sexta-feira, 23 de outubro de 2015

O NAZISMO DE ISRAEL



                     Créditos da foto: Caleb Smith


Fronteiras: a Prússia dos colonos de Israel

"Israel está se tornando uma sociedade ultranacionalista, racista e religiosa, e quem está conduzindo o processo é um grupo comandado por Netanyahu.

Por Uri Avnery, 
escritor israelense, no "CounterPunch" (EUA)

A democracia de Israel está se deteriorando. Lenta e confortavelmente, mas sem sombra de dúvida.

E todos sabem no que vai dar: em uma sociedade ultranacionalista, racista e religiosa.

Quem está conduzindo a essa transição?

O governo, ora, é claro. Esse grupo de barulhentos ‘zés ninguém’ alçado ao poder nas últimas eleições, liderado por Binyamin Netanyahu.

Mas não somente. Se trancarmos todos esses pequenos demagogos falastrões, ministros disto ou aquilo (nem consigo lembrar quem é ministro de quê) em algum lugar, nada vai mudar. Em 10 anos, ninguém vai se lembrar dos seus nomes.

Se não é o governo que conduz, quem será então? Talvez a multidão de direita? Aquelas pessoas que vemos na TV, com os rostos contorcidos pelo ódio, gritando "Morte aos árabes" em jogos de futebol até ficarem roucas, ou em passeatas, após cada incidente violento nas cidades mistas, habitadas por judeus e árabes, dizendo que "Os árabes são todos terroristas! Vamos matá-los!".

Essa multidão pode realizar manifestações amanhã contra outros grupos: gays, juízes, feministas, ou seja quem for. Não formam um grupo consistente. Nem são capazes de construir um novo sistema.

Não, apenas um grupo no país é suficientemente forte, coeso e determinado para assumir o estado: os colonos.

Em meados do século passado, o importante historiador Arnold Toynbee escreveu uma obra monumental, "Um Estudo da História". Sua tese central era que as civilizações são como seres humanos: nascem, crescem, amadurecem, envelhecem e morrem. Essa não era uma tese realmente nova – o historiador alemão Oswald Spengler dissera algo semelhante antes (A Decadência do Ocidente). Mas, sendo britânico, Toynbee era muito menos metafísico que seu antecessor alemão, e tentou chegar a algumas conclusões práticas.

Entre as muitas idéias de Toynbee, especialmente uma deve nos interessar hoje. Trata-se do processo pelo qual regiões de fronteira alcançam o poder e assumem o controle do Estado.

Tomemos como exemplo a história alemã. A civilização alemã cresceu e amadureceu no Sul, ao lado da França e da Áustria. Uma classe alta rica e culta se espalhou por todo o país. Nas cidades, a burguesia aristocrática apadrinhava escritores e compositores. Os alemães se viam como um "povo de poetas e pensadores".

No decorrer dos séculos, os jovens cheios de energia das áreas ricas, especialmente segundos filhos que nada herdavam, desejavam conquistar novos domínios para eles. Foram para a fronteira leste, conquistavam novas terras dos habitantes eslavos e construíram novas propriedades.

A terra mais a leste foi chamada de "Mark Brandenburg". "Mark" significa fronteira. Sob o comando de príncipes confiáveis, ampliaram seu estado até Brandemburgo se tornar um centro de poder. Não satisfeito, um dos príncipes se casou com uma mulher que trouxe como dote um pequeno reino a leste chamado Prússia. Assim, o príncipe tornou-se rei, Brandenburg foi anexado à Prússia e se expandiu através de guerra e diplomacia, até a Prússia controlar a metade da Alemanha.


O Estado prussiano, localizado no meio da Europa, e rodeado por vizinhos poderosos, não tinha limites naturais – nem grandes mares, altas montanhas ou rios largos. Apenas terra plana. Assim, os reis prussianos criaram uma fronteira artificial: um poderoso exército. Conde Mirabeau, o estadista francês, celebrizou a frase: “Outros estados têm exércitos. Na Prússia, o exército tem um estado”. Os próprios prussianos cunharam a frase: "O soldado é o primeiro homem no estado".

Ao contrário da maioria dos outros países, na Prússia a palavra "estado" assumiu um status quase sagrado. Theodor Herzl, fundador do sionismo e grande admirador da Prussia, adotou esse ideal, chamando sua criação futura de "Der Judenstaat" - o Estado judeu.

Toynbee, não sendo dado a misticismos, apontou uma razão terrena para esse fenômeno de Estados civilizados serem controlados por pessoas menos civilizadas, porém mais resistentes e originárias de territórios de fronteiras.

Os prussianos tiveram que lutar. Conquistar a terra e aniquilar parte de seus habitantes, criar vilas e cidades, resistir a contra-ataques de vizinhos ressentidos, como suecos, poloneses e russos. Tinham que ser resistentes.

Ao mesmo tempo, os povos que viviam nas regiões centrais levavam uma vida muito mais fácil. Os burgueses de Frankfurt, Colônia, Munique e Nuremberg podiam ficar tranquilos, ganhar dinheiro, ler seus grandes poetas, ouvir seus grandes compositores. Podiam desprezar os primitivos prussianos. Até 1871, quando se descobriram em um novo Reich alemão, dominado pelos prussianos, com um Kaiser prussiano.

Esse tipo de processo ocorreu em muitos países ao longo da história. A periferia se torna o centro.


Na Antiguidade, o império grego foi fundado não por cidadãos civilizados de uma cidade grega como Atenas, mas por um líder da fronteira macedônia, Alexandre, o Grande. Mais tarde, o império Mediterrâneo não foi estabelecido por uma cidade grega civilizada, mas por uma cidade italiana periférica chamada Roma.

Uma pequena fronteira alemã no Sudeste tornou-se o enorme império multinacional chamado Áustria (Österreich, "Império do Oriente" em alemão), até ser ocupada pelos nazistas e rebatizada de "Ostmark" – área de fronteira leste.


Exemplos não faltam.

A história judaica, tanto a real quanto a imaginada, tem seus próprios exemplos.

Quando um menino que atirava pedras, da periferia sul, de nome Davi se tornou Rei de Israel, ele mudou a capital da sua cidade, a velha Hebron, para um novo lugar, que ele acabara de conquistar – Jerusalém. Ali, estava longe de todas as cidades em que uma nova aristocracia havia se estabelecido e prosperado.

Muito mais tarde, no tempo dos romanos, os combatentes resistentes da fronteira da Galiléia foram para Jerusalém, já então uma cidade civilizada aristocrática, e impuseram aos pacíficos cidadãos uma guerra louca contra os infinitamente superiores romanos. Em vão, o rei judeu Agripa, descendente de Herodes, o Grande, tentou pará-los com um impressionante discurso registrado por Flavius Josephus. Os povos da fronteira venceram, a Judeia se revoltou, o ("segundo") templo foi destruído, e as consequências puderam ser sentidas ainda esta semana no Monte do Templo ("Haram al Sharif", o Sagrado Santuário em árabe), onde meninos árabes, imitando Davi, atiraram pedras nos judeus imitando Golias.

Na Israel de hoje, há uma clara distinção – e antagonismo – entre as cidades grandes e ricas, como Tel Aviv, e a "periferia" muito mais pobre, cujos habitantes são, em sua maioria, descendentes de imigrantes de países orientais pobres e atrasados.

Nem sempre foi assim. Antes da fundação do Estado de Israel, a comunidade judaica na Palestina (chamados de "Yishuv") foi governada pelo Partido Trabalhista, dominado pelos "kibutzim", as aldeias comunais, muitas das quais localizadas ao longo das fronteiras (pode-se dizer que, na verdade, eles constituíam as "fronteiras" do Yishuv). Ali nasceu uma nova geração de lutadores resistentes, que desprezava os moradores mimados das cidades.

No novo estado, os Kibutzim tornaram-se uma mera sombra do que haviam sido, e as cidades centrais tornaram-se os centros da civilização, invejadas e até odiadas pela periferia. Essa situação durou até há pouco. Agora está mudando rapidamente.

Imediatamente após a Guerra dos Seis Dias, em 1967, um novo fenômeno emergiu: os assentamentos israelenses nos territórios palestinos recentemente ocupados. Seus fundadores eram jovens "nacionalistas-religiosos".

No tempo do Yishuv, os sionistas religiosos eram bastante desprezados. Formavam uma minoria insignificante. Por um lado, não possuíam o ímpeto revolucionário dos seculares e socialistas Kibutzim. Por outro lado, os verdadeiros judeus ortodoxos não eram nada sionistas, e consideravam o movimento sionista um pecado. (Não foi Deus afinal quem condenou os judeus a viver no exílio, dispersos entre as nações, por causa de seus pecados?)

Porém, após as conquistas de 1967, o grupo "nacional-religioso" ganhou força repentina. A conquista do Monte do Templo, em Jerusalém Oriental, e de todos os outros sítios bíblicos encheu-o de fervor religioso. De minoria marginal, o grupo tornou-se uma força poderosa.

Criaram o movimento dos colonos e estabeleceram dezenas de novas cidades e vilarejos em toda a Cisjordânia ocupada e em Jerusalém Oriental. Com a ajuda e energia de todos os sucessivos governos israelenses, tanto de esquerda quanto de direita, cresceram e prosperaram. Enquanto o "campo da paz" da esquerda degenerou e sumiu, o número de colonos explodiu.

O partido "nacional-religioso", antes uma das forças mais moderadas na política israelense, tornou-se o ultranacionalista, quase fascista "Partido Jewish Home". Os colonos também se tornaram uma força dominante no partido "Likud". Eles hoje controlam o governo. Avigdor Lieberman, um colono, lidera um partido ainda mais direitista, teoricamente de oposição ao governo. A estrela do "centro", Yair Lapid, fundou seu partido no assentamento de Ariel, e hoje fala como um extremista da direita. Yitzhak Herzog, o líder do Partido Trabalhista, se esforça em imitá-los.

Todos agora usam o jargão dos colonos. Já não se referem à Cisjordânia, preferindo a linguagem colonizadora: "Judeia e Samaria".

Seguindo Toynbee, explico esse fenômeno pelo desafio da vida na fronteira.

Mesmo quando a situação é menos tensa do que está agora, os colonos enfrentam perigos. Estão cercados por vilarejos e cidades árabes (ou melhor, eles se instalaram ali no meio). Estão expostos a pedras e ataques esporádicos nas estradas e vivem sob a proteção militar constante, enquanto os moradores das cidades israelenses vivem uma vida confortável.

É claro que nem todos os colonos são fanáticos. Muitos foram viver num assentamento porque o governo lhes deu, quase de graça, uma casa com jardim com que não poderiam nem sonhar nas cidades de Israel. Muitos deles são funcionários do governo com bons salários. E muitos apenas gostam da vista – todos aqueles pitorescos minaretes muçulmanos.

Muitas fábricas deixaram Israel propriamente dita, venderam sua terra por quantias exorbitantes e receberam enormes subsídios do governo para se instalar na Cisjordânia. Eles empregam, é claro, mão de obra barata palestina dos vilarejos próximos, para escapar do pagamento de salário mínimo e de qualquer lei trabalhista. Os palestinos trabalham para eles porque não há opção de trabalho.

Mesmo esses colonos que se instalaram ali por "conforto" tornam-se extremistas, para sobreviver e defender suas casas, enquanto as pessoas em Tel Aviv aproveitam os cafés e cinemas. Muitos desses moradores mais antigos já possuem um segundo passaporte, para o caso de precisarem. Não é de estranhar que os colonos estejam dominando o estado.

O processo já está bem avançado. O novo chefe de polícia é um antigo colono que usa kipá. Assim como o chefe do Serviço Secreto. Cada vez mais membros da polícia e do exército são colonos. No governo e no Knesset (o parlamento de Israel), os colonos exercem enorme influência.

Há 18 anos, quando eu e meus amigos criamos pela primeira vez um boicote israelense aos produtos das colônias, vimos que estava por vir.

A verdadeira batalha de Israel é agora."

FONTE: artigo de Uri Avnery, escritor israelense, ativista pela paz, à frente do grupo "Gush Shalom", e um dos autores do livro "The Politics of Anti-semitism", do "CounterPunch". Publicado no site "Carta Maior" com tradução de Clarisse Meireles  (
http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Fronteiras-a-Prussia-dos-colonos-de-Israel/6/34789).[Título acrescentado por este blog 'democracia&política'].

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