"Vice-presidente do banco dos BRICS, o "Novo Banco de Desenvolvimento" (NBD), o economista Paulo Nogueira Batista Júnior, afirma que a atual crise brasileira é "uma combinação de fatores econômicos e políticos, internos e externos". Para ele, no entanto, "os problemas fiscais nem de longe justificam a retórica que circula a respeito". "Houve até comparações com a Grécia, o que é um absurdo manifesto. Mas, é claro, o dissenso político interno exacerbou de maneira grave a situação econômica e gerou crise de confiança", disse; para o economista, a crise política ameaça a democracia.
Do portal "Brasil 247"
Vice-presidente do banco dos BRICS, o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, o economista Paulo Nogueira Batista Júnior, afirma que a atual crise brasileira é "uma combinação de fatores econômicos e políticos, internos e externos". Para ele, no entanto, "os problemas fiscais nem de longe justificam a retórica que circula a respeito ("tragédia" fiscal, "colapso" das contas públicas)".
"Houve até comparações com a Grécia, o que é um absurdo manifesto. Mas, é claro, o dissenso político interno exacerbou de maneira grave a situação econômica e gerou crise de confiança", disse.
Para o economista, a crise política ameaça a democracia. "Nos anos mais recentes, estamos falhando em matéria de desenvolvimento e a crise política ameaça, no meu entender, a democracia. Quando a disputa política ultrapassa certos limites, ela pode colocar em risco o respeito às regras da democracia, inclusive o respeito ao resultado de eleições", diz.
Ele defende ainda que é preciso combinar o ajuste fiscal com uma agenda de crescimento —o que deve incluir a diminuição dos juros e a ampliação do crédito. "O ajuste fiscal deve preservar os investimentos prioritários e as políticas sociais", diz.
Sobre as críticas à linha desenvolvimentista, ele declara: "Com o desenvolvimentismo dos governos Lula e Dilma se promoveu uma grande inclusão social no país, provavelmente sem precedentes. E o Brasil foi mais independente na sua política externa do que em períodos anteriores".
A entrevista na íntegra aqui:
Nogueira Batista vê ameaça à democracia e pede queda nos juros
Por Carol T. Powers, no "Bloomberg News"
Paulo Nogueira Batista Júnior fala durante conferência em Washington, EUA
Por ELEONORA DE LUCENA, na "FOLHA DE SÃO PAULO"
"A crise política ameaça a democracia. Se o quadro de divisão interna continuar, a própria autonomia nacional corre certo risco.
O alerta vem de Xangai, onde agora trabalha Paulo Nogueira Batista Júnior, 60, vice-presidente do banco dos BRICS, o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Economista desenvolvimentista, ele defende que é preciso combinar o ajuste fiscal com uma agenda de crescimento —o que deve incluir a diminuição dos juros e a ampliação do crédito. "O ajuste fiscal deve preservar os investimentos prioritários e as políticas sociais", diz.
Sobre as críticas à linha desenvolvimentista, ele declara: "Com o desenvolvimentismo dos governos Lula e Dilma se promoveu uma grande inclusão social no país, provavelmente sem precedentes. E o Brasil foi mais independente na sua política externa do que em períodos anteriores".
Nesta entrevista, falando em caráter pessoal, ele trata dos desafios do banco e afirma que os oito anos em que viveu em Washington, como diretor do FMI, foram "uma espécie de guerra" que deixou cicatrizes.
"Houve até comparações com a Grécia, o que é um absurdo manifesto. Mas, é claro, o dissenso político interno exacerbou de maneira grave a situação econômica e gerou crise de confiança", disse.
Para o economista, a crise política ameaça a democracia. "Nos anos mais recentes, estamos falhando em matéria de desenvolvimento e a crise política ameaça, no meu entender, a democracia. Quando a disputa política ultrapassa certos limites, ela pode colocar em risco o respeito às regras da democracia, inclusive o respeito ao resultado de eleições", diz.
Ele defende ainda que é preciso combinar o ajuste fiscal com uma agenda de crescimento —o que deve incluir a diminuição dos juros e a ampliação do crédito. "O ajuste fiscal deve preservar os investimentos prioritários e as políticas sociais", diz.
Sobre as críticas à linha desenvolvimentista, ele declara: "Com o desenvolvimentismo dos governos Lula e Dilma se promoveu uma grande inclusão social no país, provavelmente sem precedentes. E o Brasil foi mais independente na sua política externa do que em períodos anteriores".
A entrevista na íntegra aqui:
Nogueira Batista vê ameaça à democracia e pede queda nos juros
Por Carol T. Powers, no "Bloomberg News"
Paulo Nogueira Batista Júnior fala durante conferência em Washington, EUA
Por ELEONORA DE LUCENA, na "FOLHA DE SÃO PAULO"
"A crise política ameaça a democracia. Se o quadro de divisão interna continuar, a própria autonomia nacional corre certo risco.
O alerta vem de Xangai, onde agora trabalha Paulo Nogueira Batista Júnior, 60, vice-presidente do banco dos BRICS, o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Economista desenvolvimentista, ele defende que é preciso combinar o ajuste fiscal com uma agenda de crescimento —o que deve incluir a diminuição dos juros e a ampliação do crédito. "O ajuste fiscal deve preservar os investimentos prioritários e as políticas sociais", diz.
Sobre as críticas à linha desenvolvimentista, ele declara: "Com o desenvolvimentismo dos governos Lula e Dilma se promoveu uma grande inclusão social no país, provavelmente sem precedentes. E o Brasil foi mais independente na sua política externa do que em períodos anteriores".
Nesta entrevista, falando em caráter pessoal, ele trata dos desafios do banco e afirma que os oito anos em que viveu em Washington, como diretor do FMI, foram "uma espécie de guerra" que deixou cicatrizes.
Folha - Qual sua visão sobre o caráter da atual crise brasileira?
Paulo Nogueira Batista Júnior - É uma combinação de fatores econômicos e políticos, internos e externos. No campo externo, aconteceu o fim do superciclo de alta das commodities, em parte por causa da desaceleração da China, e o começo do fim da liquidez suberabundante nos mercados internacionais, em função da esperada reversão da política monetária nos Estados Unidos.
O governo brasileiro permitiu, ou não teve meios de conter, a sobrevalorização grande e prolongada do real, só recentemente revertida, o que danificou o setor industrial e gerou desequilíbrio das contas externas correntes. Houve represamento de preços públicos e certo enfraquecimento da política fiscal no período recente.
Mas os problemas fiscais nem de longe justificam a retórica que circula a respeito ("tragédia" fiscal, "colapso" das contas públicas). Houve até comparações com a Grécia, o que é um absurdo manifesto. Mas, é claro, o dissenso político interno exacerbou de maneira grave a situação econômica e gerou crise de confiança.
Como o Sr. avalia o ajuste conduzido pelo ministro Joaquim Levy? Era necessário? Aprofunda a crise? É um erro?
A disciplina fiscal é sempre fundamental. Mas é mais difícil fazer o ajuste quando a economia está debilitada e a política monetária também é pró-cíclica. O que, em princípio, ajuda a reativação da economia é a depreciação do real. Mas, como o setor externo é pequeno relativamente à economia como um todo, ela não basta.
O essencial mesmo é obter a estabilização política que dará sustentação ao ajuste fiscal. E combinar o ajuste fiscal com uma agenda de crescimento, que certamente deve incluir a diminuição dos juros e a ampliação do crédito. É isso que o governo está buscando, segundo entendo.
Vivendo agora na China, como o Sr. observa os desdobramentos da economia chinesa e seus efeitos para o Brasil? Haverá mudança substancial no modelo de desenvolvimento chinês?
Haverá, acredito, uma mudança gradual do modelo de desenvolvimento da China. O peso relativo do setor de serviços está aumentando; o do setor industrial, caindo. A taxa agregada de investimento deve diminuir aos poucos, enquanto aumenta a taxa de consumo.
A economia está desacelerando, mas o crescimento deve continuar elevado, talvez na faixa de 6% ao ano. O Brasil já está sentindo os efeitos dessas mudanças, pois o crescimento da China, nosso principal mercado de exportação, não só é menor como provavelmente menos intensivo em alguns tipos de commodities que o Brasil exporta, minério de ferro, por exemplo.
Qual deve ser o caminho para o Brasil superar a recessão e a crise política?
Não me sinto em condições de apontar caminhos para o Brasil, estando há tanto tempo fora do país. Diria apenas que o essencial é ter sucesso em um ajuste fiscal gradual, com aumento do superávit primário, combinando isso com taxas menores de juro.
Sucesso no ajuste fiscal pressupõe certa estabilização da situação política, com o executivo e o congresso trabalhando para superar os problemas. E o ajuste fiscal deve preservar os investimentos prioritários e as políticas sociais.
A situação atual significa a derrota do desenvolvimentismo, como alguns apontam?
Sempre houve um movimento pendular entre desenvolvimentismo, de um lado, e liberalismo, de outro. Roberto Simonsen/Eugênio Gudin, Celso Furtado/Roberto Campos, Conceição Tavares/Mario Henrique Simonsen.
No momento, o desenvolvimentismo está sofrendo porque políticas adotadas sob sua orientação geral não deram os resultados esperados. Politicamente falando, não adianta desenvolvimentistas como eu ficarem dizendo: "Ah, mas não era bem isso que nós recomendamos e sugerimos etc".
Assim, como nada adiantava os liberais ficarem dizendo isso na época dos fracassos dos governos Fernando Henrique Cardoso e Fernando Collor. Mas o fato é que,com o desenvolvimentismo dos governos Lula e Dilma, se promoveu uma grande inclusão social no país, provavelmente sem precedentes. E o Brasil foi mais independente na sua política externa do que em períodos anteriores.
Quais devem ser os pilares para um projeto de país?
São as coisas de sempre: desenvolvimento, independência nacional, justiça social, democracia e proteção do meio ambiente. Nos últimos dez ou quinze anos, temos sido razoavelmente bem-sucedidos nesses quesitos.
Nos anos mais recentes, estamos falhando em matéria de desenvolvimento e a crise política ameaça, no meu entender, a democracia. Quando a disputa política ultrapassa certos limites, ela pode colocar em risco o respeito às regras da democracia, inclusive o respeito ao resultado de eleições.
A continuar o quadro de divisão interna, a própria autonomia nacional corre certo risco. Um país politicamente muito dividido perde condições de atuar no plano internacional e se torna mais vulnerável a interferências e pressões do exterior.
Aparentemente, essas estratégias se esgotaram. Como o Sr. analisa o momento atual da crise mundial? Ela está em fase de solução, seguirá ou vai se aprofundar no mundo e no âmbito dos BRICS?
O quadro mundial ainda é adverso. Os Estados Unidos estão se recuperando, mas Europa e Japão seguem com grandes dificuldades. Os emergentes estão desacelerando, de forma geral. Mas nem todos os BRICS estão tendo problemas graves.
A Índia está indo muito bem, em parte porque se beneficia da queda de preços das commodities no mercado internacional. Brasil, Rússia e África do Sul, exportadores de commodities, estão no campo oposto. A China está em desaceleração, mas continua crescendo a taxas elevadas e respondendo por grande parcela do crescimento mundial.
Nesse ambiente, como vai a implantação do banco dos BRICS? Quando ele começa a funcionar de fato?
O banco dos BRICS se chama, na verdade, "Novo Banco de Desenvolvimento" (NBD), pois estará aberto a todos os países membros das Nações Unidas. Isso está no Convênio Constitutivo, os "Articles of Agreement" do NDB, assinado pelos cinco governos na cúpula dos BRICS em Fortaleza, em julho de 2014.
O novo banco começou a funcionar um ano depois, em julho de 2015. Todos os cinco países fundadores ratificaram o Convênio Constitutivo assinado em Fortaleza e o tratado entrou em vigor no dia 3 de julho. O presidente e os quatro vice-presidentes do NBD foram designados e estão trabalhando na montagem da nova instituição.
Neste momento, há uma equipe de cerca de 40 técnicos e pessoal de apoio trabalhando conosco aqui em Xangai. Já houve a primeira reunião do "Conselho de Governadores" e a primeira reunião da "Diretoria Executiva", que é não-residente e é presidida pelo Brasil, na pessoa do embaixador Luis Balduíno, que é secretário de assuntos internacionais da Fazenda.
O presidente do banco, Kundapur Kamath, que é indiano, anunciou que o NBD pretende realizar as primeiras operações de empréstimo em abril do ano que vem. Estamos avançando em várias frentes. Já assinamos, por exemplo, um acordo de cooperação com o BNDES; foi aliás o primeiro acordo assinado pelo NBD.
Quais são os principais avanços e principais dificuldades nesse processo?
É a primeira vez que uma instituição multilateral, que vai atuar em escala global, é criada exclusivamente por países em desenvolvimento ou emergentes. É um grande desafio. Não é fácil começar uma instituição do zero. Por outro lado, isso abre a oportunidade de fazer algo novo, sem a inércia e rigidez das instituições mais antigas.
Já foi dito que o banco representa um movimento para contrabalançar o peso de instituições como o FMI e o Banco Mundial, construídas no pós-guerra. O banco dos BRICS conseguirá enfrentar esses poderes (EUA e Europa)?
O NBD não pretende propriamente enfrentar os poderes existentes. Ao contrário, ele estará aberto à cooperação com todas as instituições, inclusive o FMI e Banco Mundial.
Agora, é verdade que, se as instituições de Bretton Woods, sediadas em Washington, estivessem funcionando maravilhosamente, os BRICS dificilmente se dariam ao trabalho de criar o seu próprio banco de desenvolvimento e o seu próprio fundo monetário.
Uma das razões para a criação do NBD e do "Acordo Contingente de Reservas" (uma espécie de fundo monetário dos BRICS), cujos acordos foram assinados em Fortaleza, foi justamente a frustração dos países dos BRICS com a lentidão do processo de reforma e "aggiornamento" do FMI e do Banco Mundial.
Eu conheço bem esse processo, pois participei da grande maioria das reuniões dos BRICS desde 2008. As instituições de Washington estão mudando —eu mesmo lutei muito por isso nos oito anos em que fui diretor executivo do FMI e acho que conseguimos alguns resultados.
Mas a mudança é insuficiente e o FMI e o Banco Mundial simplesmente não conseguem refletir adequadamente a nova configuração da economia mundial.
Como o Sr. enxerga o poder dos EUA? Segue incontestável? É cadente?
Os EUA são ainda a principal potência, não há dúvida. E vão continuar sendo por algum tempo, talvez muito tempo. Mas passou o "momento unipolar", que se seguiu ao colapso da União Soviética no início dos anos 1990. O mundo é multipolar e será cada vez mais multipolar. Os americanos se adaptam a isso com certa dificuldade, mas não têm como fugir a essa realidade.
Como o Sr. analisa as ações de geopolítica da Rússia nesse momento? E as da China? Como esses movimentos interferem no banco?
A Rússia e a China atuam com independência e incomodam o Ocidente. A Rússia tem pontos de conflito graves com os Estados Unidos e a Europa, na Ucrânia e na Síria notadamente. Mas isso não interfere no trabalho do NBD. O banco não se mistura com os conflitos geopolíticos que os seus membros fundadores por ventura tenham.
Na geopolítica brasileira, como relacionar o banco dos BRICS com o Mercosul?
O Brasil atua simultaneamente em várias esferas, como acontece especialmente com países de dimensão continental. O Mercosul e a América do Sul serão sempre prioridades para o Brasil, independentemente do NBD.
Todos os membros do Mercosul são países em desenvolvimento e poderão examinar, no futuro, se lhes interessará entrar como sócios tomadores de empréstimo do NBD. Mas as condições para admissão de novos sócios ainda estão sendo discutidas e não é assunto para o curto prazo. O "Conselho de Governadores do NBD" terá que decidir sobre isso no momento oportuno.
Quais as vantagens e desvantagens do banco para o Brasil, tão carente de investimentos em infraestrutura?
O Brasil tem sabidamente grandes necessidades de investimento em infraestrutura e o NBD pode ajudar a suprir essas necessidades. É claro que, no início, a contribuição será pequena — o banco está deslanchando e as necessidades brasileiras são imensas.
O Sr. já alertou para o risco de o banco se tornar uma entidade essencialmente asiática, sendo o Brasil mera linha auxiliar de iniciativas chinesas. Qual é a dimensão desse risco?
O risco existe. A sede do banco é aqui em Xangai; o primeiro presidente, por cinco anos, é indiano. Mas o "Convênio Constitutivo" introduz uma série de "checks and balances". Primeiro, a participação no capital e no poder de voto dos cinco BRICS é igual.
Cada um dos outros quatro BRICS tem o direito, previsto no Convênio, de designar um vice-presidente - temos um russo, um chinês, um sul-africano e um brasileiro. O Brasil, como eu já disse, preside a diretoria executiva não-residente do NBD, que é responsável por uma série de decisões e sob cuja orientação a administração do banco trabalha.
O Sr. já tratou da relutância do BC brasileiro em aderir à formação do banco dos BRICS. Qual é a posição do BC e do governo hoje sobre esse projeto? A resistência do BC acabou, permanece, ou foi ampliada em razão da crise econômica atual?
Não é bem isso. O BC brasileiro nunca objetou à formação do NBD. Onde houve certa relutância de setores do BC foi quanto à criação do "Acordo Contigente de Reservas"; havia certo temor de comprometer as reservas brasileiras.
No período 2012-2014, quando eu era diretor no FMI, a diretoria brasileira, com apoio do Ministério da Fazenda, assumiu a tarefa de preparar as diferentes minutas do acordo, representar as posições brasileiras e orientar a negociação.
As negociações foram muito cuidadosas, com participação do BC brasileiro. O acordo assinado em Fortaleza foi bem preparado e creio que esses receios foram superados.
Qual a diferença entre morar em Washington e Xangai? E entre trabalhar no FMI e no banco dos BRICS?
Estou há pouco tempo em Xangai, fica difícil comparar. Mas é sofrido ficar tão longe do Brasil, distante da família, dos amigos, do outro lado do mundo. Isso depois de passar oito anos em Washington. A diferença de fuso atrapalha muito a comunicação com o Brasil.
E Washington está há 10 horas de vôo de São Paulo, Xangai a 28. Trabalhar no FMI é trabalhar em uma entidade muito bem organizada, superestruturada, tão estruturada que se mostra quase que imune à mudança.
Já o NBD é algo que está começando do zero, é uma oportunidade única de fazer algo novo, que ajude os países em desenvolvimento a superar seus problemas, a ampliar a sua infraestrutura e realizar projetos ambientais.
O Sr. disse que seu trabalho no FMI deixou cicatrizes. Quais foram? Espera adquirir outros machucados na China?
Bem, aquilo lá era uma espécie de guerra. E um soldado razoável tem que sair com algumas cicatrizes. A coisa mais fácil do mundo para um diretor executivo em Washington, seja no FMI, seja no Banco Mundial, é se acomodar e virar membro de um clube confortável.
Eu não quis seguir esse caminho e paguei um preço até alto, tive meus dissabores e sofri perseguições. A minha parte de sangue judeu lidou bem com isso. E contei com o apoio do governo brasileiro. Um dia, se tiver tempo, energia, e não morrer antes, vou contar tudo isso - se alguém quiser escutar, é claro.
Agora não tenho tempo. Só queria dizer que a minha recusa de ser membro do clube confortável em Washington não é nenhum mérito especial. É que é enfadonho ser membro desse clube. O tédio é uma coisa realmente terrível. Como dizia Nietzsche, contra o tédio até os deuses lutam em vão. Quanto a cicatrizes na China, é cedo para dizer.
O Sr. falou de dificuldades da vida de um brasileiro no coração do poder nos EUA — aderir ou ser um estranho no ninho. Como vê essa questão vivendo agora na China? Há outro tipo de receptividade por parte dos chineses em relação a uma pessoa vinda do Brasil?
Acredito que sim. Os chineses aqui em Xangai se mostram muito receptivos a estrangeiros. São prestativos e procuram ajudar. A China é uma grande economia dinâmica, mas é também um país em desenvolvimento, como o Brasil. É claro que as diferenças culturais são imensas. Estou lutando para aprender sobre e entender melhor essa civilização milenar."
FONTE: do portal "Brasil 247" com entrevista realizada pela "Folha de São Paulo" (http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/202338/Vice-presidente-dos-Brics-crise-pol%C3%ADtica-'exarcebou'-situa%C3%A7%C3%A3o-econ%C3%B4mica.htm) e (http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/10/1698020-nogueira-batista-ve-ameaca-a-democracia-e-pede-queda-nos-juros.shtml?mobile).
Paulo Nogueira Batista Júnior - É uma combinação de fatores econômicos e políticos, internos e externos. No campo externo, aconteceu o fim do superciclo de alta das commodities, em parte por causa da desaceleração da China, e o começo do fim da liquidez suberabundante nos mercados internacionais, em função da esperada reversão da política monetária nos Estados Unidos.
O governo brasileiro permitiu, ou não teve meios de conter, a sobrevalorização grande e prolongada do real, só recentemente revertida, o que danificou o setor industrial e gerou desequilíbrio das contas externas correntes. Houve represamento de preços públicos e certo enfraquecimento da política fiscal no período recente.
Mas os problemas fiscais nem de longe justificam a retórica que circula a respeito ("tragédia" fiscal, "colapso" das contas públicas). Houve até comparações com a Grécia, o que é um absurdo manifesto. Mas, é claro, o dissenso político interno exacerbou de maneira grave a situação econômica e gerou crise de confiança.
Como o Sr. avalia o ajuste conduzido pelo ministro Joaquim Levy? Era necessário? Aprofunda a crise? É um erro?
A disciplina fiscal é sempre fundamental. Mas é mais difícil fazer o ajuste quando a economia está debilitada e a política monetária também é pró-cíclica. O que, em princípio, ajuda a reativação da economia é a depreciação do real. Mas, como o setor externo é pequeno relativamente à economia como um todo, ela não basta.
O essencial mesmo é obter a estabilização política que dará sustentação ao ajuste fiscal. E combinar o ajuste fiscal com uma agenda de crescimento, que certamente deve incluir a diminuição dos juros e a ampliação do crédito. É isso que o governo está buscando, segundo entendo.
Vivendo agora na China, como o Sr. observa os desdobramentos da economia chinesa e seus efeitos para o Brasil? Haverá mudança substancial no modelo de desenvolvimento chinês?
Haverá, acredito, uma mudança gradual do modelo de desenvolvimento da China. O peso relativo do setor de serviços está aumentando; o do setor industrial, caindo. A taxa agregada de investimento deve diminuir aos poucos, enquanto aumenta a taxa de consumo.
A economia está desacelerando, mas o crescimento deve continuar elevado, talvez na faixa de 6% ao ano. O Brasil já está sentindo os efeitos dessas mudanças, pois o crescimento da China, nosso principal mercado de exportação, não só é menor como provavelmente menos intensivo em alguns tipos de commodities que o Brasil exporta, minério de ferro, por exemplo.
Qual deve ser o caminho para o Brasil superar a recessão e a crise política?
Não me sinto em condições de apontar caminhos para o Brasil, estando há tanto tempo fora do país. Diria apenas que o essencial é ter sucesso em um ajuste fiscal gradual, com aumento do superávit primário, combinando isso com taxas menores de juro.
Sucesso no ajuste fiscal pressupõe certa estabilização da situação política, com o executivo e o congresso trabalhando para superar os problemas. E o ajuste fiscal deve preservar os investimentos prioritários e as políticas sociais.
A situação atual significa a derrota do desenvolvimentismo, como alguns apontam?
Sempre houve um movimento pendular entre desenvolvimentismo, de um lado, e liberalismo, de outro. Roberto Simonsen/Eugênio Gudin, Celso Furtado/Roberto Campos, Conceição Tavares/Mario Henrique Simonsen.
No momento, o desenvolvimentismo está sofrendo porque políticas adotadas sob sua orientação geral não deram os resultados esperados. Politicamente falando, não adianta desenvolvimentistas como eu ficarem dizendo: "Ah, mas não era bem isso que nós recomendamos e sugerimos etc".
Assim, como nada adiantava os liberais ficarem dizendo isso na época dos fracassos dos governos Fernando Henrique Cardoso e Fernando Collor. Mas o fato é que,com o desenvolvimentismo dos governos Lula e Dilma, se promoveu uma grande inclusão social no país, provavelmente sem precedentes. E o Brasil foi mais independente na sua política externa do que em períodos anteriores.
Quais devem ser os pilares para um projeto de país?
São as coisas de sempre: desenvolvimento, independência nacional, justiça social, democracia e proteção do meio ambiente. Nos últimos dez ou quinze anos, temos sido razoavelmente bem-sucedidos nesses quesitos.
Nos anos mais recentes, estamos falhando em matéria de desenvolvimento e a crise política ameaça, no meu entender, a democracia. Quando a disputa política ultrapassa certos limites, ela pode colocar em risco o respeito às regras da democracia, inclusive o respeito ao resultado de eleições.
A continuar o quadro de divisão interna, a própria autonomia nacional corre certo risco. Um país politicamente muito dividido perde condições de atuar no plano internacional e se torna mais vulnerável a interferências e pressões do exterior.
Aparentemente, essas estratégias se esgotaram. Como o Sr. analisa o momento atual da crise mundial? Ela está em fase de solução, seguirá ou vai se aprofundar no mundo e no âmbito dos BRICS?
O quadro mundial ainda é adverso. Os Estados Unidos estão se recuperando, mas Europa e Japão seguem com grandes dificuldades. Os emergentes estão desacelerando, de forma geral. Mas nem todos os BRICS estão tendo problemas graves.
A Índia está indo muito bem, em parte porque se beneficia da queda de preços das commodities no mercado internacional. Brasil, Rússia e África do Sul, exportadores de commodities, estão no campo oposto. A China está em desaceleração, mas continua crescendo a taxas elevadas e respondendo por grande parcela do crescimento mundial.
Nesse ambiente, como vai a implantação do banco dos BRICS? Quando ele começa a funcionar de fato?
O banco dos BRICS se chama, na verdade, "Novo Banco de Desenvolvimento" (NBD), pois estará aberto a todos os países membros das Nações Unidas. Isso está no Convênio Constitutivo, os "Articles of Agreement" do NDB, assinado pelos cinco governos na cúpula dos BRICS em Fortaleza, em julho de 2014.
O novo banco começou a funcionar um ano depois, em julho de 2015. Todos os cinco países fundadores ratificaram o Convênio Constitutivo assinado em Fortaleza e o tratado entrou em vigor no dia 3 de julho. O presidente e os quatro vice-presidentes do NBD foram designados e estão trabalhando na montagem da nova instituição.
Neste momento, há uma equipe de cerca de 40 técnicos e pessoal de apoio trabalhando conosco aqui em Xangai. Já houve a primeira reunião do "Conselho de Governadores" e a primeira reunião da "Diretoria Executiva", que é não-residente e é presidida pelo Brasil, na pessoa do embaixador Luis Balduíno, que é secretário de assuntos internacionais da Fazenda.
O presidente do banco, Kundapur Kamath, que é indiano, anunciou que o NBD pretende realizar as primeiras operações de empréstimo em abril do ano que vem. Estamos avançando em várias frentes. Já assinamos, por exemplo, um acordo de cooperação com o BNDES; foi aliás o primeiro acordo assinado pelo NBD.
Quais são os principais avanços e principais dificuldades nesse processo?
É a primeira vez que uma instituição multilateral, que vai atuar em escala global, é criada exclusivamente por países em desenvolvimento ou emergentes. É um grande desafio. Não é fácil começar uma instituição do zero. Por outro lado, isso abre a oportunidade de fazer algo novo, sem a inércia e rigidez das instituições mais antigas.
Já foi dito que o banco representa um movimento para contrabalançar o peso de instituições como o FMI e o Banco Mundial, construídas no pós-guerra. O banco dos BRICS conseguirá enfrentar esses poderes (EUA e Europa)?
O NBD não pretende propriamente enfrentar os poderes existentes. Ao contrário, ele estará aberto à cooperação com todas as instituições, inclusive o FMI e Banco Mundial.
Agora, é verdade que, se as instituições de Bretton Woods, sediadas em Washington, estivessem funcionando maravilhosamente, os BRICS dificilmente se dariam ao trabalho de criar o seu próprio banco de desenvolvimento e o seu próprio fundo monetário.
Uma das razões para a criação do NBD e do "Acordo Contingente de Reservas" (uma espécie de fundo monetário dos BRICS), cujos acordos foram assinados em Fortaleza, foi justamente a frustração dos países dos BRICS com a lentidão do processo de reforma e "aggiornamento" do FMI e do Banco Mundial.
Eu conheço bem esse processo, pois participei da grande maioria das reuniões dos BRICS desde 2008. As instituições de Washington estão mudando —eu mesmo lutei muito por isso nos oito anos em que fui diretor executivo do FMI e acho que conseguimos alguns resultados.
Mas a mudança é insuficiente e o FMI e o Banco Mundial simplesmente não conseguem refletir adequadamente a nova configuração da economia mundial.
Como o Sr. enxerga o poder dos EUA? Segue incontestável? É cadente?
Os EUA são ainda a principal potência, não há dúvida. E vão continuar sendo por algum tempo, talvez muito tempo. Mas passou o "momento unipolar", que se seguiu ao colapso da União Soviética no início dos anos 1990. O mundo é multipolar e será cada vez mais multipolar. Os americanos se adaptam a isso com certa dificuldade, mas não têm como fugir a essa realidade.
Como o Sr. analisa as ações de geopolítica da Rússia nesse momento? E as da China? Como esses movimentos interferem no banco?
A Rússia e a China atuam com independência e incomodam o Ocidente. A Rússia tem pontos de conflito graves com os Estados Unidos e a Europa, na Ucrânia e na Síria notadamente. Mas isso não interfere no trabalho do NBD. O banco não se mistura com os conflitos geopolíticos que os seus membros fundadores por ventura tenham.
Na geopolítica brasileira, como relacionar o banco dos BRICS com o Mercosul?
O Brasil atua simultaneamente em várias esferas, como acontece especialmente com países de dimensão continental. O Mercosul e a América do Sul serão sempre prioridades para o Brasil, independentemente do NBD.
Todos os membros do Mercosul são países em desenvolvimento e poderão examinar, no futuro, se lhes interessará entrar como sócios tomadores de empréstimo do NBD. Mas as condições para admissão de novos sócios ainda estão sendo discutidas e não é assunto para o curto prazo. O "Conselho de Governadores do NBD" terá que decidir sobre isso no momento oportuno.
Quais as vantagens e desvantagens do banco para o Brasil, tão carente de investimentos em infraestrutura?
O Brasil tem sabidamente grandes necessidades de investimento em infraestrutura e o NBD pode ajudar a suprir essas necessidades. É claro que, no início, a contribuição será pequena — o banco está deslanchando e as necessidades brasileiras são imensas.
O Sr. já alertou para o risco de o banco se tornar uma entidade essencialmente asiática, sendo o Brasil mera linha auxiliar de iniciativas chinesas. Qual é a dimensão desse risco?
O risco existe. A sede do banco é aqui em Xangai; o primeiro presidente, por cinco anos, é indiano. Mas o "Convênio Constitutivo" introduz uma série de "checks and balances". Primeiro, a participação no capital e no poder de voto dos cinco BRICS é igual.
Cada um dos outros quatro BRICS tem o direito, previsto no Convênio, de designar um vice-presidente - temos um russo, um chinês, um sul-africano e um brasileiro. O Brasil, como eu já disse, preside a diretoria executiva não-residente do NBD, que é responsável por uma série de decisões e sob cuja orientação a administração do banco trabalha.
O Sr. já tratou da relutância do BC brasileiro em aderir à formação do banco dos BRICS. Qual é a posição do BC e do governo hoje sobre esse projeto? A resistência do BC acabou, permanece, ou foi ampliada em razão da crise econômica atual?
Não é bem isso. O BC brasileiro nunca objetou à formação do NBD. Onde houve certa relutância de setores do BC foi quanto à criação do "Acordo Contigente de Reservas"; havia certo temor de comprometer as reservas brasileiras.
No período 2012-2014, quando eu era diretor no FMI, a diretoria brasileira, com apoio do Ministério da Fazenda, assumiu a tarefa de preparar as diferentes minutas do acordo, representar as posições brasileiras e orientar a negociação.
As negociações foram muito cuidadosas, com participação do BC brasileiro. O acordo assinado em Fortaleza foi bem preparado e creio que esses receios foram superados.
Qual a diferença entre morar em Washington e Xangai? E entre trabalhar no FMI e no banco dos BRICS?
Estou há pouco tempo em Xangai, fica difícil comparar. Mas é sofrido ficar tão longe do Brasil, distante da família, dos amigos, do outro lado do mundo. Isso depois de passar oito anos em Washington. A diferença de fuso atrapalha muito a comunicação com o Brasil.
E Washington está há 10 horas de vôo de São Paulo, Xangai a 28. Trabalhar no FMI é trabalhar em uma entidade muito bem organizada, superestruturada, tão estruturada que se mostra quase que imune à mudança.
Já o NBD é algo que está começando do zero, é uma oportunidade única de fazer algo novo, que ajude os países em desenvolvimento a superar seus problemas, a ampliar a sua infraestrutura e realizar projetos ambientais.
O Sr. disse que seu trabalho no FMI deixou cicatrizes. Quais foram? Espera adquirir outros machucados na China?
Bem, aquilo lá era uma espécie de guerra. E um soldado razoável tem que sair com algumas cicatrizes. A coisa mais fácil do mundo para um diretor executivo em Washington, seja no FMI, seja no Banco Mundial, é se acomodar e virar membro de um clube confortável.
Eu não quis seguir esse caminho e paguei um preço até alto, tive meus dissabores e sofri perseguições. A minha parte de sangue judeu lidou bem com isso. E contei com o apoio do governo brasileiro. Um dia, se tiver tempo, energia, e não morrer antes, vou contar tudo isso - se alguém quiser escutar, é claro.
Agora não tenho tempo. Só queria dizer que a minha recusa de ser membro do clube confortável em Washington não é nenhum mérito especial. É que é enfadonho ser membro desse clube. O tédio é uma coisa realmente terrível. Como dizia Nietzsche, contra o tédio até os deuses lutam em vão. Quanto a cicatrizes na China, é cedo para dizer.
O Sr. falou de dificuldades da vida de um brasileiro no coração do poder nos EUA — aderir ou ser um estranho no ninho. Como vê essa questão vivendo agora na China? Há outro tipo de receptividade por parte dos chineses em relação a uma pessoa vinda do Brasil?
Acredito que sim. Os chineses aqui em Xangai se mostram muito receptivos a estrangeiros. São prestativos e procuram ajudar. A China é uma grande economia dinâmica, mas é também um país em desenvolvimento, como o Brasil. É claro que as diferenças culturais são imensas. Estou lutando para aprender sobre e entender melhor essa civilização milenar."
FONTE: do portal "Brasil 247" com entrevista realizada pela "Folha de São Paulo" (http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/202338/Vice-presidente-dos-Brics-crise-pol%C3%ADtica-'exarcebou'-situa%C3%A7%C3%A3o-econ%C3%B4mica.htm) e (http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/10/1698020-nogueira-batista-ve-ameaca-a-democracia-e-pede-queda-nos-juros.shtml?mobile).
Nenhum comentário:
Postar um comentário