DIREITOS HUMANOS SOMENTE PODEM SER COBRADOS DE PAÍSES FRACOS OU DE POTENCIAIS INIMIGOS, E SE A DIVULGAÇÃO DE VIOLAÇÃO NÃO PREJUDICAR INTERESSES DAS GRANDES POTÊNCIAS
Li ontem no site Carta Maior o seguinte artigo de Flávio Aguiar, correspondente internacional da Carta Maior:
O FIM DA PICADA
O Supremo Tribunal britânico decidiu que as provas (existentes) de que o acusado Bynyam Mohamed, hoje preso em Guantánamo pelo governo norte-americano, foi torturado, não devem ser tornadas públicas. País da Europa é civilizado. Nós não somos.
Para quem acha que o Brasil é uma república de bananas porque se recusa “a confiar no sistema judiciário” da Itália, “um país democrático”, o que está acontecendo na Grã-Bretanha é um filé de aprendizado. Claro: a Grã-Bretanha não é a Itália. Até porque para os nossos eurocêntricos de plantão a nórdica Grã-Bretanha é mais européia do que a mediterrânea Itália.
Mas valer a analogia. País da Europa é civilizado. Nós não somos. Quer dizer, aquele nós que é das periferias não é civilizado. Nós, os da “upper class”, somos.
Vamos aos fatos.
O Supremo Tribunal britânico decidiu que as provas (existentes) de que o acusado Bynyam Mohamed, hoje preso em Guantanamo pelo governo norte-americano, foi torturado, não devem ser tornadas públicas.
Quer dizer: o tribunal reconheceu que houve tortura. Reconheceu que há provas documentais sobre isso. Mas proibiu que elas venham a público. É mole?
Expliquemos o caso.
Bynyam é um cidadão nascido na Etiópia, com pedido de cidadania britânica. Acusado de terrorismo, foi seqüestrado no Paquistão pela CIA. Foi mantido em cárceres secretos (os que o presidente Obama quer fechar) da CIA no Paquistão, em Marrocos, para onde foi transportado, no Afeganistão, para onde também foi levado, e em Guantanamo, onde está hoje. Em todos eles foi torturado. Os métodos? Aplicação de “banhos” (quer dizer, afogamentos) e de cortes pelo corpo, inclusive no pênis. Há provas. A Suprema Corte britânica reconheceu. Mas não quer divulgar.
Por quê? Aí começam as complicações.
1) A Corte alega estar sob pressão. De quem? Do Serviço Secreto norte-americano. Esse “Serviço” ameaçou cortar toda a cooperação com o similar britânico caso as provas fossem divulgadas. Pasme, leitor ou leitora: não estamos falando de uma república de bananas. Mas de um país em que nossa mídia brasileira eurocêntrica diria que devemos confiar cegamente. Ou seja, a Corte Suprema da Rainha cedeu a uma forma de chantagem.
2) Há uma complicação maior. Os defensores de Bynyam alegam que além do Serviço Secreto norte-americano, o britânico também participou das torturas. Ou seja, a revelação das provas ia comprometer todo o serviço “by appointment of her majesty the queen”.
3) Outra complicação: no transporte de Bynyam do Paquistão para Marrocos, depois para o Afeganistão e finalmente para Guantanamo, esteve comprometida uma empresa de aviação pertencente ao conglomerado da Boeing, a Jeppesen Dataplan Inc. Isso mostra uma estreita ligação entre uma companhia privada de transporte e as agências secretas de dois governos, o que por si só já seria matéria de investigação, digamos, por uma CPI, se fosse o Brasil que, evidentemente, para aquele olhar eurocêntrico, “não é um país sério”, perto da “sisuda Grã-Bretanha”.
4) A Jeppesen Dataplan é conhecida por esse tipo de prestação de serviço. Fonte: Al Jazzera? Cuba? Eu? Não. A American Civil Liberties Union, a maior organização legal de combate em favor dos direitos civis nos Eua, que aceitou e abraçou o caso de Bynyam.
5) Os advogados de Bynyam entraram com um pedido de libertação/extradição de Bynyam para a Grã-Bretanha. A Suprema Corte britânica aprovou. O que fez os EUA. Nada. Nem respondeu. Os prisioneiros de Guantanamo vivem sob um sistema parecido com o Ato-5 brasileiro de 1968.
6) A procuradora chefe dos tribunais de exceção norte-americanos, coronel Susan Crawford, aceitou a alegação de que Bynyam foi torturado, o que anularia o processo contra ele. Mas ele segue preso, porque novos processos podem ser apresentados contra ele. Um absurdo.
7) Tudo isso em países que, para os nossos euro-decêntricos de plantão, o Brasil não tem estatura para contestar.
8) Todo esse material está fartamente documentado na internete. E em publicações como o The Guardian, entre outras.
Os juízes britânicos que determinaram a inviolabilidade do segredo sobre as provas da tortura de Bynyam se disseram constrangidos e se sentido “incômodos” pela decisão que tiveram de tomar. Mais ou menos como o então ministro Roberto Campos que, ao assinar o ato de cassação de Juscelino Kubitscheck, se sentiu “incômodo”.
Tudo isso é insuportável. E deve servir de escarmento e vergonha para os colonizados que contestam o direito e a autoridade do Brasil contestar o aparato jurídico europeu, se este tomar decisões incompatíveis com a Declaração dos Direitos Humanos da ONU, de 1948. Bem vinda soberania do Brasil.”
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