domingo, 10 de fevereiro de 2008

POR QUE A GRANDE MÍDIA BRASILEIRA É TUCANOPEFELISTA?

Em outros artigos já abordamos de outra forma esse conceito. Este assunto ressurgiu-me após perceber, hoje, nas entrelinhas de notícias, a frustração, a raiva e o preconceito da grande imprensa contra os blogs: “irresponsáveis”, “agressivos” e pouco inteligentes, pois “pouco compreendem” .
É visível que ela reconheceu e está incomodada porque não tem mais o monopólio absoluto da informação. A internet e seus blogs estão arranhando esse domínio. Um pequeno arranhão, sem dúvida, mas o suficiente para já incomodar.

Os trechos seguintes, extraídos da coluna de Eliane Catanhêde, da Folha de São Paulo (FSP) de hoje exemplificam essa percepção. Frisei os trechos que mostram onde a internet incomodou quando, anteontem, divulgou dados negativos sobre o governo tucano de São Paulo que já estavam há muitos dias de posse de grandes jornais, mas estavam abafados. Isso forçou alguns jornais, como a Folha, a também informarem sobre as irregularidades dos tucanos. Obviamente, também colocaram outras extensas matérias com as justificativas do governo estadual, do PSDB.

FSP, 10/02/2008:

Os R$ 108 milhões dos cartões do governo Serra em 2007 são o Eduardo Azeredo da crise da tapioca. Quando os tucanos mais comemoravam o mensalão, Azeredo entrou na roda e estragou-lhes a festa. Quando começavam a brindar a tapiocaria, vem a água fria dos cartões de Serra. Quanto mais se acusam, mais tucanos e petistas se parecem. Os dois lados blefam ao alardear a criação de uma CPI em Brasília e outra em São Paulo para investigar uso do dinheiro público em restaurantes caros e baratos, lojas de doces e de jóias, hotéis e carros alugados em feriados. Uma orgia.” ”Os petistas e tucanos de internet, essas novas categorias do cenário político, irresponsáveis e agressivas, ficariam surpresíssimos se ouvissem a troca de elogios que Serra e ilustres lulistas trocam fora dos holofotes. Mas não seguiriam. Aliás, nem compreenderiam.”

Voltemos à pergunta do título: “Por que a grande mídia é tucanopefelista?”. Uma simples retrospectiva do ambiente na mídia durante o governo PSDB/DEM-PFL no Brasil evidenciará a resposta.

O AMBIENTE DE PROPAGANDA DE INTERESSE EXTERNO

No governo PSDB/PFL foram massificadas no Brasil pela mídia concepções julgadas muito mais “modernas”. Diretrizes novas que nos levariam para o primeiro mundo. Exemplos:

· Economia totalmente aberta, com livre circulação de capitais financeiros, serviços e mercadorias, sem barreiras tarifárias;
· Total desregulamentação do mercado financeiro;
· Regulamentação econômica tipo laissez faire;
· Estado-mínimo, não-regulador da atividade econômica, não-promotor do desenvolvimento, voltado apenas para o social;
· Estado-enxuto (que a globalização fez substituir o obsoleto Estado-Nação), onde o planejamento estratégico e o comando da economia também são funções do mercado e devem passar para os investidores privados (*);
· Reforma admnistrativa do Estado para adequá-lo à Nova Ordem Mundial;
· E muitos outros “avançados” conceitos nos eram martelados.

(*) No ponto em que o Brasil chegou, no final do século XX, os acima citados investidores privados brasileiros passaram a ser, principalmente, as multi e transnacionais estrangeiras que aqui operavam.

Aquelas “modernas idéias” eram repetidas nas principais redes de televisão, nos jornais e revistas de grande tiragem, mas também em pequenos jornais de bairro. Até em discursos presidenciais, em forma explicativa, didática, professoral.

Um ex-Ministro (C&T e Refoma do Estado) daquela época, Luis Carlos Bresser-Pereira, mais recentemente expressou como via os rumos do Brasil na década do governo PSDB/PFL:
A idéia de nação desapareceu. Os critérios para a administração do governo federal foram aqueles ditados por Washington e Nova York e têm como gestor o FMI (Fundo Monetário Internacional)” (Folha de S. Paulo (FSP), 01/05/2004).
Em 23/05/2004, declarou ao mesmo jornal: “Nos anos 90 o Brasil se submeteu a uma ideologia antinacional e permitiu que essa ideologia desorganizasse o Estado brasileiro. O país paralisou-se e ficou sem o conceito de Nação
”.

O jornal Folha S. Paulo (FSP), em 18 de julho de 2004, expressou sobre
aquele cenário:
as regras em vigor desde 1974 transformaram o FMI num braço armado do governo dos EUA. Armado não com armas, mas de forma equivalente, para defender os interesses econômicos e financeiros norte-americanos e para atacar qualquer economia que tenha a veleidade de se opor a esses interesses. O braço do Congresso dos Estados Unidos que fiscaliza os atos do Executivo, textualmente, estabeleceu ao Diretor-Executivo do FMI (cargo privativo de representante dos EUA) que o comércio internacional de produtos e minerais deve ser submetido à absoluta prioridade dos produtos e minerais norte-americanos.
Em outro ponto, o documento do Congresso norte-americano orienta o FMI para “garantir a hegemonia nuclear para os EUA e para os atuais detentores dessa tecnologia, impedindo que outros países venham a ter condições de também se beneficiar da referida tecnologia
” (C. H. Cony, FSP, 18/07/2004).

Muitos brasileiros, especialmente políticos, autoridades públicas, empresários, jornalistas, militares, pareciam-me catequizados por aquela capciosa propaganda reinante na época.
Não entendo como não percebiam a cilada. Nela, eram evidentes o interesse e a manipulação da única superpotência hegemônica e dos principais países desenvolvidos.

Naquela época, como hoje, praticamente, todas as notícias do exterior eram centralizadas, processadas e distribuídas por poucas grandes agências internacionais de propriedade norte-americana ou de seus maiores aliados. As notícias e campanhas de propaganda de interesse externo chegavam ao Brasil em uníssono e eram aqui sustentadas por mecanismos e interesses obscuros.

A EXPLÍCITA MANIPULAÇÃO DA IMPRENSA BRASILEIRA PELOS EUA

O ex-chefe no Brasil do “Federal Bureau of Investigation” (FBI) no período 1999-2003 tornou aqueles mecanismos e interesses mais claros, ao declarar que “uma das importantes funções que a Embaixada dos EUA no Brasil tinha era influenciar, manipular, conduzir, controlar a imprensa brasileira, inclusive comprando-a para atender os nossos interesses” (depoimento à “Carta Capital” nos 283 e 284, de 24 e 31/03/2004).
O estranho foi a imprensa brasileira calar completamente sobre aquelas bombásticas informações vazadas pelo alto funcionário do FBI, de que ela era freqüentemente comprada. Não houve repercussão.

Segundo a referida autoridade norte-americana do FBI, no Brasil atuavam centenas de agentes secretos a serviço deles, sem nenhum controle brasileiro dos seus objetivos, das atividades ou da movimentação pelo território nacional.
O citado dirigente do FBI ainda por cima deixou evidente que os palácios do Itamaraty, do Planalto e até o residencial da Alvorada foram grampeados no interesse deles! A liberdade deles era total. Externou que, se nos EUA nos fossem concedidas as mesmas liberdades que lhes permitimos no Brasil (naquele governo PSDB/PFL), todos lá iriam para a cadeia, desde o Secretário de Justiça.

Os EUA influenciavam muitos outros setores, além da nossa imprensa.
Sua força materializava-se, notadamente, por meio do poder econômico (não somente como “anunciantes”) das grandes multinacionais com braços no Brasil.

Nos mínimos detalhes, as campanhas de implantação no Brasil de conceitos com interesses externos estavam sempre presentes em tudo.
Um minúsculo e curioso exemplo: o “Manual de Redação da Presidência da República”, publicado em 1991, governo Collor, distribuído na década tucanopefelista para todo o Executivo, exemplificava o uso correto do travessão com a seguinte frase doutrinária (pág. 101):
As restrições ao livre mercado -especialmente o de produtos tecnológicamente avançados- podem ser muito prejudiciais para a sociedade” (as restrições existentes nos mercados do primeiro mundo para os produtos agrícolas e outros produtos da nossa pauta de exportações não foram usadas para exemplos de boa redação, no manual).
No “Jornal Nacional” de 05/04/1996, em meio a uma notícia, a apresentadora transmitiu em “close” e em tom solene para todo o Brasil: “No mundo moderno, em que todos os países caminham fortemente para a globalização da economia, não tem mais sentido o Brasil proteger a sua indústria nacional, especialmente na área de tecnologia de ponta”.

O resultado daquela lavagem cerebral foi o estado de espírito reinante na elite econômica e em nossos dirigentes do PSDB/PFL, em relação aos EUA: total aderência às suas doutrinas. Uma mistura de fascinação, obediência, temor, subserviência, timidez e reverência.

O surpreendente para mim foi a radical transformação ocorrida em nossas autoridades. Muitos conhecidos intelectuais e ex-ativistas brasileiros de esquerda, que nos tempos da Guerra Fria haviam passado a imagem de não simpatizantes dos Estados Unidos e do capitalismo livre, tornaram-se dirigentes nacionais que repetiam aqueles novos conceitos e me pareciam ser adoradores dos EUA e seguidores fiéis das suas diretrizes ultraliberais. Predominaram na condução do Brasil naquela década. A expressão “esqueça o que eu disse” era usual na época.

Tímidas tentativas brasileiras de exigência de reciprocidade por parte dos países desenvolvidos, como a que seria esperada em decorrência da nossa dadivosa abertura do mercado nacional para eles, eram logo aqui mesmo abortadas como sendo “retaliação burra”.

Aquela doença que acometeu o Brasil ainda está presente. O jornal Folha de S. Paulo publicou: “afrontar os interesses dos EUA, ser antiamericano, é patriotismo nacionalisteiro, coisas de um país de 2a classe como o Brasil” (F. Rodrigues, FSP, 17/05/2004).

A propaganda no Brasil de interesses das grandes potências insistia muito na necessidade da nossa urgente e total abertura aos capitais, produtos e serviços estrangeiros.
Eu julgava que abrir o nosso mercado e ampliar o comércio não necessariamente seria ruim para o Brasil. O que estava errado era ele estar sendo radicalmente aberto, intempestiva e indiscriminadamente, e somente em um sentido. Aquele sentido que interessava e favorecia os países já ricos, desenvolvidos e com seus produtos já competitivos e com alto valor agregado.
Felizmente, há brasileiros na imprensa com percepção para aquelas capciosidades. Luis Nassif, na FSP de 25/05/2004, publicou: “Todos os países desenvolvidos e ricos recorreram a medidas protecionistas para se firmarem como potências. Depois de consolidados nas novas posições, passaram a pregar para os demais o livre comércio como a única via para o desenvolvimento. Copiá-los era ridicularizado como ‘prática ultrapassada’. Aqui, a imprensa e nossos dirigentes diziam: ‘onde deu certo é assim’; mas não diziam ‘enquanto não dava certo não era assim’

Ocorria no Brasil, no governo PSDB/PFL, a reedição, com bela capa de moderno estilo, do Tratado de Methuen, de 1703, por meio do qual Portugal escancarou o mercado luso-brasileiro aos produtos industrializados ingleses.
Com aquela abertura, trocada pela venda portuguesa de vinhos e azeites -cujas produção e comercialização foram logo depois assumidas por empresas inglesas-, Portugal deixou de se industrializar e, desse modo, perdeu seu status de potência mundial, caindo na periferia subdesenvolvida nos séculos seguintes.
Aquela lição aqui estava esquecida.

Aqui pregavam na grande mídia a insistente mensagem que do exterior nos passavam. Pregavam também nos discursos presidenciais, dos nossos dirigentes, dos “modernos economistas” e dos “renomados sociólogos”.
Diziam: “no mundo globalizado, países em desenvolvimento, como o Brasil, deveriam se modernizar, abrir-se totalmente para o exterior. Se escancarar.
Não importava aos pregadores tucanopefelistas o fato de o país ainda conter muitos setores estratégicos em gestação ou na fase inicial de consolidação, setores que até então eram considerados merecedores de temporária proteção do Estado até terem capacidade de competir. Tínhamos que abrir sem nada exigir, para tudo.

Insistiam que deveríamos deixar de se proteger, de querer se industrializar e de se desenvolver tecnologicamente. Deveríamos passar a lutar no mercado liberalizado em igualdade de condições com as potências econômicas mundiais. Afirmavam que, assim, encontraríamos os “nichos de oportunidade” e o progresso que nos fosse possível na nova ordem internacional.
A “mágica do mercado” solucionaria tudo sozinha, sem intervenção dos Estados.
Haveria aqui, em conseqüência, segundo eles, “o violento e benéfico choque de competição com produtos importados dos países já desenvolvidos, mais competitivos”.
Omitiam que aqueles países assim são desenvolvidos e ricos porque melhor protegeram suas indústrias e produtos; e ainda os amparam.
O velho Adam Smith renascia das cinzas, mas só para nós.

Aquelas doutrinas neoliberais aqui aceitas e então muito propaladas pelo governo PSDB/PFL significavam, figurativamente, colocar para lutar no ringue o então campeão mundial peso-pesado Mike Tyson contra uma criança brasileira e com a justiça da total liberdade no duelo, da mesma ausência de regras (desregulamentação). Valia tudo igualmente para os dois, chute no fígado e quebrar o pescoço. O Brasil, como uma criança em desenvolvimento, teria que encontrar seu nicho na tal luta.

Os EUA, porém, não escutam até hoje a sua própria propaganda, o seu próprio canto da sereia neoliberal.
Até subsídios de bilhões de dólares os EUA concedem anualmente para vários de seus setores (ex.: o setor algodoeiro dos EUA recebeu ajuda de US$ 12,5 bilhões, de 1999 a 2003).
A Europa age de maneira semelhante.
Os EUA e a Europa, desse modo, aumentam a riqueza e o poder de venda dos seus ricos às custas dos não apoiados produtores pobres da América Latina e da áfrica.

Os EUA teimam em continuar “atrasados”, com seus subsídios e com a sua protecionista legislação, como a “Buy-American Act” de 1993.
As agências governamentais dos EUA são praticamente proibidas de comprar bens e serviços de empresas estrangeiras; há elevados níveis mínimos de conteúdo local, e outros termos preferenciais de preços para as empresas norte-americanas.
Essa legislação norte-americana é muito semelhante, mas ainda hoje muito mais rigorosa do que, como aqui diziam, o nosso “finado e fracassado modelo de industrialização e de substituição de importações, do trágico tempo da ditadura”.

Muitos aqui na nossa imprensa chegaram a manifestar que, desse jeito protecionista, os EUA se darão mal daqui a uns duzentos ou trezentos anos. Será a queda daquele novo império romano. Por isso, não devemos imitá-los nessa proteção e no incentivo que eles dão às inovações tecnológicas...Fomos engabelados?

A CAMPANHA NA IMPRENSA DEU CERTO?

Para os EUA (e para os outros países industrializados que vieram na esteira, aproveitando a nossa abertura), tudo aquilo implantado no Brasil pelos governos Collor e tucanopefelista, bem como na Argentina e na América Latina em geral na década de 90 deu muito certo.
Certo para os EUA. Para os norte-americanos acarretou muitos novos empregos de alta qualificação. Segundo estudo da UFRJ, o Brasil exportou para os EUA naquela década 12 milhões de empregos. Em contrapartida, as empresas estrangeiras aqui criaram no mesmo período apenas 1,5 milhões de empregos.
Já no terceiro ano da nossa "mudança modernizante", 1993, a América Latina comprava mais dos EUA do que lá compravam o Japão ou a Alemanha (US$ 65 bilhões). A taxa de crescimento das exportações dos EUA para a América Latina foi três vezes maior do que para todas as demais regiões do planeta.
Aquilo crescia exponencialmente em benefício dos EUA e dos países ricos e industrializados.
È lógico que esses interesses externos não mudaram desde então. Os EUA e demais potências continuam querendo assegurar a boa qualidade de vida dos seus cidadãos. Querem também o nosso subserviente apoio às políticas externas deles.
O processo "modernizante" tucanopefelista ficou inacabado em 2002. Muitas empresas estatais lucrativas foram vendidas para estrangeiros. Contudo, muitas outras, como a Petrobrás, Furnas, CEMIG, Banco do Brasil, CEF, ainda não foram totalmente passadas para governos e empresas estrangeiras.

Assim, as campanhas de interesse dos EUA e das grandes potências na nossa mídia continua, e forte. O apoio aos nossos partidos PSDB/PFL-DEM, que lhes foram muito convenientes, será cada vez mais intenso, até o retorno desses partidos ao poder.

Lembrando o que disse o ex-chefe no Brasil do “Federal Bureau of Investigation” (FBI), que “uma das importantes funções que a Embaixada dos EUA no Brasil tinha era influenciar, manipular, conduzir, controlar a imprensa brasileira, inclusive comprando-a para atender os nossos interesses”, está claro por que a nossa grande mídia é tucanopefelista.

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