quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

P. N. BATISTA: EUA E EUROPA - CRISE FINANCEIRA E FISCAL

"Da crise financeira à crise fiscal

Dúvidas crescentes quanto à sustentabilidade das contas públicas devem forçar os governos a iniciar o ajuste fiscal

A crise econômica mundial, que começou no sistema financeiro em 2007, ameaça converter-se em crise fiscal. Refiro-me principalmente aos países desenvolvidos. Na maioria dos países de mercado emergente, o quadro é mais favorável.

O problema é mais grave na Europa, onde diversas economias avançadas e emergentes registram deterioração dramática em termos de deficit público e nível de endividamento. A Grécia parece ser apenas a ponta de um iceberg.

Os números são medonhos. Nos Estados Unidos, o deficit fiscal alcançou quase 10% do PIB em 2009. No Reino Unido, mais de 14%. Na Espanha, mais de 11%. Na França, quase 8% do PIB. A dívida pública vem aumentando rapidamente nas economias desenvolvidas.

Nos cinco países atingidos por crises financeiras sistêmicas (Estados Unidos, Reino Unido, Espanha, Irlanda e Islândia), a dívida pública aumentou em média cerca de 75% em termos reais de 2007 a 2009.

Menos comentados são os dados de dívida externa bruta (dívida pública e privada colocada no exterior) dos países desenvolvidos. Estudo recente de Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, que toma por base estatísticas do FMI e do Banco Mundial, mostra que a dívida externa das economias avançadas alcança, em média, nada menos que 200% do PIB.

No caso da Europa desenvolvida, a razão dívida externa/PIB chega a 266%! Na América Latina, notória por sua propensão a crises de endividamento externo, a razão dívida externa bruta/PIB está por volta de 50%. Parte considerável da dívida externa dos europeus é dentro da Europa, o que pode mitigar o problema. Mas não há dúvida de que a fragilidade das contas europeias aumentou bastante nos anos recentes.

A desconfiança começa a rondar os desenvolvidos, especialmente os europeus. A situação fiscal pré-crise já era problemática em muitos desses países em razão do impacto do envelhecimento da população sobre gastos públicos com previdência e saúde. Com a crise de 2007-2009, as contas governamentais foram fortemente afetadas pelas medidas de socorro ao sistema financeiro, pelos programas de estímulo fiscal e pela própria recessão.

Os mercados estão ficando cada vez mais inquietos quanto à sustentabilidade das contas públicas de vários países europeus. A Grécia é um caso extremo, mas diversas outras economias estão sob suspeita, notadamente Espanha, Portugal e Itália, mas também o Reino Unido e até mesmo a França. Alguns analistas avaliam que as contas britânicas e francesas se parecem mais com as italianas do que com as alemãs.

Essa situação cria um dilema delicado para os países desenvolvidos, inclusive para os Estados Unidos. A recuperação da atividade econômica ainda está longe de consolidada. Ela foi impulsionada por políticas fiscais e monetárias ultra-expansivas, mas a demanda privada continua relativamente fraca. Desse ponto de vista, parece prematuro retirar os estímulos fiscais e monetários.

Por outro lado, as dúvidas crescentes quanto à sustentabilidade e confiabilidade das contas públicas devem forçar os governos, ou alguns deles, a iniciar o ajustamento fiscal antes que a recuperação tenha se firmado. Cortes de gastos ou aumentos de impostos reforçariam a confiança na solvência do governo, mas podem provocar uma recaída na recessão."

FONTE: escrito por PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., diretor-executivo no FMI, onde representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago). Publicado hoje (18/02) na Folha de São Paulo.

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