["Toma lá, dá cá", "loteamento do governo", sempre foram a fórmula da "governabilidade", exceto na ditadura militar. A diferença é que, quando o governo satisfaz prioritariamente os ricos e "o mercado", essa prática é chamada pelo nome pomposo e enaltecedor de "coalizão presidencial"]
Para o parlamento, a política virou negócio
Por Hélio Doyle, jornalista, foi professor da Universidade de Brasília e secretário da Casa Civil do governo do Distrito Federal
"Não há modelo de regime ou sistema de governo e político perfeito, sem defeitos. Em todos, há problemas, nenhum assegura integralmente a democracia ampla, a governabilidade plena, a representatividade ideal, a legitimidade incontestável. Há alguns modelos que se aproximam mais do desejável, dependendo da visão que cada um tem do que seria esse desejável, segundo suas convicções, mas para todos haverá algum tipo de contestação.
Independentemente disso, porém, não há como não reconhecer que o que existe hoje no Brasil é muito ruim. Nada, aqui, funciona bem. O Estado está estruturado para não dar certo. E para que a chamada "governabilidade" dependa de acordos espúrios entre os governantes e os parlamentares, e não de alianças políticas legítimas, fundadas em programas e metas. Os partidos, salvo raríssimas e inexpressivas exceções, não são formados em torno de ideologias e programas, mas de interesses econômicos e financeiros de seus membros.
No Brasil, hoje, poder político é um caminho para o enriquecimento pessoal. Tendo poder, ganha-se dinheiro. Quanto mais poder, mais dinheiro. O poder de um deputado é seu voto, sua voz, sua assinatura e seu trânsito facilitado nos escalões do governo. Se esse deputado lidera um grupo ou uma bancada, seu poder aumenta. Se tem comando de um partido, ou preside a casa legislativa, mais poder detém. Tudo bem se estivéssemos falando apenas do poder político. Mas, hoje, esse poder se traduz em dinheiro.
A luta por cargos no Executivo e no Legislativo não é apenas para que o grupo político do parlamentar tenha mais prestígio ou visibilidade, ou para que possa executar políticas públicas que o ajudem em sua trajetória política. É, principalmente, para ganhar dinheiro com contratos, com a liberação de pagamentos e com a venda de facilidades. É política, mas é sobretudo negócio.
Nos parlamentos, o comércio é generalizado. Parlamentares vendem votos, projetos, discursos, pareceres, assinaturas (e retirada de assinaturas), convocações, desconvocações, emendas, CPI e o que mais pintar. Vendem também a intermediação de negócios: facilitam o acesso de empresas a autoridades, fazem lobby pelos interesses empresariais. A política é vista como um grande negócio. Há poucos dias, em Brasília, um empresário precisando desenrolar uma pendência anunciou a executivos de sua empresa que iria procurar um senador que tem comando sobre o burocrata que emperrava uma solução. E acrescentou: “O problema é que vai sair caro isso”.
Pois além de fazer negócios à sombra da nobre instituição parlamentar, nossos senadores e deputados, esses em Brasília e em vários estados, têm se esmerado, nos últimos tempos, em impedir que os governos façam o que têm de fazer: governar. Como os governos não se sustentam em partidos ideológicos, formados com alguma homogeneidade e comprometidos com o sucesso da gestão, é o balcão de negócios que prepondera. Sem qualquer compromisso com a governabilidade, os parlamentares preferem o discurso fácil e demagógico, aprovam medidas que ganham aplausos de alguns segmentos – geralmente corporativistas – mas prejudicam o conjunto da população, ou rejeitam propostas que podem ser boas para o país, mas não são de interesse de algum setor. Se o governo “paga”, apoiam. Se não paga, são contra.
Os governos, para evitar isso, são obrigados a contribuir para os negócios dos parlamentares, sujeitando-se às chantagens que, quase sempre, a imprensa, irresponsavelmente, trata como coisas normais, próprias da política. Querem cargos, liberação de emendas (das quais geralmente recebem “retorno” das empresas beneficiadas), ajuda financeira para as campanhas e “participação” nos contratos feitos pelas administrações e empresas públicas. Em Brasília, já é famoso o pedido feito por uma deputada distrital ao governador, em troca de seu apoio: “Me dá uma empresa, não custa nada”. Ora, ela dirá que estava apenas exercendo seu legítimo poder conquistado nas urnas.
É essa questão que, no fundo, enfrentam o governo federal e governos estaduais e do Distrito Federal: como governar com parlamentos que não querem fazer política, mas negócios. E que, em muitos casos, como no Congresso Nacional, como governar dependendo de deputados e senadores que, além de fazer seus negócios habituais, ainda querem inviabilizar o governo para derrubá-lo – e assim, no poder, fazer mais negócios ainda, e mais rentáveis.
Não adianta fingir: é duro, mas é assim que funciona. E dificilmente vai mudar, pois as mudanças dependem dos que estão ganhando muito com a atividade parlamentar, e dos que esperam ganhar ainda mais. E que, por isso, ironizam os que se opõem a esse sistema, tratados como sonhadores que nada entendem de política, de governabilidade e de pragmatismo."
FONTE: escrito por Hélio Doyle, jornalista, foi professor da Universidade de Brasília e secretário da Casa Civil do governo do Distrito Federal. Publicado no portal "Brasil 247" (http://www.brasil247.com/pt/blog/heliodoyle/202254/Para-o-parlamento-a-pol%C3%ADtica-virou-neg%C3%B3cio.htm). [Trecho inicial entre colchetes acrescentado por este blog 'democracia&política'].
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