O Governo correndo atrás do rabo do déficit público
Por J. Carlos de Assis, jornalista, economista, doutor pela Coppe/UFRJ
"Uma das lições que os banqueiros e financistas universais martelaram com maior eficácia nas mentes dos cidadãos do mundo é a que trata como "crime fiscal" a realização de "déficits públicos".
Neste exato momento, no Brasil, estamos vendo isso. Por conta de um mísero déficit programado de R$ 30,5 bilhões para o próximo ano, insignificante em relação ao conjunto das contas públicas, desaguou sobre o Planalto uma série de ataques virulentos como se o Governo tivesse perdido o controle da situação fiscal.
"Uma das lições que os banqueiros e financistas universais martelaram com maior eficácia nas mentes dos cidadãos do mundo é a que trata como "crime fiscal" a realização de "déficits públicos".
Neste exato momento, no Brasil, estamos vendo isso. Por conta de um mísero déficit programado de R$ 30,5 bilhões para o próximo ano, insignificante em relação ao conjunto das contas públicas, desaguou sobre o Planalto uma série de ataques virulentos como se o Governo tivesse perdido o controle da situação fiscal.
Primeiro, vamos aos conceitos. Déficit é quando o Governo gasta mais do que arrecada. Para cobrir a diferença, toma recursos emprestados ao setor privado. Qual é a consequência disso para o conjunto da economia? A resposta correta é: depende. Se a economia está aquecida, isto é, em pleno emprego, o déficit pode gerar inflação, pois haverá mais dinheiro na praça do que produtos e serviços a serem comprados. Aliás, esse é o único caso em que os monetaristas têm razão quando criticam uma política fiscal expansiva.
Vamos sofisticar um pouco mais o raciocínio para lidar com algum rigor com esse objeto de manipulação. De onde o setor privado tira dinheiro para emprestar ao Governo, comprando seus títulos? A resposta a essa questão é muito curiosa porque o setor privado tira justamente do próprio Governo num giro bastante interessante das finanças públicas. Numa palavra, o setor privado pega títulos que tem em estoque, vende-os ao BC realizando os altos juros neles embutidos, e o BC disponibiliza a juros baixos o dinheiro para a compra dos novos.
Até aqui, quem ganha na parada? Mais uma vez, depende da situação. Se os recursos correspondentes ao déficit público são injetados pelo Governo numa economia em recessão, o resultado, provavelmente, é uma expansão do emprego e de toda economia. Sim, porque o Governo terá mobilizado recursos que estavam paralisados nas mãos do setor privado e os internalizado na economia sob a forma de gastos públicos de infraestrutura e de serviços governamentais, como saúde, educação e segurança.
Se estamos numa recessão profunda como agora – estou projetando nada menos que uma contração de cerca de 5% este ano, o FMI calcula 3% -, por que financistas, neoliberais, “ortodoxos” e outros exemplares da selva de economistas radicais de direita são tão visceralmente contra déficits públicos, mesmo com a economia em recessão? Simplesmente porque há um deslocamento da renda real em favor dos pobres, beneficiários em primeiro lugar dos gastos públicos. Reação cruel, mesmo porque, financeiramente, os ricos não são prejudicados.
Essa questão está no centro da arquitetura financeira ocidental. A chegada da China como ator relevante nesse cenário talvez seja a oportunidade histórica para o início de uma mudança. A forma como a China opera suas finanças é completamente diferente da ocidental. Não existe essa ideia estúpida, ridicularizada desde Keynes, segundo a qual "é preciso fazer poupança (superávit) antes de investir". O processo, e a China ensina isso, é inverso: o agente econômico, público ou privado, primeiro deve investir para depois buscar o suporte da poupança.
Entretanto, talvez o leitor esteja interessado nos dados concretos da proposta orçamentária de 2016 que levaram à imensa grita contra o déficit público. Ei-los: o montante somado dos orçamentos fiscal e da Seguridade se eleva a R$ 2 trilhões 118 bilhões. O déficit projetado de R$ 30,5 bilhões é 1,4% disso, isto é, insignificante. Mesmo se a economia estivesse em marcha forçada, um excesso de gasto público dessa ordem dificilmente provocaria inflação ou qualquer outro efeito nefasto na vida real dos brasileiros. Claro, há o impacto do déficit nas decisões das agências de risco de desclassificar o Brasil. Contudo, isso só interessa à TV Globo, sendo irrelevante para a economia.
Entretanto, estamos em profunda recessão. O déficit deveria ser uma ação deliberada do Governo para revertê-la, e não uma maldição conforme passou a considerá-lo. Em lugar de explicar o déficit, o Governo decide correr desesperadamente atrás de aumento de impostos para equilibrar o maldito orçamento. É um segundo erro. Numa situação de recessão profunda não se deve aumentar impostos, inclusive impostos justos. E a alternativa não é, jamais, cortar mais gastos, que agravam ainda mais a contração. A saída é justamente mais déficit, num reconhecimento de suas virtudes para a economia e para os pobres, e não a corrida inútil para fechá-lo a qualquer custo como o cachorro que corre atrás do rabo.
Francamente, não sei por que Levy está seguindo o caminho suicida, se por ignorância ou má fé. Desconfio da segunda hipótese em função de sua origem de pajem de banqueiro. O cipoal armado em torno do déficit talvez tenha uma função útil: unir o setor produtivo, trabalhadores e empresários, numa proposta comum de retomada do emprego e do crescimento econômico. Acho isso possível na medida em que a alternativa seria tenebrosa: numa situação de instituições derretidas, se as classes sociais não se entenderam é possível que terminem em conflito generalizado, do qual só se salvarão os banqueiros."
FONTE: escrito por J. Carlos de Assis - jornalista, economista, doutor pela Coppe/UFRJ, autor, entre outros livros de economia política, do recém-lançado “Os Sete Mandamentos do Jornalismo Investigativo”, Ed. Textonovo. Artigo publicado no "Jornal GGN" (http://jornalggn.com.br/noticia/o-governo-correndo-atras-do-rabo-do-deficit-publico-por-j-carlos-de-assis).
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