sexta-feira, 28 de setembro de 2012

UM MATRIMÔNIO DE IMBECIS: Romney e Netanyahu

Mitt Romney e Netanyahu
Artigo de Uri Avnery, escritor israelense, no “SinPermiso”

"Certa feita, o presidente Richard Nixon queria nomear um certo advogado para a Corte Suprema dos EUA. “Mas este homem é um completo idiota!” - exclamou um senador. “O quê?” Respondeu outro. “Há um grande número de idiotas nos EUA, e que têm direito a estarem representados na corte, tanto como qualquer outro setor da sociedade”.

Talvez os “Imbecis Unidos da América” tenham o direito a eleger Mitt Romney como presidente. Mas, para o bem dos EUA e de Israel, espero que isso não aconteça.

Há quem diga que Israel é o Estado número 51 da União. Alguns dizem que é o primeiro dos 51. Seja como for, nossas vidas – e talvez nossas mortes – dependem em grande medida do homem da Casa Branca. Assim é que, com todas as minhas dúvidas (e tenho muitas) a respeito de Barack Obama, tenho grandes esperanças na sua reeleição.

Em seu último ataque de sabedoria, Romney não apenas revelou que 47% dos estadunidenses são parasitas, mas também que “os palestinos” querem destruir Israel. Segundo ele, o conflito entre Israel e os palestinos não tem solução, seguirá para sempre. Eu me pergunto de onde vem tamanha genialidade.

Na Alemanha nazista, houve um certo Herr Doktor Ott Dietrich, um funcionário do Ministério da Propaganda. Todos os dias da semana, ele reunia os editores dos jornais mais importantes de Berlim e lhes dizia quais seriam as manchetes e os editoriais do dia seguinte.

Isso aconteceu antes da internet e do fax. Hoje em dia, o gabinete do Primeiro Ministro envia mensagens por fax diariamente para os ministros de Netanyahu e outros palhaços, a quem lhes diz quais mensagens devem difundir.

Tenho a firme suspeita de que Romney lê essa página de mensagem logo antes de se reunir em suas atividades de campanha, que está repleta de multimilionários (ou meros milionários). Afinal de contas, ele não é capaz de inventar tamanhos disparates por si mesmo, ou é?

Os palestinos” significa “todos os palestinos”. Os nove milhões deles na Cisjordânia [invadida e ocupada por Israel], em Jerusalém do Leste [invadida e ocupada por Israel], na Faixa de Gaza [mantida asfixiada como um gueto por Israel], sem esquecer dos refugiados mundo afora.

Bom, suponho que se, por intervenção divina, Israel venha a desaparecer do mapa, muito poucos palestinos derramarão uma lágrima. Como, tampouco, muito poucos israelenses derramariam uma lágrima se, de novo por intervenção divina, todos os palestinos desaparecessem. Seriam, também, poucos os israelenses que ofereceriam ajuda a Deus, todo poderoso, nessa tarefa. Quem sabe, se os amigos evangélicos de Romney orarem o suficiente, seu Deus possa talvez desmaterializar todos os russos, os chineses, os coreanos do norte, os iranianos e uma variedade de outros “malfeitores”.

Por desgraça, essas fantasias pertencem aos reinos dos sonhos e dos pesadelos. No mundo real, os povos não desaparecem nem depois de grandes esforços genocidas, nem tampouco podem os estados que possuam bombas nucleares serem erradicados por seus inimigos estrangeiros.

Há conosco muitos palestinos e nenhum deles acredita que Israel possa ser aniquilado. Desde que Yasser Arafat decidiu, em fins de 1973, que devia chegar a um acordo com Israel, a grande maioria dos palestinos quer um acordo que lhes permita estabelecer um estado próprio numa parte da Palestina histórica. Isto é o que se conhece como “a solução dos dois Estados”.

O atual governo de Israel não quer isto, porque ele não está disposto a renunciar a 22% da Palestina histórica [que Israel invadiu e ocupou], que se converteria no Estado da Palestina. E, ao não oferecer uma alternativa razoável, os porta-vozes do governo afirmam que “este conflito não tem solução”.

Um dos pais desse lema é Ehud Barak. Depois do encontro fracassado de Camp David, em 2000, Barak, então Primeiro Ministro, pronunciou a célebre frase: “não temos nenhum sócio para a paz”. Dado que Barak era a causa principal da reunião, passei a chamá-lo de “criminoso de guerra”.

Agradecido, Netanyahu reconheceu a afirmação de Barak e, hoje, a grande maioria de Israel acredita de forma implícita nessa mensagem. Há pouco tempo, fui entrevistado por um jornalista dinamarquês e lhe disse: ...”quando terminarmos, pare o primeiro táxi [em Israel] e pergunte ao motorista a respeito da paz e ele lhe dirá: A paz seria maravilhosa. Estou até disposto a devolver todos os territórios pela paz. Mas, infelizmente, os árabes nunca farão a paz conosco”. Uma hora depois, o jornalista me ligou, emocionado. “Fiz exatamente o que você me disse e o motorista repetiu suas palavras, uma por uma”.

Não há solução” parece significar “tudo continuará como está”. Isso é um erro. Nada fica como está. As coisas se movem o tempo todo, os "assentamentos" [israelenses, implantados a força nas terras palestinas invadidas] se ampliam, os palestinos voltarão a organizar levantes e o mundo está em mudança constante, o mundo árabe muda, algum dia o presidente estadunidense porá os interesses dos EUA à frente dos de Israel. Onde estaremos, então?

A essência da afirmação de Romney é que a solução de “dois Estados” está morta. Isso me lembra a famosa frase de Mark Twain: “O comunicado de minha morte foi um pouco exagerado”.

Agora, está na moda dizê-lo. Toda uma tendência. No entanto, pessoas diferentes têm razões diferentes para acreditar que a solução dos dois Estados está morta.

Os pais, os mestres, os pedófilos e os canibais todos dizem que amam as crianças. Mas seus motivos não são os mesmos. Isso também é verdade para os aspirantes a sepultadores da solução dos dois Estados. Estes incluem:

-- de um lado, idealistas que desejam que as pessoas de diferentes nações vivam juntas em harmonia e igualdade, num só estado. (Eu gostaria que estudassem a história da União Soviética, da Yugoslávia, da Tchecoslováquia, do Chipre, do Sudão e a situação atual dos franceses no Canadá, dos escoceses na Grã Bretanha, dos flamengos na Bélgica e dos bascos e catalães, na Espanha).
-- De outro, incluem: os árabes, que realmente acreditam que essa solução é um modo pacífico de se desfazer de Israel.
-- Em terceiro lugar: os “assentados”, que querem converter a totalidade da Palestina histórica em seu domínio e, se possível, “limpar” o país de não-judeus.
-- Em quarto: os israelenses, que acreditam que os assentamentos em territórios palestinos criaram uma situação que é “irreversível” (Meron Benvenisti, um ex-tenente da cidade de Jerusalém, cunhou esta frase já em 1980, quando havia menos de 100 mil moradores nessas áreas. Eu lhe disse, então, que nada é irreversível, exceto a morte. As situações criadas pelo seres humanos podem ser alteradas por outros seres humanos).
-- Em quinto: os antissionistas, inclusive os judeus antissionistas, que odeiam o sionismo indiscriminadamente, com todos os seus bons e maus aspectos, e para quem a existência de um estado “judeu’ é uma abominação.
-- Sexto: os fanáticos muçulmanos, que creem que a Palestina é território muçulmano, pelo que ceder qualquer parte dela a não-muçulmanos é um pecado mortal.
-- Em sétimo: os fanáticos judeus, que acreditam que todo Eretz-Israel, desde o Nilo até o Eufrates, lhes foi “prometido por Deus”, pelo que ceder uma parte sua a não-judeus é um pecado mortal.
-- Em oitavo lugar: os fanáticos cristãos, que creem que a segunda vinda do Cristo será possível somente depois da reunião de todos os judeus neste país (em Israel, sem lugar nele para ninguém mais).

Desculpe-me se esqueci de alguém.

Algumas dessas pessoas inventaram algo chamado “solução de um Estado”. Isso é um oximoro. Se existe o “problema de um só Estado”, não há solução de um só estado.

De vez em quando, vale a pena voltar aos fatos fundamentais de nossa vida: Há dois povos que vivem neste país. Nenhum deles vai desaparecer: estão aqui para ficar. Por ora, os árabes palestinos que vivem no país seguem sendo uma minoria, mas em breve constituirão maioria. Ambos os povos são intensamente nacionalistas. Ambos têm diferentes culturas, línguas, religiões, relatos históricos, estruturas sociais, padrões de vida. Na atualidade, depois de uns 130 anos de conflito contínuo, há ódio intenso entre eles.

A possibilidade de que esses dois povos possam viver em paz sob um só estado, servindo no mesmo exército e polícia, pagando os mesmos impostos e cumprindo as mesmas leis promulgadas por um mesmo parlamento comum, é nula.

A possibilidade de que estes dois povos possam viver em paz lado a lado em dois estados, cada um com sua própria bandeira e seu próprio governo eleito (e sua própria equipe de futebol), essa sim, existe. Essa coexistência pode assumir diferentes formas: desde uma confederação com a abertura de fronteiras e a livre circulação até estruturas como a da União Europeia.

Espero que isso não seja demasiado complicado para Mitt Romney entender. Mas isso pode ser irrelevante se – como espero fervorosamente – ele não for eleito. Não gostaria que um ignorante tivesse a oportunidade de aprender os assuntos do mundo sobre as nossas costas.”

FONTE: escrito por Uri Avnery, escritor israelense e ativista pela paz do movimento “Gush Shalom”. Transcrito no site “Carta Maior” com tradução de Katarina Peixoto  (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20969). [Trechos entre colchetes adicionados por este blog 'democracia&política'].

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