domingo, 11 de abril de 2010
PIB CRESCE 6% ESTE ANO - ENTREVISTA COM O PRESIDENTE DO BNDES
Luciano Coutinho calcula aumento de investimentos neste ano e crescimento de 6% do PIB
‘Não há pressão inflacionária no País’, afirma o presidente do BNDES
‘O que vimos é que o mercado começou a projetar expectativas mais altas de inflação’
"Cotado para assumir o Ministério da Fazenda em um eventual governo da candidata do PT, Dilma Rousseff, o economista Luciano Coutinho acredita que “os mercados são míopes” e estão equivocados ao elevar suas estimativas para a inflação, porque “não existem gargalos de oferta” na economia brasileira.
“É muito cedo para prognosticar o aparecimento de tensões inflacionárias”, disse Coutinho, que preside o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Ele calcula que os investimentos vão subir 18% este ano, garantindo crescimento sustentável de pouco menos de 6% para o Produto Interno Bruto (PIB).
Os investidores apostam que o Banco Central deve elevar os juros na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) para controlar a inflação. Coutinho diz que “não quer falar de política monetária” e confia que “o BC vai colocar as expectativas sob controle”.
Mas ressalta que existe “um problema de compreensão” da magnitude dos investimentos. “Vamos ter uma surpresa positiva”, garante. Ele conta que o radar do BNDES detectou projetos em vários setores.
Especialista em política industrial, Coutinho diz que “tem grande identidade de pontos de vista” com Dilma. Questionado sobre seus rumos profissionais, desconversa e diz que “o futuro a Deus pertence”. Ele, porém, discorre com naturalidade sobre o que considera as prioridades do País nos próximos anos: elevar a taxa de poupança, reduzir o déficit externo e estimular financiamentos de longo prazo. “Não me conformo de o Brasil ter perdido peso na exportação mundial”, diz. A seguir, os principais trechos da entrevista.
O que os dados do BNDES mostram sobre os investimentos das empresas brasileiras?
É alvissareiro constatar uma recuperação firme da decisão de investir do setor privado, que decorre da confiança na sustentabilidade do crescimento depois que o País ultrapassou de maneira tão surpreendente a crise. Depois de uma queda forte, o investimento se recuperou no segundo trimestre de 2009 e temos indícios que, em 2010, crescerá de maneira firme. Algo entre 18% e 20%. A taxa de investimento vai atingir pouco menos de 19% do PIB, recuperando quase toda a perda. De 2011 em diante, o desafio é fazer com que a proporção de investimento sobre o PIB suba em direção a 22%, 23%. Uma taxa de investimentos de 25% do PIB é o necessário para a economia crescer entre 7% e 7,5%.
Com uma taxa de investimento de 19%, quanto o Brasil pode crescer este ano sem inflação?
O importante não é o 19%, mas que o investimento aumente duas a três vezes mais que o PIB e puxe o crescimento. Este ano, a minha expectativa é que o investimento suba 18% e o PIB, pouco menos de 6%. A relação estaria sendo satisfeita, o que assegura sustentabilidade.
Os investimentos ainda não amadureceram. É preciso conter o crescimento da economia?
Não. Vamos ter uma surpresa positiva com o investimento. Os dados revelam que o PSI (Programa de Sustentação do Investimento do BNDES) tem sido muito eficiente. As decisões de investimento estão disseminadas por quase todos os setores. A venda de máquinas subiu de forma extraordinária. A média diária de liberações do Finame (linha de crédito do BNDES), que no pico da crise era de US$ 154 milhões/dia, estava em US$ 212 milhões em janeiro. Há renovação forte do parque fabril. Tudo isso representa mais oferta. É muito cedo para prognosticar o aparecimento de tensões inflacionárias. Neste momento, não existem gargalos de oferta. A média de utilização de capacidade produtiva se recuperou, mas está abaixo de níveis que levam à preocupação com a inflação. Temos de cuidar dos setores com nível de capacidade mais elevado e persuadi-los a acelerar o investimento. Mobilizá-los pelo diálogo com entidades de classe.
Não seria necessário elevar juros, como apontou o relatório de inflação do BC?
É outro departamento. Não quero falar sobre a política monetária, mas apenas o seguinte: uma coisa é o uso da capacidade, outra, a expectativa dos agentes. Eles calculam a taxa de crescimento e o uso futuro de capacidade – enxergam à frente e, assim, formam expectativas. Existem modelos econométricos, o próprio BC tem os seus. O que vimos nas últimas semanas é que o mercado começou a projetar expectativas mais altas de inflação. É importante manter essas expectativas sob controle, e tenho confiança absoluta que o BC brasileiro fará isso.
Se avaliarmos o mundo real, o mercado está exagerando?
Os mercados são sempre um pouco míopes. Tendem a pintar com cores mais fortes o passado recente.
Mas o senhor diz que existem investimentos programados e não há gargalos de oferta…
Não existe uma visibilidade tão nítida desse movimento de ascensão do investimento. À medida que fique claro que os investimentos estão subindo e continuarão subindo em 2010, 2011, a percepção vai mudar. Temos um problema de compreensão. O investimento se recuperou em quase todos os setores. Estava concentrado em petróleo e gás, mas agora se espalhou. Ficou concentrado em empresas grandes, mas agora chegou às pequenas e médias. O investimento só não se recuperou de maneira forte entre os exportadores, porque depende do mercado externo. Ainda assim, em muitos casos em que as empresas têm a China como destino, os planos de investimento começam a voltar.
A demanda chinesa gera investimentos no País, mas pressiona preços. Qual o impacto da alta de 100% do minério de ferro?
O aumento do preço do minério não se deve ao mercado brasileiro, mas ao forte crescimento de China e Índia. Tem de ser relativizado. Esse aumento vai ser diluído nas cadeias produtivas. E é um fato de mercado: o preço spot (à vista) do minério de ferro estava muito acima dos preços de referência.
O senhor está preocupado com o déficit nas contas externas?
Tenho preocupação não neste ano, não no próximo, mas no médio prazo. Uma explosão forte do déficit ‘vulnerabiliza’ o País. Significa um processo acelerado de assunção de dívida externa, que, a médio prazo, debilita a posição cambial. Ainda não é um incêndio, mas temos de olhar as tendências. Um dos remédios importantes é o fortalecimento da capacidade exportadora brasileira. Não me conformo de o Brasil ter perdido peso na exportação mundial.
Como o Brasil vai financiar os investimentos com um poupança doméstica tão baixa?
O mais importante da poupança doméstica é o fluxo de lucro das empresas. Vejo uma firme recuperação à medida que o crescimento retoma. Um segundo componente é a poupança das famílias. Advogo que deveríamos refletir sobre como fortalecer isso ainda mais, através de um tratamento tributário estimulante, vinculado à aquisição da casa própria e a fundos de seguro e previdência. Em terceiro lugar, vem a poupança do setor público. Existe uma firme disposição da política fiscal de sustentar um superávit primário de maneira a reduzir o déficit nominal praticamente a zero em três anos. A combinação desses fatores reforçará a capacidade de poupança do País.
O senhor está participando da elaboração do plano de governo da ex-ministra Dilma Rousseff?
Sempre tive um diálogo muito próximo com a ministra Dilma e uma identidade grande de pontos de vista. Colaborarei dentro das minhas possibilidades, mas pesa sobre os ombros do presidente do BNDES uma agenda sobrecarregadíssima. A determinação que tenho do presidente Lula é ficar até o fim e remar o máximo para o desenvolvimento da economia."
FONTE: reportagem de Raquel Landim, publicada hoje (11/04) no "O Estado de S. Paulo" e reproduzida no blog de Luis Favre.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário