não se pode pensar em outra opção.
Mas é possível ler, todos os dias, informações de que Lula e Dilma não se entendem, têm diferenças e disputas. Houve até o "Volta, Lula," no ano passado.
O "Volta, Lula" é uma bobagem. O prório Lula disse a mim, numa conversa após a vitória de 2010, que sua visão era a seguinte: se Dilma terminasse o mandato em boa posição, iria concorrer a reeleição. Caso contrário, ele entraria na disputa. Foi o que aconteceu. O resultado das urnas, com toda a pressão da campanha, apesar do trabalho do oligopólio da mídia, confirma isso.
Não está faltando um jornal para quem entende a noção de hegemonia?
Sem dúvida. Um jornal é indispensável para que aquela parcela da sociedade que concorda com suas ideias e apoia o governo possa compreender os acontecimentos de acordo com seu ponto de vista. A situação política da Cristina Kirchner, na Argentina, é muito mais confortável do que a de nosso governo. Isso não se compreende por uma política que se pode considerar melhor ou pior, mais ou menos adequada â maioria do país. Ela quebrou o monopólio dos tradicionais grupos de mídia e isso permite o fortalecimento da democracia.
Você conta que, durante a ditadura militar, a Var Palmares ajudou a sustentar o "Pasquim", a partir dos recursos imensos obtidos no "cofre do Adhemar". Como foi isso?
Nós tínhamos recursos e resolvemos ajudar financeiramente um jornal que fazia oposição ao regime. Um militante nosso chegou a ter participação importante na administração do "Pasquim" em função disso. O jornal era um tremendo sucesso mas precisava de sustentação econômica e nós contribuímos para isso. Era nossa obrigação e conseguimos fazer isso sem despertar suspeitas. Esses vínculos só foram descobertos mais tarde, em função da prisão e da tortura de militantes ligados a esse trabalho."
FONTE: escrito pelo jornalista e escritor Paulo Moreira Leite, diretor do "247" em Brasília (http://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/201670/Carlos-Ara%C3%BAjo-%E2%80%9CMinoria-da-minoria-quer-impeachment%E2%80%9D.htm).
Por que se pode falar que era uma ação à margem da lei?
O ritual de impeachment definido pelo Eduardo Cunha autorizava abrir uma investigação contra a presidente por maioria simples. Isso contraria a legislação em vigor, de 1950, que estabelece que um debate sobre impeachment só pode ter início, desde o primeiro momento, se tiver apoio de 2/3 de todos os deputados. Não fala em 2/3 dos presentes num dia determinado. Fala em 2/3 dos eleitos, dos 513 deputados e eleitos e empossados. Já o ritual criado [por Cunha] permitia iniciar uma investigação sobre a presidente com apoio de 50 mais 1 dos deputados presentes num dia qualquer. Um absurdo jurídico e político, que não tem relação com a preservação da soberania popular e poderia iniciar uma crise a partir da vontade de uma minoria. (A matemática que explica a diferença é assim: por 2/3, a investigação se inicia quando tiver 342 votos favoráveis. No outro, num dia sorte para os adversários do governo e descuido da base aliada do Planalto, pode ter início com 129 votos, ou 0,39% dos eleitos).
Mas a oposição -- ou pelo menos parte dela -- continua falando em impeachment.
Sim. Mas eu pergunto se é possível imaginar que o governo não tenha apoio de pelo menos um terço da Câmara. Ou de um terço do Senado, se um dia a questão chegar lá. Alguém duvida? Há outro fator, porém.
Qual?
Nós sabemos que as grandes decisões políticas de um país não envolvem, apenas, decisões de deputados, senadores, governadores ou prefeitos. Devem expressar uma vontade maior, das forças da sociedade, em determinado momento. E não há ninguém importante, socialmente representativo, a favor do impeachment. Francamente: se no Congresso já houve a bancada BBB, que era Bola, Bala e Bíblia, agora, como dizem, está surgindo a bancada CCC, de (Ronaldo) Caiado, (Eduardo) Cunha e Carlos (Sampaio), reacionária e minoritária, como a sigla da ultradireita de velhos tempos. O Paulinho pode ser a favor do impeachment, mas não é seguido pela Força Sindical, que é sua origem. Seu presidente, o líder metalúrgico Miguel Torres, acaba de dizer que os trabalhadores estão preocupados com o emprego e o salário. Essa é a mensagem. Não é a CUT, fundada pelo PT, nem a CTB, ligada do PC do B. Mas a "Força", que já fez comícios onde dirigentes subiam ao palanque e ofendiam Dilma. O próprio Fernando Henrique tem uma posição oscilante, para cá e para lá.
Como você analisa os movimentos de FHC?
Eu acho que ele está preocupado com o Aécio e faz o possível para agradá-lo. Teme que, isolado num partido onde as outras lideranças não têm interesse no afastamento de Dilma, o Aécio pode acabar se afastando. Na minha opinião, se ficar sem espaço no PSDB, ele pode acabar no DEM. Seria um desastre para quem reivindica a herança democrática de Tancredo, que teve um papel importante no país dos anos 1950 e 1980, mas essa possibilidade é real. Aécio sabe que só poderá disputar a presidência se a eleição for antecipada e por isso quer o impeachment de qualquer maneira. Os outros possíveis candidatos, a começar pelo Geraldo Alckmin, o mais colocado, sabem que é preciso respeitar as regras da Constituição. Não querem transformar nossa democracia numa bagunça.
Como falar que o impeachment não teria base social?
A começar pela direção do Itaú e do Bradesco, há muito tempo os grandes bancos já assumiram posição contra o afastamento da presidente. Eles reconhecem que não há nenhum fato concreto contra ela e que um impeachment, nessa situação, seria uma desmoralização para a democracia. Os bancos usaram sua conhecida influência para defender essa visão em outras áreas da sociedade, inclusive junto meios de comunicação, colocando a importância de se assumir uma visão ponderada e responsável em relação ao futuro do país.
No plano internacional, o Barack Obama deu uma demonstração de apoio a Dilma durante a visita dela aos Estados Unidos. O "New York Times" já fez editorial dizendo que não se pode apontar um crime de responsabilidade contra ela.
Isso reflete as boas relações que a Dilma construiu com o Obama. Ela também tem boas relações com a Hillary Clinton (hoje a favorita do Partido Democrata nas eleições presidenciais de 2016). O fato de serem duas mulheres facilita algumas conversas.
Mas os problemas no Brasil são reais, como se viu até pela declaração do Rui Falcão contra o Lewy, na base do "dá ou ou desce..."
Eu acho que o Rui errou e disse isso a ele. Foi uma declaração estranha, que não é muito de seu feitio. Mas deu a Dilma a oportunidade de deixar claro que tem muito respeito pela posição do PT mas que o governo tem outra política econômica e é essa política que vai ser seguida. O governo está convencido -- e eu também estou convencido, vamos deixar claro -- que esse ajuste é uma necessidade. A situação da economia estava insustentável no final de 2014 e era preciso fazer um ajuste, como acontece sempre nas economias capitalistas, ao longo da história. Há momentos de crescimento, que são seguidos por ajustes, que permitem novos períodos de crescimento. O debate real é o excedente.
É sempre igual, em qualquer governo? Não muda nada?
O que muda é o destino do excedente. Isso é que justifica um governo. A questão é saber o que se faz com o excedente econômico, aquilo que sobra depois dos gastos obrigatórios e permite a um governo atender a prioridades e fazer opções. O destino do excedente no Brasil fez a diferença a partir de 2003, com a posse do Lula. Os recursos que antes eram usados para reproduzir um país para poucos passaram a ser empregados para programas sociais e projetos de inclusão das grandes maiorias. O mesmo vai ocorrer agora. O ajuste irá criar um novo excedente, que irá permitir a ampliação de políticas sociais. Mas é preciso ter claro: isso só vai acontecer se passarmos pelo ajuste.
Qual o ponto decisivo?
Na prática, a questão é a CPMF. Quanto mais cedo for aprovada, mais fácil será o país voltar a crescer.
Mas não era possível perceber essas dificuldades antes?
Eu acho que isso nem sempre acontece. Você consegue perceber que há problemas, mas não percebe sua profundidade. No ano passado, já era possível compreender que seria preciso tomar medidas de contenção de gastos, que até estavam sendo preparadas foram iniciadas. Mas não se tinha uma ideia do todo. Isso é mais frequente do que se imagina.
Por exemplo...
Em 1950, quando Getúlio Vargas retornou a presidência pelo voto popular, o país viveu uma situação semelhante. Ele fez uma campanha convencido de que seria capaz de promover novas conquistas e abrir uma nova etapa de crescimento, dando continuidade a sua gestão de quinze anos. Após a vitória, encontrou uma situação de caos e foi obrigado a fazer um ajuste e tomar medidas duras. Também teve se compor com a oposição. O primeiro ministro a ser nomeado foi João Cleofas, da UDN, que foi ocupar a Agricultura, na época o setor mais importante da economia, o que dá uma ideia de como ele via a situação. A diferença é que o Getúlio tinha uma noção clara do conceito de hegemonia política e isso ajudava a governar.
Como assim?
É a mesma discussão que aparece nas críticas ao Levy. Num regime presidencialista, quem define a hegemonia é o presidente. Não são os ministros. O Getúlio sabia que dar um ministro a mais ou a menos não iria fazer diferença. O importante era o rumo político, que ele assegurava. Tanto que tomou várias medidas importantes, mesmo numa situação difícil.
É verdade. Mas ele acabou deposto, forçado ao suicídio...
O governo do Getúlio tinha um problema de outra natureza. Seu governo não tinha quadros para refletir sobre o país e a situação política, oferecendo respostas a cada momento. Sem isso, você não consegue governar. Tanto que ele enfrentou uma crise artificial, totalmente produzida pela oposição, não conseguiu dar respostas nem manter o controle da situação. Viveu uma dificuldade muito semelhante ao que aconteceu dez anos depois, com o João Goulart. Ele tinha muitos méritos, muita vontade de acertar. Mas vivia cercado por auxiliares que não faziam ideia do que era política. Ótimas pessoas. Alguns, grandes intelectuais. Mas não respondiam ao que precisava ser feito.
E hoje?
Eu acho que o país está melhorando e nós estamos melhorando. Não dá para comparar. O Lula é um líder excepcional. Único. Mostrou não só que era capaz de fazer um grande governo, mas que era capaz de atravessar todas as crises ocorridas em seus dois mandatos. Nós sabemos que não foram poucas e mesmo assim ele conseguiu fazer a sucessão.
E a Dilma?
Vamos reconhecer: a Dilma não tem a liderança do Lula. Aliás, nenhum outro político brasileiro, de qualquer outro partido, tem uma liderança comparável. Esse é um fato óbvio. Mas Dilma tem uma disposição muito grande para fazer um bom governo, conhece os assuntos e não abre mão de nenhuma de suas responsabilidades. Conta com quadros -- inclusive com o Lula -- para resolver os problemas que surgem. Feita há poucos dias, a reforma ministerial já trouxe resultados positivos. Ela até poderia ter sido feita antes, concordo. Mas as condições não permitiram.
Lula é o candidato para 2018?
Não tenho a menor dúvida. Acho que não se pode pensar em outra opção.
Mas é possível ler, todos os dias, informações de que Lula e Dilma não se entendem, têm diferenças e disputas. Houve até o "Volta, Lula," no ano passado.
O "Volta, Lula" é uma bobagem. O prório Lula disse a mim, numa conversa após a vitória de 2010, que sua visão era a seguinte: se Dilma terminasse o mandato em boa posição, iria concorrer a reeleição. Caso contrário, ele entraria na disputa. Foi o que aconteceu. O resultado das urnas, com toda a pressão da campanha, apesar do trabalho do oligopólio da mídia, confirma isso.
Não está faltando um jornal para quem entende a noção de hegemonia?
Sem dúvida. Um jornal é indispensável para que aquela parcela da sociedade que concorda com suas ideias e apoia o governo possa compreender os acontecimentos de acordo com seu ponto de vista. A situação política da Cristina Kirchner, na Argentina, é muito mais confortável do que a de nosso governo. Isso não se compreende por uma política que se pode considerar melhor ou pior, mais ou menos adequada â maioria do país. Ela quebrou o monopólio dos tradicionais grupos de mídia e isso permite o fortalecimento da democracia.
Você conta que, durante a ditadura militar, a Var Palmares ajudou a sustentar o "Pasquim", a partir dos recursos imensos obtidos no "cofre do Adhemar". Como foi isso?
Nós tínhamos recursos e resolvemos ajudar financeiramente um jornal que fazia oposição ao regime. Um militante nosso chegou a ter participação importante na administração do "Pasquim" em função disso. O jornal era um tremendo sucesso mas precisava de sustentação econômica e nós contribuímos para isso. Era nossa obrigação e conseguimos fazer isso sem despertar suspeitas. Esses vínculos só foram descobertos mais tarde, em função da prisão e da tortura de militantes ligados a esse trabalho."
FONTE: escrito pelo jornalista e escritor Paulo Moreira Leite, diretor do "247" em Brasília (http://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/201670/Carlos-Ara%C3%BAjo-%E2%80%9CMinoria-da-minoria-quer-impeachment%E2%80%9D.htm).
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